Das 3 soaps
noturnas clássicas dos 80’s, só falta eu assistir a Falcon Crest, sempre
ofuscada pelas mais importantes DALLAS e Dynasty. Hoje, além de eclipsada, a
série que se passava em vinícolas californianas está esquecida. Minha motivação
pra ver Tu Seras Mon Fils (2011) foi meio porque li que envolvia a sucessão no
comando duma tradicional casa de vinhos. Não esperava novela, por óbvio, mas
também não esperava certa imaturidade no roteiro.
Paul de Marseul é o velho de vasta juba branca que
comanda multicentenária e milionária vinícola numa linda região francesa. Seu
capataz está com câncer terminal e seu filho Martin, embora tenha habilidade
gerencial, carece de nariz enólogo. Quando Philippe, filho do empregado doente,
retorna da Califórnia pra visitar o pai, Paul encafifa que o moço - atraente,
enófilo esnobe e que ama coisas caras – seria perfeito herdeiro da propriedade.
Humilhando cada vez mais Martin, Paulo cogita até adotar Philippe, colocando a
questão de que o estatuto da filiação pode fugir à alçada biológica.
Tu Seras Mon Fils começa como drama familiar sem destaque
pra assumir ares de thriller
melodramático. O final está meio cantado quando se insiste numa particularidade
da produção do vinho e do que resultou prum antepassado de Paul. Quem leu A
Convidada, de Simone de Beauvoir, poderá encontrar similitudes.
O problema é a discrepância de profundidade entre as
personagens. Paul e Martin são blocos imutáveis: o primeiro é desprezível em
sua frieza, sexismo, arrogância, ao passo que o filho pode até ser bom em
gestão, mas é tão bunda-mole que nem pena conseguimos sentir. Vítima
profissional dá nojinho. Já o capataz, que percebe de imediato o jogo de
sedução econômica pra cima de seu filho, guarda ressentimentos além da lealdade
a Paul. Na verdade, o núcleo do capataz é mais profundo, ao passo que o de Paul
é monolítico. Se isso é resquício da velha tendência esquerdista de mostrar a
“classe dominante” como oca, desprezível e decadente, combinemos que está bem
datado. Desconheço a filiação ideológica do diretor/produtor/roteirista Gilles
Legrand, mas não há como negar que isso aconteça em Tu Seras Mon Fils.
Niels Arestrup convence no duro papel antipático de Paul
de Marseul e alguns poderão até se surpreender com quem e como desfecha a
situação. Tu Seras Mon Fils não é ruim, mas poderia ter sido muito melhor se
fosse menos novelão maniqueísta no fun’d’alma.
Enjoado/Enojado com o noticiário atual, nosso historiador-cronista tenta se esconder no quarto de um poeta muito famoso. EU
NO QUARTO DE FERNANDO PESSOA.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Andava
meio perplexo com a avalanche de más notícias que insistem em saltar dos
noticiários. Como tantos, estou farto de saber das “novidades” que frequentam
conversas, enlutam encontros, maltratam nosso dia a dia. De todos os cantos se
somam tragédias que mais do que aborrecer convidam ao desencanto. Como suportar
os bombardeios da interminável guerra síria, com incontáveis mortes de civis;
fotos de crianças mortas em situação de abandono; de que maneira devemos nos
portar com coleções de toscos barcos afundados no Mediterrâneo que diariamente
engole refugiados norte-africanos? E não é só alhures que tais eventos
envenenam nosso viver, mostrando o destempero do mundo. Em nossa terra, como
aceitar o fato de meninas violentadas por tantos rapazes que, ainda, as culpam;
e a louca montanha-russa dos acontecimentos políticos que em ritmo alucinante
dispara um escândalo depois de outro promovendo a descrença absoluta na
política; o ódio sendo incendiado contra partidos políticos que apesar das
acusações são muito iguais? E o desemprego, as drogas, o tráfego de pessoas?
Nossa, quanta coisa a chorar! É visível a tristeza que faz nosso cotidiano e
nos convida a pensar na inviabilidade de futuro melhor. Meu Deus, quanta
tristeza...
