Roberto Rillo Bíscaro
Pros que não gostam de sertanejo, arrocha ou seja lá o
nome, ouvir rádio no noroeste paulista (lugar donde este blogueiro vive) é
tortura. Ai se não fosse pela internet com suas rádios online, Youtube,
programas de compartilhamento de arquivos! A gente consulta sítios
especializados e parte pesquisar/buscar as referências encontradas. Assim
descobri o trabalho do niteroiense Fred Martins, que em meados de 2015 lançou
seu quarto álbum, Para Além do Muro do Meu Quintal.
Gravado em Lisboa e com a participação de músicos e
vocalistas de diversos países, Para Além do Muro do Meu Quintal tira seu nome
dum verso do poema Noite de São João, de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa. A canção cruza muros ao juntar a melancolia lusa com leve
sotaque nordestino do acordeão, numa melodia mansa que grudou em minha cabeça
há dias. Poema Velho é outra que tem clima nordestino domesticado por certo
tipo de MPB desde os 60’s.
Radicado na Espanha, Fred não ficou imune à influência
mourisca, como se vê na produção compacta de Tempo Afora. Por compacta quero
dizer que com poucos instrumentos e sem fogos de artifício, algumas canções têm
sonoridade poderosa, como na tribal Terras do Sem Fim, que abre o álbum com
seus chocalhos e sopros compondo o clima amazônico do dueto hipnótico. Dá
vontade de participar dalguma cerimônia de iniciação na beira duma fogueira
noturna.
A suave força da Bossa Nova e de Vinícius de Morais
informa música e letra d’O Samba Me Diz. Quer verso mais turminha do Tom Jobim
do que “não é feliz quem maldiz o amor”? Sem Aviso é sambinha Paulinho da Viola
e a pop Telefonema com seus teclados analógicos e efeito de telefone discando
no fundo também é sambinha, mas esquema novo. Mas, repare que a fofurice cuti-cuti
da canção vem envenenada por violão-sátiro de blues.
Por falar em popice, o reggae de Flores supera o original
de Zélia Duncan. Interpretação original, bem dito, porque exceto pela letra de
Noite de São João, quem escreveu tudo foi Martins, mantendo galhardamente a
tradição de grandes letras da MPB. Vide a balada de ninar que encerra o álbum,
Depressa a Vida Passa, com sua incrível letra sobre a inexorável passagem do
tempo.
Álbuns como Para Além do Muro do Meu Quintal só reforçariam
meu desinteresse pelas emissoras de rádio daqui, caso esse tivesse espaço pra
aumentar.
Não há desculpa pra não ouvir, uma vez que está de graça
no Spotify:
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