Roberto Rillo Bíscaro
Geralmente situado ao lado dos também assassinos Jason Voorhees (Sexta-Feira 13) e Michael Myers (Halloween), o falastrão Freddy
Krueger é feito d’outro material dramatúrgico, pelo menos em sua aparição
primeira, em 1984. Jason e Myers são silentes máquinas de matar determinadas
por um mal externo a eles. Eles se deslocam exterminando sem pensar. São
clássicos do subgênero slasher.
A Hora do Pesadelo, de Wes Craven, complicou/revigorou a
então já desgastada fórmula do slice’n’dice,
porque Freddy fala, faz piada, saltita dentro e fora de subconscientes. Preferindo
o silêncio de Jason, vi os 2 primeiros A Nightmare on Elm Street, no cinema, e
desisti de Krueger. Então, preferia os psicóticos mascarados calados ao
histriônico Freddy, brilhante canastrice do ator Robert Englund, que, com sua simpatia
fora das telas alimenta certa perversidade ao deixar o tétrico e cruel Krueger
gostável.
Incentivado pelo afluxo de leitores na postagem onde
comento minha maratona de filmes sobre Amityville, fiz o mesmo com A Hora do
Pesadelo.
32 anos após vê-lo no cinema, ainda me lembrava de quase
todas as cenas de morte e do final. A Hora do Pesadelo (1984) foi a estreia do
cultuado (não por mim) Johnny Depp nas telonas e é mais do que slasher film. A cena onde a primeira
moça é possuída por Krueger e pirueta na cama e por todo o quarto é puro O
Exorcista (1974), então se trata duma cruza entre slasher e filme de possessão
demoníaca, porque Fred não é o típico assassino externo slasher; ele habita os
sonhos dos adolescentes e pode sair deles ou agir no mundo real. Assim, está em
toda parte e em nenhuma, porque depende que se creia nele pra agir.
Pros que não sabem: Freddy Krueger fora um assassino
serial de crianças, que devido a uma tecnicalidade não seria condenado. Um
grupo de pais queimou-o vivo e anos depois o carbonizado volta pra aterrorizar
e matar adolescentes, filhos desses vingadores por conta própria. A Hora do
Pesadelo é como a continuação dum slasher jamais filmado e é sobre como
violência gera ciclo interminável e degradante
Wes Craven problematizou mais de um lugar-comum slasher. No subgênero, adolescentes
sexualmente ativos ou que se entorpecem são serialmente chacinados em locais
isolados, longe da supervisão dos adultos ou incapazes de serem por eles
auxiliados. Em A Hora dos Pesadelo, os adultos convivem com os teens, mas não os ajudam porque não
acreditam neles ou porque simplesmente também estão/são inaptos/ineptos, desde
a mãe alcoólatra ou o pai chefe de polícia, que sequer vive com a filha.
O uso das paisagens
oníricas permite a inclusão de elementos surrealistas num filme independente de
baixo orçamento, que resistiu muito bem ao tempo. As mortes são divertidas e
ainda tem interpretação ruim, ou seja, dá pra agradar fãs de filme B e
cinéfilos “cultos”, especialmente porque a crítica especializada contemporânea
o elogia, daí não queima o filme gostar desse filme.
A Hora do
Pesadelo 2: A Vingança de Freddy (1985) é provavelmente o filme de horror mais
gay que já vi. A volta, ação e temporária derrota de Krueger interessam e
divertem bem menos do que as diversas insinuações visuais e na criação de
personagem insinuando homoeroticidade. Pra começar, na maior parte do filme, o
garoto Jesse (chamado de Jessy, diminutivo pra Jessica também) parece ser a
“final girl”. Em slashers, quem é mais assombrado e derrota o assassino sempre
é moça. Nessa vingança de Freddy, Jesse não apenas cumpre essa função quase o
filme todo, mas até berra como scream queen (gargalhei), dança e dubla cantora pop enquanto limpa o quarto (slasher tem hard rock na trilha, coisa de macho!) e corre pro quarto dum amigo
depois de não conseguir transar com a namorada. Não há nudez feminina, mas a
película está cheia de bofinho sem camisa e tem até cena onírica em bar
sadomasô, à qual se segue uma morte masculina com bumbum de fora e tudo!