Frente a tudo isso, mediante o ciclone de
desgraças que se materializa em jornais, sinceramente, estou aprendendo a ler
notícias de outra forma. Antes, esfomeado por detalhes, investia tempo em
informações e gastava horas em minúcias. Mesmo sabendo de tendências dos órgãos
noticiosos, me detinha por horas e ia página por página. Atualmente, vejo
manchetes, me detenho aqui ou ali, com velocidade confiro continuidades de
fatos que se desdobram, e, apenas dou-me à leitura de um ou outro comentarista
de que gosto. Como se fora vingança contra o cotidiano que nos implica e
arrasta para o fundo de um poço sujo, comecei a dar maior atenção a fatos que
antes passariam sem tantos cuidados. Foi assim, aliás, que cheguei a uma nota
que me permitiu viajar por possíveis situações. Li que um site chamado Airbnb
anunciou um quarto para alugar. A notícia seria desprezível se o tal cômodo não
tivesse sido do poeta português Fernando Pessoa, no adorável Largo do Carmo em
Lisboa, Portugal. Segundo o informe, o enigmático bardo teria residido lá por
quatro anos. Diz o aviso que “o ambiente tem decoração que remete ao início do
século XX, com máquina de escrever, mobiliário da época, malas antigas nas
paredes e um chapéu igual ao usado pelo poeta”, e, de forma trivial a nota
arrematava “A diária na alta temporada, está em R$ 340”. Não diria que fiquei
tentado. Não. Até porque acho que algumas ilusões devem se manter na
imaginação, aprendi que às vezes é melhor manter o sonho do que colocar em
prática uma situação que o desminta. Mas, dei asas à fantasia. Envolto nessa
atmosfera foi que me lembrei de um poema decorado quando ainda menino e que de
quando em vez reponta no meu cotidiano: “Tenho tanto sentimento/ Que é
frequente persuadir-me/ De que sou sentimental/ Mas reconheço, ao medir-me/ Que
tudo isso é pensamento/ Que não senti afinal/ Temos, todos que vivemos/ Uma
vida que é vivida/ E outra vida que é pensada/ E a única vida que temos/ É essa
que é dividida/ Entre a verdadeira e a errada”. Pois é, por certo não vou
alugar o quarto de Fernando Pessoa. Nem preciso. Há muito dele que habita em
mim e nem cobra aluguel.
De 24 de setembro de 2015 a 12 de maio, a ABC exibiu a
quinta temporada de Scandal (leia aqui, minha opinião sobre as temporadas um,dois, três e quatro). Estava prá lá da metade da segunda temporada de Empire,
quando decidi dar uma olhadela em pelo menos um capítulo da série de Shonda
Rhimes. Deixei o show da Fox de lado enquanto não vi o fim dos 21 episódios da
gladiadora Olivia Pope e suas hipócritas bravatas sobre decência; quando lhe
convém ela dorme com assassino de inocente numa boa. Por isso, continuo
gostando mesmo é de Cyrus e Mellie, que quando querem algo, fazem o que têm de
fazer, especialmente o primeiro.
A protagonista Olivia Pope é índice da ilusória
profundidade das personagens das soaps
modernas. JR Ewing era malvado sem culpa e sem piedade ou crise de consciência.
Hoje já não cola mais ser assim, então, Olivia faz discurso sobre ética, sobre
ser diferente do pai – Papa Pope continua enfático e enfadonho, por Deus! – e
passa lição de moral em Cyrus, mas trepa como louca com Jake Ballard mesmo
sabendo que este matou inocentes a sangue frio.
Sua incapacidade pra frear seus instintos a torna tão vulnerável como
qualquer Sue Ellen Ewing de outrora; fantoche que acaba fazendo o que algum
macho quer; “that’s my girl” gaba-se Papa Pope no capítulo derradeiro. Ela fez
tudo o que ele esperava; afinal, ela é ele castrado e com cabelo. O mundo de
Scandal é tão falocêntrico quanto o de DALLAS ou Dynasty. E branco também; a
cor da pele de Kerry Washington de nada importa e isso está (inconscientemente?)
codificado numa das subtramas da temporada, basta prestar atenção no porquê e
como o aspirante à presidência senador Edison Davis implode sua candidatura.
Além disso, as decisões de todas as personagens continuam
imaturas, porque intempestivas. Isso é condição sine qua non pra perpetuação de conflitos, responsáveis por nossa
adicção nesse tipo de série, mas também é indício de que a suposta dubiedade
das personagens contemporâneas é ilusão de ótica. Inconsistentes, mas não
profundas. Profundidade não combina com soap.
E quem se importa? Queremos briga, escândalo e baixaria e isso Scandal tem
de sobra.
A vice-presidente Susan Ross é tão gracinha, que por
pouco não tive pena por torcer que ela fosse destruída pra dar espaço a Mellie.
