terça-feira, 8 de março de 2016

TELINHA QUENTE 202


Roberto Rillo Bíscaro

Sexta-feira passada, a Netflix liberou os 13 capítulos da quarta temporada de House of Cards (HoC) e mergulhei em 2 dias de maratona. A série se recuperou da terceira temporada, quando Frank Underwood mais respondia a estímulos do que protagonizava. Dividida em 2 grandes arcos narrativos, a outrora sensação do serviço de streaming finalmente abandonou pretensões shakespereanas pra assumir seu caráter de novelão. Ainda tenta travestir-se de drama político “sério”, mas não é. E não há defeito nisso desde que divirta, e HoC4 cumpre esse requisito.
No fim de HoC3, Claire estava de mal com Frank e a ênfase da meia dúzia de capítulos iniciais é resolver esse arco dramático. Um dos charmes de House of Cards era a química do casal. Nada de arrependimentos ou fricções internas; eles são ambiciosos, brutais, enfim, sociopatas colaborativos. O suposto “mistério” da relação fazia parte do hype pra tentar ser mais do que soap. Mas o que há é que Frank é bibona enrustida e recalcada e a mimada riquinha Claire quer ser dona do mundo; juntos conseguem isso mais facilmente, mas de vez em quando um necessita sexualmente do que o outro não pode oferecer, daí rola um a três ou similar. Aliás, o roteiro “esquece” da homossexualidade de Underwood, por quê? Não estamos na era da inclusão?
A temporada resolve esse cisma underwoodiano de forma eficiente e com reviravolta de golpes dramáticos deliciosamente baixos e implausíveis, dignos de novelão. HoC só é diferente de Scandal, porque é mais morosa. Talvez faça parte da pose de ser thriller político “serio”, mas mesmo em apenas 13 capítulos houve momentinhos em que fui à pipihouse sem pausar a TV. Tudo bem que meu banheiro é adjacente ao quarto, mas...
Birra resolvida, hora de seguir a procissão de arrasamento de vidas pelos Underwood e como é ano de eleição o casal concorrente é um prato cheio. O jovem ex-militar narcisista viciado em divulgar tudo pelas redes sociais é tão “perfeitinho” que não poucos espectadores, mesmo sem admitir, devem ter torcido pros estéreis e combalidos Underwood destruírem-nos sem piedade. Aí pode estar um dos trunfos do casal malvado: no fundo, ele é um senhor de meia-idade de cabelo cada vez mais branco e não muito atraente; ela uma mulher sem filhos e fria (aliás, como consegue índices tão altos de amor popular sendo gélida daquele jeito?); ambos admitem seus defeitos. Quando colocados perante oponentes jovens, bonitos de comercial de creme dental, tudo que a maioria não é, alguma centelha Underwood brilha dentro de muitos coraçõezinhos secretamente empedrados. Mas não se preocupe que o roteiro logo deixa o maridão oponente na corrida presidencial bem menos simpático, daí pode-se aceitar sua destruição de “alma limpa”, como algo “merecido”. Não estou dizendo que ele será arrasado nessa quarta temporada, mas não ficará impávido colosso. A esposa é boazinha, mas como ela é inglesa e a série ianque, tudo bem, pode ser destruída: vingança colonial.
Como se pouco fosse, a corrida presidencial (a chapa de Frank é pura novela, delícia, amei!) é apenas um dos desafios aos Underwood na segunda parte da temporada. Típico da endogenia incestuosa das soap operas, personagens antigas repovoam a trama, procurando vingança. Ainda há terrorismo saído do nada, sem preparação de terreno. Pra 13 episódios, muito parece tirado da cartola sem boa carpintaria dramática. Também há eutanásia, (tentativa de) assassinato, revelações bombásticas oportunas, chantagem, alucinações, mirabolices de espionagem cibernética de conspiração e mais. E uma cena final de arrepiar fãs de JR Ewing, Alexis Morel Carrington Colby Dexter, Victoria e Conrad Grayson e toda essa gente linda e malvada. Se você procura drama político “sério”, seu negócio é a dinamarquesa Borgen.
O elenco continua supimpa; o recurso do diálogo com o expectador não é muito mais usado, mas voltou nas cenas onde Frank precisa explicar segundas intenções; algumas tiradas são genialmente melodramáticas. Pena que o presidente russo Victor Petrov apareça apenas um par de vezes. Netflix, quero uma série com ele!
Por que em um mundo onde a política tem caricaturas de mau gosto como Trumps e Cunhas, vemos HoC? Porque Claire é muito mais etérea e chique e sua sordidez é ficção.

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