Roberto Rillo Bíscaro
Sexta-feira passada, a Netflix liberou os 13 capítulos da
quarta temporada de House of Cards (HoC) e mergulhei em 2 dias de maratona. A
série se recuperou da terceira temporada, quando Frank Underwood mais respondia
a estímulos do que protagonizava. Dividida em 2 grandes arcos narrativos, a
outrora sensação do serviço de streaming finalmente
abandonou pretensões shakespereanas pra assumir seu caráter de novelão. Ainda
tenta travestir-se de drama político “sério”, mas não é. E não há defeito nisso
desde que divirta, e HoC4 cumpre esse requisito.
No fim de HoC3, Claire estava de mal com Frank e a ênfase
da meia dúzia de capítulos iniciais é resolver esse arco dramático. Um dos
charmes de House of Cards era a química do casal. Nada de arrependimentos ou
fricções internas; eles são ambiciosos, brutais, enfim, sociopatas
colaborativos. O suposto “mistério” da relação fazia parte do hype pra tentar ser mais do que soap. Mas o que há é que Frank é bibona
enrustida e recalcada e a mimada riquinha Claire quer ser dona do mundo; juntos
conseguem isso mais facilmente, mas de vez em quando um necessita sexualmente
do que o outro não pode oferecer, daí rola um a três ou similar. Aliás, o roteiro
“esquece” da homossexualidade de Underwood, por quê? Não estamos na era da
inclusão?
A temporada resolve esse cisma underwoodiano de forma
eficiente e com reviravolta de golpes dramáticos deliciosamente baixos e
implausíveis, dignos de novelão. HoC só é diferente de Scandal, porque é mais
morosa. Talvez faça parte da pose de ser thriller político “serio”, mas mesmo
em apenas 13 capítulos houve momentinhos em que fui à pipihouse sem pausar a TV. Tudo bem que meu banheiro é adjacente ao
quarto, mas...
Birra resolvida, hora de seguir a procissão de
arrasamento de vidas pelos Underwood e como é ano de eleição o casal
concorrente é um prato cheio. O jovem ex-militar narcisista viciado em divulgar
tudo pelas redes sociais é tão “perfeitinho” que não poucos espectadores, mesmo
sem admitir, devem ter torcido pros estéreis e combalidos Underwood
destruírem-nos sem piedade. Aí pode estar um dos trunfos do casal malvado: no
fundo, ele é um senhor de meia-idade de cabelo cada vez mais branco e não muito
atraente; ela uma mulher sem filhos e fria (aliás, como consegue índices tão
altos de amor popular sendo gélida daquele jeito?); ambos admitem seus
defeitos. Quando colocados perante oponentes jovens, bonitos de comercial de
creme dental, tudo que a maioria não é, alguma centelha Underwood brilha dentro
de muitos coraçõezinhos secretamente empedrados. Mas não se preocupe que o
roteiro logo deixa o maridão oponente na corrida presidencial bem menos
simpático, daí pode-se aceitar sua destruição de “alma limpa”, como algo
“merecido”. Não estou dizendo que ele será arrasado nessa quarta temporada, mas
não ficará impávido colosso. A esposa é boazinha, mas como ela é inglesa e a
série ianque, tudo bem, pode ser destruída: vingança colonial.
Como se pouco fosse, a corrida presidencial (a chapa de
Frank é pura novela, delícia, amei!) é apenas um dos desafios aos Underwood na
segunda parte da temporada. Típico da endogenia incestuosa das soap operas, personagens antigas
repovoam a trama, procurando vingança. Ainda há terrorismo saído do nada, sem
preparação de terreno. Pra 13 episódios, muito parece tirado da cartola sem boa
carpintaria dramática. Também há eutanásia, (tentativa de) assassinato,
revelações bombásticas oportunas, chantagem, alucinações, mirabolices de
espionagem cibernética de conspiração e mais. E uma cena final de arrepiar fãs
de JR Ewing, Alexis Morel Carrington Colby Dexter, Victoria e Conrad Grayson e
toda essa gente linda e malvada. Se você procura drama político “sério”, seu negócio
é a dinamarquesa Borgen.
O elenco continua supimpa; o recurso do diálogo com o
expectador não é muito mais usado, mas voltou nas cenas onde Frank precisa
explicar segundas intenções; algumas tiradas são genialmente melodramáticas.
Pena que o presidente russo Victor Petrov apareça apenas um par de vezes.
Netflix, quero uma série com ele!
Por que em um mundo onde a política tem caricaturas de
mau gosto como Trumps e Cunhas, vemos HoC? Porque Claire é muito mais etérea e
chique e sua sordidez é ficção.
Ai Roberto fazendo o que gosta. Parabéns.
ResponderExcluir