Você deixa para amanhã o que pode fazer hoje? Nosso historiador-cronista fala sobre a procrastinação, um mal mundial. Será que nosso escriba também adia as coisas? Há procrastinadores famosos? Saiba tudo, lendo a crônica de hoje.
PROCRASTINAR:
VAMOS DEIXAR PARA AMANHÃ O
QUE PODEMOS FAZER HOJE?
José Carlos Sebe Bom Meihy
Sei que a sabedoria popular
recomenda “não deixe para amanhã o que se pode fazer hoje”, mas apendi que um
quarto da humanidade age exatamente ao contrário, transferindo tarefas para
depois. São os tecnicamente chamados “procrastinadores”. Há estudos científicos
sobre essa matéria, coisa séria mesmo, visto que além de afetar relações e
produção de trabalho, incide na felicidade pessoal, perturbando o sonho, o bem-estar
e principalmente a pressão arterial. Sei também de muitas pessoas que deixam
tudo para a última hora, mas dão conta do recado, custe o que custar: noites de
sono, náusea, lágrimas, brigas. Outras existem que de tão habituadas, precisam
da tensão final para produzir melhor e se viciam em suposta “adrenalina”,
aquele barato que permite, depois de concluído o feito adiado, respirar
satisfeito e dizer para si “eu sabia que ia dar certo”.
Nossa cultura tem montanhas de
dizeres que servem de indicativo de tal prática: “depois eu faço”, “amanhã eu
consigo”, “começo na segunda-feira”, “após meu aniversário”; “vou esperar o
feriado”, “no ano que vem”. São exercícios curiosos e traiçoeiros esses
mecanismos que inventamos para postergar, muitas vezes até sem motivos
aparentes. Outro dia li uma reportagem curiosa, feita na Alemanha, na
Universidade de Bielefeld, que dizia que entre mais de 2000 alunos, pelo menos
a metade assumia tal atitude como normal e rotineira em suas vidas. Cerca de 800
deles chegaram a afirmar que não saberiam fazer de outra forma, ou seja apenas
obedeciam aos horários e prazos quando eram mandados por alguém de fora, com
autoridade, regras e punições. Ouve-se dizer que pessoas que sofrem de
Transtornos Obsessivos Compulsivos (o conhecido TOC) ou aqueles que tem Déficit
de Atenção são procrastinadores crônicos. Com certeza, pessoas que querem se
livrar de adicções sabem do que estou falando.
O tema é universal, sem
dúvidas, pois, em todos os quadrantes encontram-se pessoas que até sentem
prazer em “deixar para outra hora”, mas também existem os que se portam de
maneira científica e insistem em provar que há condições biológicas atuando no
caso. Fala-se, por exemplo, de estudos que justificam a atitude procrastinadora
identificando um conflito entre o córtex pré-frontal do cérebro e o sistema
límbico, ou seja, entre a área de tomada de decisões e a que reconhece o
prazer. Mas também existem estudos dizendo que o Brasil é um país culturalmente
aberto à tolerância dos que deixam tudo para um certo amanhã. Antropólogos
nossos, inclusive, acham que não se pode explicar a “teria do jeitinho” sem se
referir ao costume tão aproximado dos efeitos tropicais ou das raízes
lusitanas.
Talvez sirva de consolo
lembrar que há procrastinadores célebres e destacados em diversas áreas.
Estudos da Universidade de Calgary, no Canada, mostram entre os mais reputados
pintores da História alguns praticantes do adiamento. Leonardo Da Vinci, por
exemplo, demorou quatro anos para concluir a Mona Lisa e só terminou a Última
Ceia quando o mecenas resolveu cortar as verbas que o mantinham. O espanhol
Diego Velásquez não terminava suas obras e mantinha uma pequena legião de
ajudantes capazes de dar fim em seus trabalhos. Ainda no campo da pintura cabe
a dúvida se o fato de alguns modernistas deixarem parte da tela em branco seria
uma atitude estética ou estaria inscrita no “depois eu acabo”. Muito mais
excêntrico teria sido o grande escritor Victor Hugo, autor do “Corcunda de
Notre Dame” e “Os miseráveis” que se despia e mandava os empregados esconderem
suas roupas até que terminasse as tarefas planejadas.
Pois bem, falei bastante do
conceito, citei alguns exemplos de procrastinação, mas fugi do problema
especular que me atormenta: serei eu um espécime desses? Como responder? Bem,
deixe-me pensar e, talvez, mais tarde eu responda...
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