Mas não pretendo ser fã contemporâneo, por isso, multifacetado, de soap: sou Mellie Grant e danem-se os
demais, inclusive, Cyrus; na sexta temporada continuarei amando-o, mas torcendo
pra Mellie ganhar. Aliás, Cyrus recuperou-se nessa temporada. Nos primeiros
capítulos estava anulado como na anterior, mas quando recobrou seu pique, sai
de baixo, amei! A ex-vice Sally Langston, com seu programa de TV que serve como
coro grego muitas vezes, também esteve ótima. Alguém mais acha que ela lembra
demais a Maggie Thatcher?
Uma coisa que alguém poderia me explicar: qual a função
da Elizabeth North, pra que a Portia de Rossi seja creditada como elenco
principal? A atriz continua fazendo mais jus ao epíteto “esposa da Ellen
DeGeneres” do que “atriz de Scandal”. Outro cada vez mais chato e sem utilidade
é Huck, com aquela cara prestes a se debulhar em lágrimas. De Quinn nem vou
reclamar, porque é legal ter gente como ela, Huck e Elizabeth, na era do
Whatsapp; dá pra checar se tem mensagem (e respondê-las) sem precisar pausar.
Ecoando desde a morte da Princesa Diana à candidatura do
caricato fascista Donald Trump, Scandal continua irresistivelmente insano e
irrealista, portanto, uma delícia. Tirando um capítulo mais chato do que
extração dentária – faça-me um favor aquele episódio do casamento do Jake,
heim?! – o resto me mantinha em excitação constante e ansioso pra sexta
temporada.
E pra presidente, Mellie Grant! Só Scandal mesmo pra me
fazer torcer por uma Republicana.
A pequena Ava Clarke (8) tem uma característica incomum, seus pais são de raça negra e ela é albina. Seu cabelo afro impõe sua origem, mas com um toque especial ele se apresenta loiro.
Ava também tem a pele branca e os olhos azuis. Por ter uma beleza singular isso fez com que ela se tornasse modelo. A menina já está arrasando e encantando a todos no mundo da moda (e fora dele!).
Desde que nasceu, muitos especialistas ficaram surpresos com Ava devido ao seu transtorno genético que se define por uma deficiência na coloração da pele. Alguns médicos chegaram a alertar de que ela poderia ficar cega, mas nada disso aconteceu e a menina conseguiu aproveitar ao máximo a sua condição.
Ava vai para a escola, usa óculos, tem amigos e leva uma vida normal como qualquer outra criança de sua idade. Sua família a apoia em todos os momentos.
Mesmo com sua pouca idade, ela já possui em seu currículo trabalho para revistas como: Denim, Boom e VIP.
Fascinante, não acha? Tomara que Ava seja sempre feliz com suas diferenças incríveis, até porque cada um de nós temos uma forma toda especial de sermos belos!
Roine Stolt é figura-chave do prog sueco desde os anos
70, quando liderava o Kaipa. Em 94, criou o The Flower Kings, em atividade
desde então e um dos líderes da cena prog mundial, juntamente com o Spock’s
Beard, ex-banda de Neal Morse, que com Stolt é parte do multinacional
supergrupo Transatlantic. A comunidade prog não é muito grande. O já 60tão
Stolt é da escola sinfônica do prog rock de matriz anos setenta e uma de suas
influências confessas e marcantes é o baluarte Yes.
Depois de ser demitido do Yes em 2008, o inglês
naturalizado norte-americano Jon Anderson tem tido mais êxito artístico do que
a banda que formou em 1968, com o falecido baixista Chris Squire. Sempre
envolvido num projeto ou noutro, Anderson formou a APB, Anderson-Ponty Band,
cujo álbum resultante, pode não ser obra-prima, mas é bem bom. Já o Yes, lançou
o competente Fly From Here (2011), mas depois o imperdoavelmente insosso Heaven & Earth, cada um com um vocalista. A despeito de Anderson ter demonstrado
desejo de retornar ao Yes, Steve Howe parece estar feliz sem o baixinho,
apelidado de Napoleão por seus colegas no auge do sucesso setentista.
Dia 24 de junho, saiu na Europa o álbum Invention Of
Knowledge, colaboração entre a voz d’anjo de Anderson e a celestial guitarra de
Roine Stolt. O projeto foi batizado progressivamente de Anderson/Stolt e é
nocaute nos ex-companheiros do Yes, porque soa digno do período áureo da banda,
entre 72-4.
