Albinismo para Izadine e amigos é ser diferente e especial
Estudos internacionais apontam para uma prevalência nas sociedades ocidentais de um albino para 17 mil nados-vivos, sendo superior em África. Em Portugal desconhece-se a real dimensão. Pais das crianças e jovens dizem ter uma vida normal, com cuidados especiais
"As pessoas veem que sou diferente e há quem me diga que sou diferente e especial. É muito bom ouvir isso." Diferente porque Izadine Gama, 17 anos, angolano, tem a pele branca e o cabelo louro clarinho, diferença que gosta e a que deu um toque especial com o corte de cabelo. "O meu pai é que não gostou, é muito rígido. Os amigos adoraram. "Por eles andava sempre a mudar, têm umas ideias malucas". Especial porque "gosta de ajudar os outros", conta a mãe.
Joana Gama, 46 anos, percebeu à nascença que o segundo filho era albino. "Disseram: Vem ai um albino". Não ficou surpreendida nem preocupada. "Havia albinos na família do meu marido. E em Angola há muitos , é normal. Foi recebido com muito amor e carinho." Mas foi isso que a trouxe e ao marido para Lisboa, onde a família cresceu. Ela está empregada num refeitório, ele voltou a trabalhar em Luanda. "O Izadine veio para Portugal com um ano, estavam sempre a rebentar-lhe bolhas de água por causa do sol e os medicação eram muito caros em Luanda. Aqui há médicos especializados e os cremes não têm comparticipação mas sempre se consegue fazer um sacrifício para os comprar".
Em Lisboa, o rapaz passou a ser acompanhado no Instituto de Oftalmologia Gama Pinto e no Hospital de Santa Maria. E aconselharam a mãe a que o inscrevesse no Centro Helen Keller (ensino inclusivo), para onde entrou aos quatro anos. "Se não tivesse lá andado poderia não saber lidar com as pessoas, por exemplo, o olhar, o riso quando entro no autocarro." A mãe acrescenta: "Quando era pequeno queixava-se da reação das pessoas e eu dizia-lhe que era igual a elas, que só lhe faltava a pigmentação".
O rapaz tem mais três irmãs, uma mais velha e duas mais novas, a última com sete meses. Ele começou a falar e a andar antes do ano e é o mais extrovertido e o brincalhão de serviço. "Foi sempre o mais traquina, não parava quieto."
Um temperamento que pode ter ajudado. "Gosto de ser assim, é diferente, sempre tive este pensamento. E tenho muitos amigos. Graças ao meu feitio, ao Centro Helen Keller e a quem me apoia, não me vejo assim tão diferente, a não ser na cor da pele". E tem reparado que as raparigas lhe acham piada.
Frequenta o 10.º ano e vai mudar para um curso profissional de desporto. Joga futebol, o que gosta muito, mas o pai alertou-o para as dificuldades. "Jogo a qualquer hora do dia, mas é amador e consigo manter os cuidados com a pele, o que seria mais difícil se fosse profissional."
É uma limitação que já está a contornar e, quanto ao resto, faz o mesmo que qualquer adolescente. "Talvez vá menos vezes à praia. E, quando vou, é às horas normais. Tenho de por mais vezes o protetor, mas no dia a dia não estou sempre a por creme". Usa ainda um gel de banho específico e um hidratante para a cara. E não deixa os óculos, que tem desde muito pequeno, por ver mal ao longe. Só não se sente muito à vontade com o desconhecido. "Sempre que vou a um sítio novo, quando não estou com o meu grupo de amigos, fico um pouco nervoso porque não sei como reagem". E é na terra natal que sente menos os olhares. A última vez que visitou Angola foi em 2008. "Há mais albinos e, ao contrário do que acontece em outros países africanos, não há crenças populares», explica Joana Gama.
Adaptar a doença à pessoa
Quem já não se preocupa com a reação dos outros é Ezisberta Kachiungo, 20 anos, estudante de Design de Equipamento em Belas Artes. "Não me debato muito com essa questão, chego à conclusão que gosto de mim assim, também nunca me vi de outra maneira." O que não quer dizer que não seja vítima de algumas pessoas. "São muito preconceituosas, olham, agora mais raramente do que em criança. Lembro-me de ter 10 anos e, quando passava junto ao parque infantil perto de casa, os miúdos chamarem-me fantasma." Nada disso acontecia entre a família, os amigos e os colegas.
É natural do Huambo, veio de Angola aos nove meses. "Se teve a ver com a minha situação? Não sei, acho que não, pelo menos nunca mo disseram".Os pais aqui estudaram e trabalharam, o pai formou-se em Ciência Política e a mãe em Contabilidade. Com a crise em Portugal, regressaram às origens.