A parte slasher mesmo é uma droga, sutileza já
era, mas ainda vale ver pelo subtexto gay; muito engraçado.
Em
87, Nancy, a final girl do original, retorna em A Hora do Pesadelo 3:
Guerreiros dos Sonhos. O roteiro é de Craven e lida com uma droga capaz de
controlar os sonhos. A função de Nancy é ajudar teens aterrorizados a derrotarem Krueger em seu próprio reino dos
sonhos. Apesar do envolvimento de Craven, nenhuma metaleitura ou finesse são
possíveis. É um filme de terror com boas cenas de sonho e Freddy é derrotado
(SQN) na porrada. Também recorre ao estratagema comum nas demais franquias slasher, a saber, começa a detalhar o
passado do maníaco: descobrimos que Krueger é fruto dum estupro coletivo. No
elenco, Patricia Arquette começando a carreira, Zsa Zsa Gabor aparecendo em talk show e Priscilla Pointer, mãe de
Carrie, a Estranha (1976), filme que provavelmente gerou a onda dos vilões não
morrerem no final. Fãs de DALLAS também se lembrarão da ex-sogra de Bruno
Barreto como Rebeca Wentworth, mãe de Pam, Cliff e da maluca Katherine.
Em A Hora do
Pesadelo 4: O Mestre dos Sonhos (1988), Freddy Krueger já penetrara tanto nos
sonhos de consumo que o nome de Robert Englund precede o título, numa época em
que créditos iniciais eram longos.
O queimado do demônio começa a infernizar e
eliminar o trio de adolescentes que o derrotara na parte 3. A irmã dum deles
tem o poder de conseguir trazer pessoas pra seus sonhos, o que pode ser tanto bom
quanto ruim, mas também significa que sabe derrotar Krueger. Sabemos, contudo,
que o único poder de vencer bicho-papão de franquia é baixa bilheteria. Com
elenco desconhecido e historinha meia-boca, essa parte nunca decola além do
passável. Um dos elementos que não me atraem quando se mexe demais com sonho é
que qualquer coisa vale e isso em mãos menos competentes/honestas é complicado.
Há sonho que não me convenceu ter se passado enquanto alguém dormia. Quem curte
pode buscar as citações a filmes como Karatê Kid (1984) ou Tubarão (1975).
Sacal.
A
popularidade de Freddy era tão alta, que gerou série de TV tipo antologia, como
Contos da Cripta. Freddy’s Nightmares teve 44 episódios, durou de 88 a 90 e
quase ninguém viu. Cada show tem 2
histórias ligadas por personagem comum, que Krueger apresenta e comenta, como a
caveirinha da Cripta. Em diversos episódios, participa como agente do horror,
inclusive o primeiro conta como morreu e foi dirigido pelo prestigioso Tobe
Hooper.
Mas, é tudo
muito podre, e o pior que não no tipo “de tão ruim é bom”. A despeito dalguns
roteiros promissores, a falta de orçamento implicou “atores” pavorosos, que nem
a família conhecia; ambientação esquálida e muita falação pra suprir ausência
de acontecimentos por carência de grana. A maioria dos episódios são
simplesmente chatos.
Fãs xiitas de Brad Pitt poderão querer vê-lo
garantindo tostões no começo de carreira, trabalhando mal pra burro! Pitt
também participou de DALLAS e é de minha série favorita que reconheci Mary
Crosby, a Kristin Shepard, famosa no começo dos 80’s por ter atirado em JR
Ewing e Deborah Rennard, a Sly Lovegreen, fiel secretária do vilão por anos.
Sou fã xiita de DALLAS, mas caso você não seja, mantenha distância de Freddy’s
Nightmares. A não ser que queira ver se algum ídolo seu de agora começou nessa
porcaria, que sequer chegou ter a segunda temporada lançada em DVD, porque a
primeira não vendeu nada.
