Nosso historiador-cronista fala com propriedade e sabedoria sobre o ressentimento, hoje chamado de recalque. E como gente recalcada enche o saco, não Beijinho no ombro pras mandada!
AVISO AOS RESSENTIDOS.
AVISO AOS RESSENTIDOS.
José Carlos Sebe Bom Meihy
Não diria que ressentimento
mata, mas corrói. Corrói a alma, abate o corpo, geme soturno, sempre escondido
no mais interior das pessoas. E é um sentimento traiçoeiro porque muitas vezes
se traveste de perdão, finge-se vítima de ofensas irredimíveis, e se instala para
sempre. Mal crônico. Cresce sem avisar, circula lentamente pelas veias, tomando
todo corpo. Por ser latente, dói de vez em quando, grita quando menos se espera
e seu eco perfaz rotas detalhadas até dominar a alma toda. Pessoas dadas a esse
sentimento não disfarçam tristezas, têm algo diferente no olhar sempre a
espreita. Conforme a intensidade do sentimento cria anticorpos, expulsa bons
fluidos como benquerenças, paciência, tolerâncias e nem deixa espaço para o
amor ou amizade. Vezes acontece em que o ressentimento vira ódio, exige
vingança e leva a intriga engenhosas ou ao isolamento. Veja como alcoólatras,
drogados, viciados em geral sempre têm mágoas trancadas no coração. Acho que um
ressentimento puxa outro e outro mais, até que entopem as ventas. O pior é que
na maioria das vezes os magoados não se expressam e, envenenados em si mesmos
não buscam soluções. É como se a vida lhes devesse algo e o pagamento sempre
adiado os levasse a um pacto com o diabo. É verdade que ressentidos são doentes
potenciais, dados a depressão, mas há agravante fatídico: muitos se comprazem
em ser assim, não querem sair da prisão em que se colocaram.
Mas, perguntei-me porque
estaria escrevendo sobre isto, se não me vejo dono de ressentimentos ou mágoas.
É que de repente soube de alguém que guarda amarguras de mim. Ao constatar,
refiz périplos, visitei detalhadamente nosso passado e não encontrei esquinas
onde pudesse ter virado a rotina do afeto sempre demonstrado. Foi quando
resolvi escrever sobre tal sentimento a fim de dimensionar perplexidades.
Sinceramente, duas perguntas me ocorreram, uma defensiva e outra menos. No
primeiro caso quis saber de mim mesmo como e porque não consigo guardar raiva
de ninguém. No segundo, indaguei das razões que poderiam levar um ser a se
angustiar por motivos derivados de mim.
Confesso que as respostas
vieram fáceis. Ante a primeira alternativa: não registro maldades e nem
acalanto desentendimentos. Se não gosto de algo, logo procuro resolver, virar a
página, mudar de capítulo. Aprendi a não bordar aflições e esclarecer os
caminhos das linhas que desenham a vida. Vou atrás, converso, creio que sei
reconhecer meus erros e mais que tudo pedir desculpas, recomeçar de onde
paramos. Porque acalento pessoas “do bem”, sei que escutar é verbo mais sonoro do que dizer. Evito chegar ao ponto do tal “acerto de contas”, mas se
necessário não fujo dele. A segunda questão me é mais complicada e nos meandros
que tornam tortuosos os entendimentos tenho que admitir que devo falhar, sem
querer. Pensando no meu novo desafeto vejo que, pelo menos, cometi um erro de
avaliação. Sem o norte capaz de movimentar esperanças de solução, precisei desenvolver
estas explicações que me acalentam: por que pessoas ressentidas não nos buscam
e revertem situações? Fico chateado não com o rompimento, mas com a falta de
coragem para acertos e dizeres esclarecedores. Os tipos que se retiram de
nossas vidas sem aviso prévio podem sim ser enquadrados como covardes. É lógico
que, ao longo da vida, tive desentendimentos graves que quebraram a linearidade
de contatos, mas não me lembro de deixar sem explicações o outro lado.
Para os que passam por
situações próximas devo dizer que há algo consolador. Por coincidência
absoluta, exatamente no dia em que constatei a diferença surda dessa pessoa
afastada li uma frase de Caio Fernando Abreu que produziu
efeito milagroso: se algumas pessoas se afastarem de
você, não fique triste, isso é resposta da oração: “livrai-me de todo mal,
amém”.
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