Roberto Rillo Bíscaro
Ironia informa o título e momentos-chave de Happy
Valley, desolad(or)a série policial da BBC, que já teve 2 temporadas,
totalizando dúzia de capítulos.
De feliz, o vale onde se passa a ação não tem nada. A
protagonista Detective Sergeant Catherine Cawood jamais se recuperou do
suicídio da filha, estuprada (será mesmo?) por um sociopata. O casamento não
resistiu à perda e ela acabou tendo que cuidar do neto – indesejado por setores
da família – e da irmã recuperando-se do vício em álcool e heroína (a
maquiavélica O’Brian, de Downton Abbey, aqui sofredora e boazinha). E essa é só
a história de fundo pra essa policial boa, correta, mas fascinantemente
complexa, interpretada à perfeição por Sarah Lancashire.
A primeira temporada lida com a saída da prisão de Tomy
Lee Royce, suposto abusador da filha da policial e de um sequestro, que
acontece por pura ironia dramática. 6 episódios tensos e viciantes. A segunda
continua alguns temas da primeira e adiciona um serial killler, mas a história que rouba a cena até do vale de
lágrimas da DS Cawood é a do DI John Wadsworth, sujeito decente levado a
cometer um crime, em outro caso de perversa ironia dramática. Kevin Doyle, o
adorável Mr. Moleseley, de Downton Abbey, deveria concorrer junto com
Lancashire às indicações de prêmios que a temporada deveria angariar.
Um dos diferenciais de Happy Valley no populoso mundo
sinistro, escuro, úmido e frio dos detetives deprimidos é que as ações e
personagens têm cotidianidade diversa da de River ou dos Nordic Noirs tipo
BronIBroen. E isso não é crítica negativa a esses shows, que amo muito demais da conta. É que Happy Valley mergulha
numa Inglaterra de classe média baixa, onde o sotaque é difícil de entender até
pra falantes nativos (reclamações abundaram nos jornais britânicos), onde a
porrada e a droga comem soltas e os policiais também sofrem, porque são parte
do tecido social. Embora tenham autonomia de policial, claro, são afetados pela
desgraceira reinante. Os diálogos são de uma sinceridade brutal e se você
esperar pra ver no nosso inverno, sugiro muito chá, pra entrar no clima, porque
a todo momento há o fatídico “would you like a cuppa tea?”
Outro trunfo é que não há verdades incontestáveis. A beatitude
da falecida filha de Cawood é questionada pelo irmão, que em mais de uma cena
despeja a bile do ressentimento na mãe que o negligenciou após o suicídio da
filha. Happy Vallley é pra quem tem estômago bom pra alguma violência e
realismo. Nesse universo dramático não há espaço pro “tudo vai ficar bem”,
açucaramento irritante de tantos roteiros.
I strongly recommend it,
luv (atenção pro número de vezes, que usam luv,
supercomum na Inglaterra.) E se é pra ser infeliz, escolheria ser miserável em
Happy Valley, pra poder ser consolado pela DS Catherine Cawood e ficar amigo
dos Gallagher. Amei demais.
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