Em
89, Freddy quis ser papai ou possuir um feto pra retornar à vida. Essa é a
estapafúrdia premissa de A Nightmare on Elm Street 5: Dream Child. Essas
franquias apresentam elementos em um filme, que depois podem ser contraditos em
outros ou reutilizados depois de dormentes por tempos. Lógica não importa,
quando se quer fazer grana. Então, retomam a freira Amanda Krueger – mãe de
Freddy – que fora serialmente estuprada por 100 pacientes mentais. Nada
indicava que Freddy nascera deformado, mas pra chocar em sequência de pesadelo
também vale tudo. Lidando com temas como gravidez juvenil, aborto e distúrbios
alimentares, o filme tenta se equilibrar entre clima gótico azulado e cenas de
humor, mas não convence.
Em
1991, as franquias slasher lucravam cada vez menos e começavam a entrar em
hibernação. Hora de matar o queimado com dedos de navalha. A sexta prestação
vem com um Freddy tão popular que o nome é Freddy’s Dead: The Final Nightmare;
primeiro vem o nome da prima dona, depois o da franquia. Nos créditos iniciais,
epígrafes de 2 Freds, o Nietzsche e o Krueger (“welcome to prime time, bitch!”).
Os fãs remanescentes queriam Freddy, não havia mais sensação de culpa em torcer
pelo vilão até porque ele já estava tão cartunizado que o consumo era de
violência tipo Tom e Jerry. Até em videogame Nintendo ele interage, como animação.
Boa parte do filme é comédia e nesse quesito funciona. Junto com o primeiro e o
aviadado segundo, esse foi outro de que gostei. O enredo é qualquer nota. Dez
anos após os eventos do filme anterior, Freddy exterminara todos os
adolescentes de Springwood (viram que nome esperançoso, de renascimento
pós-invernal, de abundância prometida de primavera?) e a cidadezinha
reduzira-se a amontoado de velhos amalucados pela falta de sangue jovem e
filhos. E todos seguem descrendo em Freddy, que cisma em reencarnar ou
globalizar, assombrando sonhos em escala maior. Pra isso, tenta possuir uma
filha que tivera antes de todo o imbróglio que culminaria em seu linchamento.
Do nada, após 5 filmes, sacam um rebento de verdade pra Freddy. Franquias são
assim mesmo, nonsense; a gente quer é
morte! Mas, elas vem poucas, o filme vale mesmo porque é engraçado. Fãs de
Johnny Depp, atentem pra ponta que o então já famoso fez. E nos créditos
finais, as melhores cenas de Freddy dos filmes anteriores e um RIP. Será que na
época acreditaram que ele morrera de verdade?
Em
1994, um decênio após o nascimento do superestelar Freddy Krueger, seu criador,
o roteirista e diretor Wes Craven, injetou nova inteligência à franquia com A
Hora do Pesadelo 7: Novo Pesadelo. Apesar da ideia de continuidade do título
brasuca, não é o caso. Trata-se de esperto metacinema, que abandona o entulho
das sequências, as quais, mesmo variando em qualidade de diversão, não passavam
disso. Prenunciando vários elementos do bem-sucedido nas bilheterias e
influente Pânico (1996), o Novo Pesadelo traz Fred pro mundo real. Ao invés de
personagens fictícias, tem-se a atriz que viveu Nancy no filme original
interpretando a si mesma. Heather Langenkamp começa a ter sonhos estranhos e
seu filho a agir de modo errático e perturbado. Ela recebe ligação da New Line
Cinema pruma reunião com produtores e o próprio Wes Craven sobre um novo filme
da franquia pra celebrar a década desde o primeiro. E as estranhezas seguem
ocorrendo. Ou seja, Kruegger ameaça sair da ficção e tornar-se real, porque Wes
Craven’s New Nightmare é mix de reality
show irreal com ficção; um roteiro maroto de inteligente! Executivos da New
Line, Robert Englund, John Saxon, além de Craven, também aparecem como eles
mesmos. Filme cheio de camadas (meta-)interpretativas, vale muito mais pela criatividade
do que pelo terror, porque mortes são quase todas (ou todas) fora da tela.
Divertidíssimo, mas o que clama por atenção é a forma.
