quinta-feira, 31 de março de 2016

TELONA QUENTE 152

Roberto Rillo Bíscaro

Geralmente situado ao lado dos também assassinos Jason Voorhees (Sexta-Feira 13) e Michael Myers (Halloween), o falastrão Freddy Krueger é feito d’outro material dramatúrgico, pelo menos em sua aparição primeira, em 1984. Jason e Myers são silentes máquinas de matar determinadas por um mal externo a eles. Eles se deslocam exterminando sem pensar. São clássicos do subgênero slasher.
A Hora do Pesadelo, de Wes Craven, complicou/revigorou a então já desgastada fórmula do slice’n’dice, porque Freddy fala, faz piada, saltita dentro e fora de subconscientes. Preferindo o silêncio de Jason, vi os 2 primeiros A Nightmare on Elm Street, no cinema, e desisti de Krueger. Então, preferia os psicóticos mascarados calados ao histriônico Freddy, brilhante canastrice do ator Robert Englund, que, com sua simpatia fora das telas alimenta certa perversidade ao deixar o tétrico e cruel Krueger gostável.
Incentivado pelo afluxo de leitores na postagem onde comento minha maratona de filmes sobre Amityville, fiz o mesmo com A Hora do Pesadelo.


32 anos após vê-lo no cinema, ainda me lembrava de quase todas as cenas de morte e do final. A Hora do Pesadelo (1984) foi a estreia do cultuado (não por mim) Johnny Depp nas telonas e é mais do que slasher film. A cena onde a primeira moça é possuída por Krueger e pirueta na cama e por todo o quarto é puro O Exorcista (1974), então se trata duma cruza entre slasher e filme de possessão demoníaca, porque Fred não é o típico assassino externo slasher; ele habita os sonhos dos adolescentes e pode sair deles ou agir no mundo real. Assim, está em toda parte e em nenhuma, porque depende que se creia nele pra agir.
Pros que não sabem: Freddy Krueger fora um assassino serial de crianças, que devido a uma tecnicalidade não seria condenado. Um grupo de pais queimou-o vivo e anos depois o carbonizado volta pra aterrorizar e matar adolescentes, filhos desses vingadores por conta própria. A Hora do Pesadelo é como a continuação dum slasher jamais filmado e é sobre como violência gera ciclo interminável e degradante
Wes Craven problematizou mais de um lugar-comum slasher. No subgênero, adolescentes sexualmente ativos ou que se entorpecem são serialmente chacinados em locais isolados, longe da supervisão dos adultos ou incapazes de serem por eles auxiliados. Em A Hora dos Pesadelo, os adultos convivem com os teens, mas não os ajudam porque não acreditam neles ou porque simplesmente também estão/são inaptos/ineptos, desde a mãe alcoólatra ou o pai chefe de polícia, que sequer vive com a filha.
O uso das paisagens oníricas permite a inclusão de elementos surrealistas num filme independente de baixo orçamento, que resistiu muito bem ao tempo. As mortes são divertidas e ainda tem interpretação ruim, ou seja, dá pra agradar fãs de filme B e cinéfilos “cultos”, especialmente porque a crítica especializada contemporânea o elogia, daí não queima o filme gostar desse filme. 

A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy (1985) é provavelmente o filme de horror mais gay que já vi. A volta, ação e temporária derrota de Krueger interessam e divertem bem menos do que as diversas insinuações visuais e na criação de personagem insinuando homoeroticidade. Pra começar, na maior parte do filme, o garoto Jesse (chamado de Jessy, diminutivo pra Jessica também) parece ser a “final girl”. Em slashers, quem é mais assombrado e derrota o assassino sempre é moça. Nessa vingança de Freddy, Jesse não apenas cumpre essa função quase o filme todo, mas até berra como scream queen (gargalhei), dança e dubla cantora pop enquanto limpa o quarto (slasher tem hard rock na trilha, coisa de macho!) e corre pro quarto dum amigo depois de não conseguir transar com a namorada. Não há nudez feminina, mas a película está cheia de bofinho sem camisa e tem até cena onírica em bar sadomasô, à qual se segue uma morte masculina com bumbum de fora e tudo!
A parte slasher mesmo é uma droga, sutileza já era, mas ainda vale ver pelo subtexto gay; muito engraçado.

Em 87, Nancy, a final girl do original, retorna em A Hora do Pesadelo 3: Guerreiros dos Sonhos. O roteiro é de Craven e lida com uma droga capaz de controlar os sonhos. A função de Nancy é ajudar teens aterrorizados a derrotarem Krueger em seu próprio reino dos sonhos. Apesar do envolvimento de Craven, nenhuma metaleitura ou finesse são possíveis. É um filme de terror com boas cenas de sonho e Freddy é derrotado (SQN) na porrada. Também recorre ao estratagema comum nas demais franquias slasher, a saber, começa a detalhar o passado do maníaco: descobrimos que Krueger é fruto dum estupro coletivo. No elenco, Patricia Arquette começando a carreira, Zsa Zsa Gabor aparecendo em talk show e Priscilla Pointer, mãe de Carrie, a Estranha (1976), filme que provavelmente gerou a onda dos vilões não morrerem no final. Fãs de DALLAS também se lembrarão da ex-sogra de Bruno Barreto como Rebeca Wentworth, mãe de Pam, Cliff e da maluca Katherine. 

Em A Hora do Pesadelo 4: O Mestre dos Sonhos (1988), Freddy Krueger já penetrara tanto nos sonhos de consumo que o nome de Robert Englund precede o título, numa época em que créditos iniciais eram longos.
O queimado do demônio começa a infernizar e eliminar o trio de adolescentes que o derrotara na parte 3. A irmã dum deles tem o poder de conseguir trazer pessoas pra seus sonhos, o que pode ser tanto bom quanto ruim, mas também significa que sabe derrotar Krueger. Sabemos, contudo, que o único poder de vencer bicho-papão de franquia é baixa bilheteria. Com elenco desconhecido e historinha meia-boca, essa parte nunca decola além do passável. Um dos elementos que não me atraem quando se mexe demais com sonho é que qualquer coisa vale e isso em mãos menos competentes/honestas é complicado. Há sonho que não me convenceu ter se passado enquanto alguém dormia. Quem curte pode buscar as citações a filmes como Karatê Kid (1984) ou Tubarão (1975). Sacal.
A popularidade de Freddy era tão alta, que gerou série de TV tipo antologia, como Contos da Cripta. Freddy’s Nightmares teve 44 episódios, durou de 88 a 90 e quase ninguém viu. Cada show tem 2 histórias ligadas por personagem comum, que Krueger apresenta e comenta, como a caveirinha da Cripta. Em diversos episódios, participa como agente do horror, inclusive o primeiro conta como morreu e foi dirigido pelo prestigioso Tobe Hooper.
Mas, é tudo muito podre, e o pior que não no tipo “de tão ruim é bom”. A despeito dalguns roteiros promissores, a falta de orçamento implicou “atores” pavorosos, que nem a família conhecia; ambientação esquálida e muita falação pra suprir ausência de acontecimentos por carência de grana. A maioria dos episódios são simplesmente chatos.
Fãs xiitas de Brad Pitt poderão querer vê-lo garantindo tostões no começo de carreira, trabalhando mal pra burro! Pitt também participou de DALLAS e é de minha série favorita que reconheci Mary Crosby, a Kristin Shepard, famosa no começo dos 80’s por ter atirado em JR Ewing e Deborah Rennard, a Sly Lovegreen, fiel secretária do vilão por anos. Sou fã xiita de DALLAS, mas caso você não seja, mantenha distância de Freddy’s Nightmares. A não ser que queira ver se algum ídolo seu de agora começou nessa porcaria, que sequer chegou ter a segunda temporada lançada em DVD, porque a primeira não vendeu nada. 

