Roberto Rillo Bíscaro
Em 1985, The Normal Heart (TNH), escrita por Larry Kramer,
foi a primeira peça sobre AIDS a alcançar a cobiçada Broadway. A despeito de
eclipsar os diversos trabalhos anteriores sobre o tema – a peça entrou pros
compêndios teatrais como “o primeiro AIDS-drama” – TNH teve o mérito de
poderosamente denunciar o descaso do governo norte-americano com relação à
epidemia que dizimou praticamente uma geração de gays e de registrar
ficcionalmente o surgimento da Gay Men’s Health Crisis, fruto da árdua batalha
do próprio Kramer, que mais tarde fundaria a influente ACT UP, organização
redefinidora do ativismo por suas ações criativas e audaciosas.
Em 2014, a HBO exibiu sua versão televisiva da peça,
roteirizada por Kramer, dirigida por Ryan Murphy (de American Horror Story e
Scream Queens) e coproduzida por Brad Pitt e Mark Ruffalo dentre outros. No
elenco, além do próprio Ruffalo protagonizando, Alfred Molina, Julia Roberts e
um monte de gente trabalhando muito bem.
TNH é bastante autobiográfica. Ned Weeks, que primeiro
grita a respeito da epidemia de AIDS dizimando os gays de Nova York, é Larry
Kramer disfarçado. Quando a então misteriosa doença começa a matar jovens
musculosos, bonitos, saudáveis e promissores, Weeks começa jornada de denúncia
do descaso quase geral contra o vírus e de ativismo que jamais escondeu sua
raiva com a própria comunidade gay, os vários níveis governamentais, os médicos
e cientistas, o silêncio que mata. Uma das coisas mais fascinantes de Larry
Kramer/Ned Weeks é a desconstrução do discurso facilitador e confortável de que
só o amor constrói. Raiva e ódio, desde que bem canalizados, podem resultar em
boas coisas.
35 anos após o começo da epidemia de AIDS, pode-se não
ter a noção de como foram aqueles primeiros anos de crise. TNH, com seu
poderoso drama temperado de ativismo, mostra o desdém governamental e de muitos
gays e o nojo/obscurantismo/preconceito com que alguns profissionais da saúde e
cientistas tratavam a síndrome. Certo que a fatalidade 100% assustava, mas não
dá pra negar que como os primeiros afetados foram gays, hemofílicos e haitianos
(estes não abraçados pelo escopo da obra), resposta mais efetiva só veio bem
mais tarde e muito graças ao ativismo gay que berrou, pressionou por pesquisas
e importação de medicamentos e se informou sobre protocolos, tratamentos, indicações
e contraindicações como jamais o fizera.
Cimentando esses elementos está Ned Weeks, que briga
com todo mundo, cobra, xinga, diz verdades dolorosamente inconvenientes e lida
com a falsa aceitação de seu irmão e um namorado infectado. A mescla de pessoal
e político-histórico torna TNH tão absorvente, mesmo tendo mais de 2 horas de
duração.
Sugiro-o em sessão dupla com o francês Les Témoins, resenhado aqui.
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