quarta-feira, 9 de março de 2016

CONTANDO A VIDA 141

Nosso historiador-cronista fala com propriedade e sabedoria sobre o ressentimento, hoje chamado de recalque. E como gente recalcada enche o saco, não Beijinho no ombro pras mandada!

AVISO AOS RESSENTIDOS.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Não diria que ressentimento mata, mas corrói. Corrói a alma, abate o corpo, geme soturno, sempre escondido no mais interior das pessoas. E é um sentimento traiçoeiro porque muitas vezes se traveste de perdão, finge-se vítima de ofensas irredimíveis, e se instala para sempre. Mal crônico. Cresce sem avisar, circula lentamente pelas veias, tomando todo corpo. Por ser latente, dói de vez em quando, grita quando menos se espera e seu eco perfaz rotas detalhadas até dominar a alma toda. Pessoas dadas a esse sentimento não disfarçam tristezas, têm algo diferente no olhar sempre a espreita. Conforme a intensidade do sentimento cria anticorpos, expulsa bons fluidos como benquerenças, paciência, tolerâncias e nem deixa espaço para o amor ou amizade. Vezes acontece em que o ressentimento vira ódio, exige vingança e leva a intriga engenhosas ou ao isolamento. Veja como alcoólatras, drogados, viciados em geral sempre têm mágoas trancadas no coração. Acho que um ressentimento puxa outro e outro mais, até que entopem as ventas. O pior é que na maioria das vezes os magoados não se expressam e, envenenados em si mesmos não buscam soluções. É como se a vida lhes devesse algo e o pagamento sempre adiado os levasse a um pacto com o diabo. É verdade que ressentidos são doentes potenciais, dados a depressão, mas há agravante fatídico: muitos se comprazem em ser assim, não querem sair da prisão em que se colocaram.

Mas, perguntei-me porque estaria escrevendo sobre isto, se não me vejo dono de ressentimentos ou mágoas. É que de repente soube de alguém que guarda amarguras de mim. Ao constatar, refiz périplos, visitei detalhadamente nosso passado e não encontrei esquinas onde pudesse ter virado a rotina do afeto sempre demonstrado. Foi quando resolvi escrever sobre tal sentimento a fim de dimensionar perplexidades. Sinceramente, duas perguntas me ocorreram, uma defensiva e outra menos. No primeiro caso quis saber de mim mesmo como e porque não consigo guardar raiva de ninguém. No segundo, indaguei das razões que poderiam levar um ser a se angustiar por motivos derivados de mim.

Confesso que as respostas vieram fáceis. Ante a primeira alternativa: não registro maldades e nem acalanto desentendimentos. Se não gosto de algo, logo procuro resolver, virar a página, mudar de capítulo. Aprendi a não bordar aflições e esclarecer os caminhos das linhas que desenham a vida. Vou atrás, converso, creio que sei reconhecer meus erros e mais que tudo pedir desculpas, recomeçar de onde paramos. Porque acalento pessoas “do bem”, sei que escutar é verbo mais sonoro do que dizer. Evito chegar ao ponto do tal “acerto de contas”, mas se necessário não fujo dele. A segunda questão me é mais complicada e nos meandros que tornam tortuosos os entendimentos tenho que admitir que devo falhar, sem querer. Pensando no meu novo desafeto vejo que, pelo menos, cometi um erro de avaliação. Sem o norte capaz de movimentar esperanças de solução, precisei desenvolver estas explicações que me acalentam: por que pessoas ressentidas não nos buscam e revertem situações? Fico chateado não com o rompimento, mas com a falta de coragem para acertos e dizeres esclarecedores. Os tipos que se retiram de nossas vidas sem aviso prévio podem sim ser enquadrados como covardes. É lógico que, ao longo da vida, tive desentendimentos graves que quebraram a linearidade de contatos, mas não me lembro de deixar sem explicações o outro lado.


Para os que passam por situações próximas devo dizer que há algo consolador. Por coincidência absoluta, exatamente no dia em que constatei a diferença surda dessa pessoa afastada li uma frase de Caio Fernando Abreu que produziu efeito milagroso: se algumas pessoas se afastarem de você, não fique triste, isso é resposta da oração: “livrai-me de todo mal, amém”.

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