Em
2003, o sonho de muitos fãs de ver Freddy Kruegger e Jason Voorhees juntos,
cristalizou-se com Fredy x Jason. Há anos tencionava-se juntar as 2 franquias
mais lucrativas dos 80’s, mas havia problemas de posse de direitos. Quando tudo
se resolveu, o diretor Ronny Yu (confesso não fã de nenhum dos bichos-papões)
filmou o roteiro que colocou Freddy manipulando Jason pra que este fosse a
Springwood aterrorizar pra que a população pensasse ser Freddy. Como todos
haviam se esquecido do queimado, ele perdera poder (mas, como o teve pra
ressuscitar Jason?) e necessitava ser lembrado pra ser sonhado e poder matar
Mas, Jason sempre matou muito mais que Freddy (Jason rules!). Isso desperta a
ira dos dedos de navalha e as 2 divas rodam as saias de gilete com babados de
canivete! As mitologias são bastante respeitadas e fãs dos 2 não têm do que
reclamar. Como Jasonmaníaco, meu meninão mascarado se destaca com as mortes
mais legais, especialmente a do cara bebendo cerveja na cama. A parte da luta
propriamente dita não me interessou muito, mas de modo geral o filme satisfaz
fãs de horror.
Vi a
refilmagem de 2010 imediatamente depois de rever o original pra tê-los frescos
na cachola. Uau, que diferença; quase cochilei com essa releitura empobrecida,
coisa que no de 1984 é impossível acontecer, porque tudo é tão interessante. Um
bando de personagens necessitados de Rivotril (ou os atores estavam péssimos?),
com uma final girl impossível de se
identificar de tão sorumbática, são eliminados às vezes de modo parecido ao
original, mas pasmem, com menos impacto, mesmo com 3 décadas de tecnologia nas
costas. Aliás, a morte mais legal do primeiro filme sequer tem nesse. A
história pregressa de Krueger é mastigada e praticamente qualquer possibilidade
de dupla leitura ou transgressão de convenções é obliterada.
Não invejo o ator que vestiu o suéter, chapéu e
luvas cortantes outrora pertencentes a Robert Englund. A personagem ainda é
muito conhecida, mesmo por uma geração que jamais tenha visto o original ou
alguma continuação. O que me interessava em Englund era que seu Freddy –
repulsivo pelas queimaduras e pela sandice assassina – consegue estabelecer uma
relação sadomasô com o público. Muita gente acaba amando o assassino em série,
porque ele tem seu charme e é engraçado. Claro que isso funciona também como
distanciamento, porque ele é tão over que
o aspecto de ficção e diversão acabam prevalecendo, tipo, tudo bem amar Freddy,
porque sabemos o tempo todo que é de mentira. Tio Englund tem cara de bonzinho;
diferente dos demais assassinos slashers,
cujos rostos jamais vimos fora das telas, porque são dublês mascarados apenas.
Na versão do século XXI, Freddy é apenas abjeto. Feio, com voz horrível, até
essa relação está burrificada. Um monte de lixo que nem a participação de Katie
Cassidy - de Harper’s Island e da malograda ressurreição de Melrose Place -
deixou menos fedido.
Pra
finalizar, vi o excelente documentário Never Sleep Again: the Elm Street
Legacy. Pra fãs e neófitos/curiosos, as 4 horas cobrem todos os filmes
produzidos pela extinta New Line Cinema, que se fundiu com megacorporação. A
pob(d)re refilmagem de 2010 está de fora e é assim que tinha de ser. Essa seria
outra história. Seções são dedicadas a cada um dos filmes e à série de TV.
Atores, produtores, diretores e mestre Craven compartilham anedotas e há
profusão de curiosidades, tipo saber que a maquiagem de queimadura foi
inspirada por uma pizza de pepperoni (Fred subiu muuuuito em meu conceito!) ou
que a estreante Patricia Arquette teve que fazer mais de 50 tomadas de sua
primeira cena, porque não decorava a fala. Claro que os que se tornaram
estrelas nunca participam desses documentários, então fica a palavra dos que não
foram tão bem-sucedidos. Mesmo falando sobre as tensões em algumas gravações e
a precariedade das produções, baixos salários e quase inexistência de roteiros,
quando muitos filmes já estavam sendo filmados, não se esqueça de que o
documentário foi coproduzido por Heather “Nancy” Langenkamp é que a intenção é
mostrar o legado e importância da franquia. Isso resulta em exageros, mas a
inclusão de cenas inéditas e a pletora de curiosidades fazem do produto uma
delícia. Sei lá se esta versão no Youtube é completa: