Inspirado pela publicação de uma foto de seu pai em um grupo de rede social, nosso historiador-cronista divaga sobre internet, memória, gerações e manifesta um desejo.
SOBRE UMA FOTO DE MEU PAI...
SOBRE UMA FOTO DE MEU PAI...
José Carlos Sebe Bom Meihy.
Honrosamente, fui incluído em
uma dessas listas que, sei lá porque, são conhecidas como redes sociais. Dias passados, aliás, gastei horas pensando na
lógica do nome e para lograr algum sucesso decompus “redes”, separando-a de
“sociais”. Fica fácil imaginar a lógica de “redes”, pois é mecânico arquitetar
a malha tecida enredando “amigos” que chamam “amigos” multiplicando elos numa
ilusão planetária. Confesso que acho até bonito este esforço visto pelo prisma
da utopia humana e da fraternidade dos “afins”. Complicado mesmo foi justificar
“sociais” porque para mim o social se realiza em sociedade, e só se constituiu
tal situação no contato direto. Por certo, como profissional da área de
humanidades, não deixo de reconhecer “social” na dimensão clássica do
pensamento científico que alarga o conceito para grupos de pessoas afinadas ou
submetidas a algumas questões sociológicas. Derivado dessas maneiras de pensar,
me fica complicado admitir uma rede de “amigos” que não se veem e nem são
sujeitos coletivos amoldados em causas comuns. E tudo se complica por meio de
mediações exercidas por máquinas velozes e de clamores indiscretos. Permito-me
não me deixar perder nas pantanosas discussões sobre vantagens e/ou
desvantagens da internet e nem na formidável parafernália oferecida pelo mundo
eletrônico. Seria, diga-se, inútil e demasiado monótono. Devo até dizer que
entrar nessa discussão seria repetir chavões que desprezo, coisa do tipo “todo
mundo fala mal da Rede Globo, mas ninguém deixa de assisti-la”. É verdade,
mesmos os mais ácidos críticos dos “interfones” não conseguem mais se despregar
deles. Nem eu...
Aconteceu de um grupo de
amigos coetâneos, pessoas com quem reparti minha juventude, se articular de maneira
esperta. Convite vai, convite vem, de repente um mar de gente se costurava
emendando saudades. Tudo ocorreu com rapidez, pois pessoas que hoje beiram a
sétima década de vida, por certo têm o que contar. E rola de tudo na tal rede:
localização de pessoas distantes geograficamente, informações sobre falecimento
de conhecidos, convocação política, apresentação de projetos pessoais, notícias
de feitos importantes. Enfim, é uma alegria só. As surpresas se avolumam a cada
nova postagem. Sem dúvida, se constituiu um espaço democrático, onde as
opiniões mais se afinam do que divergem. Isso me é extremamente importante para
medir o tônus da minha geração. Sem
dúvidas, envelhecemos mais conservadores e pensando nisto me vejo repetindo o
refrão entoado inigualavelmente pela saudosa Elis Regina, no verso perpetrado
por Antonio Carlos Belchior, em “Como nossos pais”: “minha dor é perceber/ Que apesar de termos/ Feito tudo, tudo/ Tudo o
que fizemos/ Nós ainda somos/ Os mesmos e vivemos/ Ainda somos/ Os mesmos e
vivemos/ Ainda somos/
Os mesmos e vivemos/ Como os nossos pais”.
E por falar em país devo
registrar algo decorrente da participação desse grupo. À guisa de
esclarecimento devo dizer que leio religiosamente tudo o que é registrado.
Emoções brotam aqui e ali e não raro viajo pelo país do meu passado
interiorano. Dia desses, porém, fui surpreendido como nunca pensei ser capaz.
Um amigo que cultiva a memória da cidade e da região, colocou uma foto de meu
pai num campo de futebol. Pronto, foi o bastante para abrir uma legião de
saudade. Fiquei atônito, pois além de tudo a foto é bela. Entre uma multidão de
torcedores do Esporte Clube Taubaté, meu pai, de terno escuro, com um saquinho
de pipoca na mão, na primeira fila, contemplava o time do coração. Segundo meus
cálculos, a cena remetia aos anos iniciais da década de 1950, mas meu voo foi
muito mais longe. Com olhos beirado de lágrimas deixei meu coração solto e ouvi
vozes, o grito entusiasmado de meu pai que sabia o significado de um gol. Foi
assim que voltei à letra da canção e que ainda me resta um tempo para voltar a
viver “como nossos pais”. Preciso ir a um campo de futebol e mesmo sem terno,
comer pipoca e me deixar fotografar para o futuro.
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