Em 89, Freddy quis ser papai ou possuir um feto pra retornar à vida. Essa é a estapafúrdia premissa de A Nightmare on Elm Street 5: Dream Child. Essas franquias apresentam elementos em um filme, que depois podem ser contraditos em outros ou reutilizados depois de dormentes por tempos. Lógica não importa, quando se quer fazer grana. Então, retomam a freira Amanda Krueger – mãe de Freddy – que fora serialmente estuprada por 100 pacientes mentais. Nada indicava que Freddy nascera deformado, mas pra chocar em sequência de pesadelo também vale tudo. Lidando com temas como gravidez juvenil, aborto e distúrbios alimentares, o filme tenta se equilibrar entre clima gótico azulado e cenas de humor, mas não convence.

Em 1991, as franquias slasher lucravam cada vez menos e começavam a entrar em hibernação. Hora de matar o queimado com dedos de navalha. A sexta prestação vem com um Freddy tão popular que o nome é Freddy’s Dead: The Final Nightmare; primeiro vem o nome da prima dona, depois o da franquia. Nos créditos iniciais, epígrafes de 2 Freds, o Nietzsche e o Krueger (“welcome to prime time, bitch!”). Os fãs remanescentes queriam Freddy, não havia mais sensação de culpa em torcer pelo vilão até porque ele já estava tão cartunizado que o consumo era de violência tipo Tom e Jerry. Até em videogame Nintendo ele interage, como animação. Boa parte do filme é comédia e nesse quesito funciona. Junto com o primeiro e o aviadado segundo, esse foi outro de que gostei. O enredo é qualquer nota. Dez anos após os eventos do filme anterior, Freddy exterminara todos os adolescentes de Springwood (viram que nome esperançoso, de renascimento pós-invernal, de abundância prometida de primavera?) e a cidadezinha reduzira-se a amontoado de velhos amalucados pela falta de sangue jovem e filhos. E todos seguem descrendo em Freddy, que cisma em reencarnar ou globalizar, assombrando sonhos em escala maior. Pra isso, tenta possuir uma filha que tivera antes de todo o imbróglio que culminaria em seu linchamento. Do nada, após 5 filmes, sacam um rebento de verdade pra Freddy. Franquias são assim mesmo, nonsense; a gente quer é morte! Mas, elas vem poucas, o filme vale mesmo porque é engraçado. Fãs de Johnny Depp, atentem pra ponta que o então já famoso fez. E nos créditos finais, as melhores cenas de Freddy dos filmes anteriores e um RIP. Será que na época acreditaram que ele morrera de verdade?

Em 1994, um decênio após o nascimento do superestelar Freddy Krueger, seu criador, o roteirista e diretor Wes Craven, injetou nova inteligência à franquia com A Hora do Pesadelo 7: Novo Pesadelo. Apesar da ideia de continuidade do título brasuca, não é o caso. Trata-se de esperto metacinema, que abandona o entulho das sequências, as quais, mesmo variando em qualidade de diversão, não passavam disso. Prenunciando vários elementos do bem-sucedido nas bilheterias e influente Pânico (1996), o Novo Pesadelo traz Fred pro mundo real. Ao invés de personagens fictícias, tem-se a atriz que viveu Nancy no filme original interpretando a si mesma. Heather Langenkamp começa a ter sonhos estranhos e seu filho a agir de modo errático e perturbado. Ela recebe ligação da New Line Cinema pruma reunião com produtores e o próprio Wes Craven sobre um novo filme da franquia pra celebrar a década desde o primeiro. E as estranhezas seguem ocorrendo. Ou seja, Kruegger ameaça sair da ficção e tornar-se real, porque Wes Craven’s New Nightmare é mix de reality show irreal com ficção; um roteiro maroto de inteligente! Executivos da New Line, Robert Englund, John Saxon, além de Craven, também aparecem como eles mesmos. Filme cheio de camadas (meta-)interpretativas, vale muito mais pela criatividade do que pelo terror, porque mortes são quase todas (ou todas) fora da tela. Divertidíssimo, mas o que clama por atenção é a forma. 

