Em época de explosiva polarização político-ideológica, nosso historiador-cronista fala sobre canções que expressam diferentes visões de Brasil, or críticas, ora ufanistas.
O PAIS TROPICAL MOSTRA SUA CARA. MOSTRA?
O PAIS TROPICAL MOSTRA SUA CARA. MOSTRA?
José Carlos Sebe Bom Meihy
Nossa! Como nós brasileiros
somos complicados! A realidade miúda do dia a dia político e a polarização de
percepções a favor ou contra o governo, convidam a colocar à contrapelo os
estereótipos consagrados em canções que destilam alegria e ufanismo
nacionalistas. Boa mostra disso são, por exemplo, os versos assinados por Jorge
Benjor e Wilson Simonal, “moro num país
tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Muitas outras letras
de músicas se somam nessa direção, como é o caso dado por João de Barro que,
inspirado em Casimiro de Abreu, repetia “Todo
mundo canta sua terra/ Eu também vou cantar a minha/ Modéstia à parte seu moço/
Minha terra é uma belezinha”. Em contraste, esquecendo-se dessas marcas
exaltativas, é exagerado o ódio expresso em frases panfletárias, piadinhas
causticas, ironias baratas, contra ou a favor do governo. Não precisamos de
muito esforço para lembrar de outras canções que dialogam com tantas triunfantes,
mas na direção contrária. Entre dúzias,
duas remetem à contramão da positividade alienante, uma delas é “Querelas do
Brasil”, parodiando a “Aquarela do Brasil de Ari Barroso”, onde Aldir Blanc, imortalizou
na voz de Elis Regina versos implacáveis “O
Brazil não conhece o Brasil/ O Brasil nunca foi ao Brazil/ Tapir, jabuti,
liana, alamandra, alialaúde/ Piau, ururau, aqui, ataúde/ Piá, carioca, porecramecrã/
Jobim akarore Jobim-açu/ Oh, oh, oh/ Pererê, câmara, tororó, olererê/ Piriri,
ratatá, karatê, olará/ O Brazil não merece o Brasil/ O Brazil ta matando o
Brasil/ Jereba, saci, caandrades/ Cunhãs, ariranha, aranha/ Sertões, Guimarães,
bachianas, águas/ E Marionaíma, ariraribóia/ Na aura das mãos do Jobim-açu/ Oh,
oh, oh/ Jererê, sarará, cururu, olerê/ lablablá, bafafá, sururu, olará/ Do
Brasil, SoS ao Brasil/ Do Brasil, SoS ao Brasil/ Do Brasil, SoS ao Brasil/
Tinhorão, urutu, sucuri/ O Jobim, sabiá, bem-te-vi/ Cabuçu,
Cordovil, Cachambi, olerê/ Madureira, Olaria e Bangu, Olará/ Cascadura, Água
Santa, Acari, Olerê/ Ipanema e Nova Iguaçu, Olará/ Do Brasil, SoS ao Brasil/ Do
Brasil, SoS ao Brasil”. Não bastasse
este nada gentil tapa na cara, Cazuza, George Israel e Nilo Romero se juntaram
para dizer na canção chamada “Brasil” o seguinte: “Não me convidaram/ Pra essa festa pobre/ Que os homens armaram pra me
convencer/ A pagar sem ver/ Toda essa droga/ Que já vem malhada antes de eu
nascer”.
É verdade que nunca ousamos
opor uma linhagem de pensamento musicado a outro. Pelo contrário, o que fazemos
é alternar aleatoriamente uma ou outra postura, de acordo com o tônus do
momento. E isto até se explica, pois vivemos em um país que, como nos avisou Tom Jobim “não é para
principiantes”. Não mesmo. Somos complexos e complicados, contraditórios e,
assim, fazemos jus ao título dado por Sergio Buarque de Holanda com nos chamou
de “homens cordiais”, emotivos e apaixonados. Pois é, nossa lógica é disparatada
e essa constatação, aliás, faz recordar outra referência musical, da lavra de
Tim Maia que dizia que “o Brasil é o
único país do mundo onde puta tem orgasmo; cafetão sente ciúme e traficante é
viciado”. Ancorado nessa premissa, Ancelmo Góis, jornalista d’O Globo,
expressa espanto ao constatar que não dá para compreender um país onde
detratores de atrizes negras nas redes sociais são mais escuros dos que as
lindas morenas que eles tentam diminuir. Outro exemplo acachapante se repete na
composição da atual Comissão do Impeachment composta por, nada mais nada menos,
de um tipo como Paulo Maluf. Entre uma conduta exaltativa e outra desairosa,
resta esperar que alguém faça uma nova canção, dando conta de nossas
ambiguidades. Mas, como colocar em um só verso a esperança reconhecida e o ódio
incrustado? Se alguém souber, ajude a nação que está mais perdida do que nunca.
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