quarta-feira, 27 de abril de 2016

CONTANDO A VIDA 146


ORIGEM DO NOME DA BONECA EMÍLIA DE MONTEIRO LOBATO.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Eis que de repente me reponta uma pergunta perturbadora: de onde teria surgido o nome Emília, dado à boneca de pano feita pela Tia Anastácia? Sim, falo daquela “coisinha” que foi feita com trapos velhos, olhos de botão, brinquedo da menina Lúcia, no Sítio do Pica-Pau-Amarelo. Em pesquisa a respeito do tema, notei que tal preocupação não me é exclusiva e que consta também de curiosidade já expressa em provocativo site que aponta para algumas outras boas informações (http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/443971). De toda forma, sabe-se que essa questão é meramente especulativa, posto que em muitos casos os nomes de personagens fictícios não correspondem às intenções pontuais, previamente estabelecidas. Sei de ocorrências, inclusive, em que se nomeiam personagens supondo efeitos sonoros, correspondências históricas, bíblicas, mitológicas. Outros autores homenageiam familiares, amigos, personagens ilustres e santos. Há também os que se vingam, delegando referências negativas transparecidas em personagens maus, desafetos. No caso de Monteiro Lobato, algumas sugestões desafiam entendimentos. Pensando em Emília, convém levar em conta sua “genealogia espontânea”, considerando inclusive que originalmente ela foi concebida como uma “bruxinha”, que aliás nasceu muda, sem graça, desconjuntada, e que apenas começou a se expressar depois das famosas “pílulas falantes”, criadas pelo Doutor Caramujo no Reino das Águas Claras. Esse caso, diga-se, está registrado no livro A menina do narizinho arrebitado, que, mais tarde, teve o título mudado para Reinações de Narizinho. Emília, depois que começou a falar sem cessar – ela tagarelou por três horas seguidas, a ponto de se pensar em fazê-la devolver a pílula ingerida – foi ganhando protagonismo, a ponto de ser a figura central do Sítio.

Mas, quais alternativas teríamos então para entender o nome daquela figura inquieta? A primeira que me ocorreu – sei de outras pessoas que também sustentam tal possibilidade – foi derivada da evocação do mais prezado livro do enciclopedista francês Jean Jacques Rousseau, escrito no século XVIII. Significativamente intitulado Emílio, ou da Educação, esse livro preside como um dos mais importantes libelos redigidos sobre a necessidade da educação dos muito jovens. Nessa proposta narrada como “romance de formação” é retraçada a trajetória de um menino educado, modelo de condição civilizada. Rousseau, assim que se investiu do caráter pedagógico como virtude, elegeu a “formação sistematizada” como mecanismo de disciplina do ser humano, modo ideal de vivência em sociedade. É exatamente o caráter educativo e a crença no livro como estratégia de neutralização entre as pessoas e a sociedade, em particular no que tange à criança, que permite pensar que a boneca Emília se espelharia em Emílio. Seria, é claro, uma figura engraçada, suposta na linha de uma moderna pedagogia escolar. É lógico que cabe distinguir as estripulias de Emília do comportamento assentado do Emílio rousseauniano. De comum, no entanto, a noção pedagógica de aprender por meio de histórias.

Contra versões tão sofisticadas, não faltam aqueles que preferem dizer que a designação Emília decorre do contato da boneca com seu suposto biógrafo, o Visconde de Sabugosa que começou a escrever “As memórias de Emília”. Lembremos que o fato dele ser uma espiga de milho poderia aproximar Emília, de milho. Reforçando tal pressuposto, muitos advogam que ela possuía cabelo parecido com os saídos das espigas, algo bem diverso das tiras de fitas criadas recentemente por programas televisivos.

Na linhagem regional, existem alguns que defendem que Lobato teria simpatias com Dona Ana Emília, representante de família ilustre de Taubaté, os Oliveira Costa. Quantos fundamentam tal assertiva se apoiam inclusive na existência de um sítio dessa família, nos arredores de Taubaté e de lá teria advindo a inspiração, inclusive, para o Sítio do Pica-pau amarelo.

Sem dúvidas, sabe-se da profunda admiração que Lobato tinha em relação ao educador baiano, Anísio Teixeira. Reza a lenda que a esposa do importante personagem da educação brasileira, seria uma pessoa que falava muito, alegre e sempre duvidando das coisas. Dona Emília, então, teria inspirado Lobato que, assim, renderia homenagem a Anísio Teixeira. Alertando que Lobato e Anísio Teixeira apenas teriam se conhecido nos Estados Unidos, a pesquisadora Glaucia Bastos duvida desse vínculo.

Cá entre nós, depois de considerar estas possibilidades, fico pensando na inutilidade da discussão. Certamente, Emília estaria se divertindo com tantas alusões inúteis. E não é que ela teria razões? Vamos deixar os “entretantos” e voltemos à leitura de Lobato.

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