Em 2003, o sonho de muitos fãs de ver Freddy Kruegger e Jason Voorhees juntos, cristalizou-se com Fredy x Jason. Há anos tencionava-se juntar as 2 franquias mais lucrativas dos 80’s, mas havia problemas de posse de direitos. Quando tudo se resolveu, o diretor Ronny Yu (confesso não fã de nenhum dos bichos-papões) filmou o roteiro que colocou Freddy manipulando Jason pra que este fosse a Springwood aterrorizar pra que a população pensasse ser Freddy. Como todos haviam se esquecido do queimado, ele perdera poder (mas, como o teve pra ressuscitar Jason?) e necessitava ser lembrado pra ser sonhado e poder matar Mas, Jason sempre matou muito mais que Freddy (Jason rules!). Isso desperta a ira dos dedos de navalha e as 2 divas rodam as saias de gilete com babados de canivete! As mitologias são bastante respeitadas e fãs dos 2 não têm do que reclamar. Como Jasonmaníaco, meu meninão mascarado se destaca com as mortes mais legais, especialmente a do cara bebendo cerveja na cama. A parte da luta propriamente dita não me interessou muito, mas de modo geral o filme satisfaz fãs de horror.

Vi a refilmagem de 2010 imediatamente depois de rever o original pra tê-los frescos na cachola. Uau, que diferença; quase cochilei com essa releitura empobrecida, coisa que no de 1984 é impossível acontecer, porque tudo é tão interessante. Um bando de personagens necessitados de Rivotril (ou os atores estavam péssimos?), com uma final girl impossível de se identificar de tão sorumbática, são eliminados às vezes de modo parecido ao original, mas pasmem, com menos impacto, mesmo com 3 décadas de tecnologia nas costas. Aliás, a morte mais legal do primeiro filme sequer tem nesse. A história pregressa de Krueger é mastigada e praticamente qualquer possibilidade de dupla leitura ou transgressão de convenções é obliterada.
Não invejo o ator que vestiu o suéter, chapéu e luvas cortantes outrora pertencentes a Robert Englund. A personagem ainda é muito conhecida, mesmo por uma geração que jamais tenha visto o original ou alguma continuação. O que me interessava em Englund era que seu Freddy – repulsivo pelas queimaduras e pela sandice assassina – consegue estabelecer uma relação sadomasô com o público. Muita gente acaba amando o assassino em série, porque ele tem seu charme e é engraçado. Claro que isso funciona também como distanciamento, porque ele é tão over que o aspecto de ficção e diversão acabam prevalecendo, tipo, tudo bem amar Freddy, porque sabemos o tempo todo que é de mentira. Tio Englund tem cara de bonzinho; diferente dos demais assassinos slashers, cujos rostos jamais vimos fora das telas, porque são dublês mascarados apenas. Na versão do século XXI, Freddy é apenas abjeto. Feio, com voz horrível, até essa relação está burrificada. Um monte de lixo que nem a participação de Katie Cassidy - de Harper’s Island e da malograda ressurreição de Melrose Place - deixou menos fedido. 

Pra finalizar, vi o excelente documentário Never Sleep Again: the Elm Street Legacy. Pra fãs e neófitos/curiosos, as 4 horas cobrem todos os filmes produzidos pela extinta New Line Cinema, que se fundiu com megacorporação. A pob(d)re refilmagem de 2010 está de fora e é assim que tinha de ser. Essa seria outra história. Seções são dedicadas a cada um dos filmes e à série de TV. Atores, produtores, diretores e mestre Craven compartilham anedotas e há profusão de curiosidades, tipo saber que a maquiagem de queimadura foi inspirada por uma pizza de pepperoni (Fred subiu muuuuito em meu conceito!) ou que a estreante Patricia Arquette teve que fazer mais de 50 tomadas de sua primeira cena, porque não decorava a fala. Claro que os que se tornaram estrelas nunca participam desses documentários, então fica a palavra dos que não foram tão bem-sucedidos. Mesmo falando sobre as tensões em algumas gravações e a precariedade das produções, baixos salários e quase inexistência de roteiros, quando muitos filmes já estavam sendo filmados, não se esqueça de que o documentário foi coproduzido por Heather “Nancy” Langenkamp é que a intenção é mostrar o legado e importância da franquia. Isso resulta em exageros, mas a inclusão de cenas inéditas e a pletora de curiosidades fazem do produto uma delícia. Sei lá se esta versão no Youtube é completa:

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