Alta, loura com trancinhas, sobrancelhas e pestanas pintadas, calções. Faz uma pausa antes da aula de dança do ventre. E aprende bateria e piano porque sonha em fazer algo ligado à música. Não é um dia de sol e não pôs protetor solar e só há pouco tempo aplica um creme para a cara. Descobre braços e pernas quando está calor e não é o albinismo que a impede de ir à praia. "Claro que tenho de ter cuidados com o sol, o resto é tranquilo. Em miúda ia à praia com a creche e os cuidados que tinham comigo eram os mesmos que com os outros meninos". Recentemente foi à dermatologista que lhe disse: "A sua pele está ótima".
Ezisberta acabou por adaptar o albinismo ao seu quotidiano e personalidade. "O que me pode impedir de fazer coisas é a visão", vê mal ao longe. "Isso tem sido uma grande luta, toda a gente, incluindo os pais, a impingir os óculos. Sempre disse que o meu problema é a visão instável e os óculos não ajudam nisso. Uso óculos só para ler. A visão piorou? Que eu saiba não".
Cuidados que os pais repetem ao telefone. "Põe protetor, não te esqueças do chapéu, etc., etc". Quando deixaram Portugal, Ezisberta e o irmão viviam com uma tia, agora, vivem sós. Visitam regularmente Angola onde a rapariga não sente diferença na reação das pessoas comparativamente a Lisboa. "Embora lá tenha uma vida diferente. Não ando na rua, de transportes públicos. E repito: Não me debato muito com essa questão".
Família já tinha louros e olhos azuis
Miguel não para um segundo, sempre a falar, a explicar. Faz uma visita guiada à sua casa, quer tirar fotos. Tem uma grande capacidade de memória, explicação para o bom vocabulário aos 3 anos de idade. E repete frases, expressões. Um sucesso, desde o primeiro dia. "No hospital não paravam de dizer: "tão louro". O que também significa que não descobriram logo que sofria de albinismo. O primeiro pediatra não detetou e na minha família há louros e olhos azuis. Os médicos também não conhecem muito bem a condição, não estão sensibilizados", diz a mãe, Inês Melo, 34 anos, advogada. Só aos seis meses, quando viram que o filho não focava bem, sentiram que poderia haver problema. E foram "à pesca de informação" na Internet. O pai, Tiago Silva, 35 anos, arquiteto, dá um desconto. "No caso do Miguel, também não se suspeitou porque somos caucasianos, os pais eram louros, os primos são louros."
A associação norte-americana NOAH é a fonte de informação, nomeadamente dos produtos a usar, tal como a espanhola ALBA. O Miguel é acompanhado por uma dermatologista, "super rigorosa", no dizer da mãe. "Fomos de férias à praia, em Cabo Verde, e, quando lhe dissemos, ficou apreensiva. Prometemos tomar todos os cuidados, mas não deixámos de ir".
A principal dificuldade é perceber as reais capacidades de visão do Miguel dada a pouca idade. Tem óculos com lentes fotossensíveis desde os seis meses e, se às vezes parece que vê pouco, outras assinala objetos bem pequenos. Outro motivo de ansiedade é perceber como a visão vai influenciar o futuro, sobretudo na aprendizagem escolar, também como será recebido pelos colegas, como vai ser na adolescência. Tem consultas regulares de oftalmologia e de subvisão, vai ser operado à vista para corrigir um pouco os efeitos do albinismo.
Não existe uma associação específica em Portugal, procurando estes pais apoio na Raríssimas ou Aliança. Inês está envolvida na criação de uma que funcionará como um dispositivo de informação e de troca de experiências, algo que o Izadine e a Ezisberta entendem ter toda a utilidade. E Inês e Tiago mantém contacto com pais de crianças com o mesmo problema, como Rubina Fernandes, 38 anos, professora, a mãe do Martim, de 8 anos, que mora no Funchal.
"Conhecemos o Martim e os pais, que têm uma experiência de quatro anos à nossa frente, o que tem sido importante. É através deles que vamos percebendo como a situação evolui", explica Tiago.
Rubina percebeu logo que o filho era albino, tão branco era o cabelo do bebé. Foi através da associação norte-americana que teve contacto com a mãe de mais duas crianças albinos. Não é diferente a situação na Madeira, mas acabou por vir para Lisboa procurar acompanhamento para o filho. "A minha maior luta foi que tivesse acesso a todos os cuidados que tem uma criança que nasça em Portugal" .
Óculo, protetor solar, roupa com proteção UV e até um detergente especial, para que o filho tenha a mesma vida de outras crianças. "O Martim tem uma vida perfeitamente normal, apesar das limitações. Anda na rua durante o dia. Vai à praia, adora praia, simplesmente tem de respeitar os horários. Tem de estar na primeira fila nas aulas, mas é o melhor aluno da turma."
Nestes oito anos de percurso, desgostam-na a falta de informação das pessoas mais novas, algumas dizendo até que é uma doença contagiosa, também de alguns profissionais de saúde. "Os mais velhos dirige-se com simpatia".
Inteligente, com uma grande capacidade de memória e de audição, Rubina Fernandes não teme dificuldades na progressão escolar, mas sim o depois. "Receio a entrada no mercado de trabalho, temo que haja discriminação, que tenha algum tipo de entraves e que lhe seja difícil demonstrar o seu valor."
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