As 9 faixas dividem-se em 3 suítes, respectivamente com
3, 2 e 3 canções cada e uma última faixa independente, a mais comprida música
individual do álbum, com mais de 11 minutos. As suítes são de uma homogeneidade
brilhante, recheadas de luxuosa orquestração, floreios de teclados e a lírica
guitarra de Stolt, que ponteia as canções conduzindo-as por debaixo d’água e
ocasionalmente emergindo para brincar na superfície, qual golfinho. Que seu
timbre lembre os melhores momentos de Howe e que fãs do Yes reconheçam trechos
reminiscentes de Close To The Edge, Relayer ou mesmo do primeiro solo de
Anderson não significa que seja cópia, mas que a marca Yes é tão forte que virou
traço de DNA. Stolt tem estilo próprio, mas foi influenciado pelo Yes, então, a
sonoridade está lá. Ademais, quantos fãs de Jon Anderson não esperam serem transportados
para os gloriosos dias do ápice?
De pouco adianta descrever as suítes e dizer que o início
de We Are Truth tem clima indiano e que o final de Everybody Heals é
jazzístico. O que importa é que Invention Of Knowledge é onda de prog sinfônico
com todo o drama do subgênero e por isso colocará fanáticos de joelhos com as
mãos para o céu agradecendo Jon e Roine.
A voz de Anderson está um pouco granulada, mas o cara tem
71 anos. Mesmo assim não dá pra reclamar; ele continua aquele anjão que
perdoamos mesmo quando canta que “somos gloriosos” ou “vivemos verdadeiramente
no paraíso” – ideias questionáveis para onças olímpicas em Manaus ou gays em
Orlando. O timbre agudo da voz sobreposto ao agudo da instrumentação apenas
soma ao clima Yes dos Primeiros Dias.
O senão fica com o começo da última canção, a
independente. Parte de Know... parece demo.
Como nossa apreciação das coisas se dá por comparação, a abundância dos
arranjos das suítes destoa da escassez do início de Know... Mas, são apenas
minutos, depois a canção se encorpa e assume tom sinfônico setentista. Quando
ocorre a descarga de teclado analógico e Anderson faz um malabarismo vocal
digno do perfeito Close To The Edge, os olhos marejam.
Em menos de 30 dias, o rock progressivo produziu dois
grandes álbuns: dia 27 de maio, Folklore, do Big Big Train e 24 de junho,
Invention Of Knowledge, de Anderson/Stolt. 2016 tem sido bom e esses dois
álbuns já estão na lista de melhores do ano.
Joice é uma estudante de 14 anos que nasceu com baixa visão, mas acabou ficando completamente cega há um ano. Apesar das limitações, sonha em ser médica. Além disso, é apaixonada por música: toca flauta e violoncelo.
Treze pessoas albinas morreram em 2015 em Moçambique vítimas da onda de homicídios contra portadores de albinismo associada a práticas supersticiosas, indica o relatório da Procuradoria-Geral da República de Moçambique. Mas não é só em Moçambique.
A
informação, apresentada pela Procuradora-Geral de Moçambique, Beatriz Buchili, refere que, no total, 51 cidadãos moçambicanos com albinismo foram vítimas de ataques no ano passado.
“O ano de 2015 ficou negativamente marcado pelo aparecimento de um fenómeno criminal hediondo, caracterizado por extrema violência, crueldade e falta de senso de piedade contra as vítimas, causando aversão no seio da sociedade moçambicana”, destacou Beatriz Buchili.
Segundo a Procuradora-Geral da República, a província de Nampula, norte do país, foi a que registou mais casos de ataques a pessoas albinas, 29 vítimas, incluindo mortes, seguida de Zambézia, centro, com sete, e de Cabo Delgado, norte, com cinco.
“Temos assistido em vários pontos do país a ofensas corporais voluntárias e ao assassinato de cidadãos albinos para a extracção de órgãos, principalmente membros superiores, cabelos, órgãos genitais, unhas e olhos, alegadamente usados em práticas supersticiosas”, frisou Beatriz Buchili.
Outras vezes, prosseguiu Beatriz Buchili, os agentes dos crimes contra portadores de albinismo, recorrem à profanação de túmulos ou sepulcros para a exumação de restos mortais de pessoas albinas.
Na sequência dos ataques a pessoas albinas, foram instaurados no ano passado 95 processos, contra 32 em 2014, o que representa um aumento de 63 processos, acrescentou a chefe máxima da magistratura do Ministério Público de Moçambique.
Do total de processos instaurados, foram acusados 58, dos quais 11 foram alvo de despacho de abstenção e 26 encontram-se em instrução preparatória.
Outro exemplo – o Malawi
N
o Malawi, por exemplo, as pessoas com albinismo são mutiladas e mortas devido à crença de que as partes do seu corpo são amuletos.
As mãos de Edna, mãe de gémeos albinos, ainda tremem quando conta como durante a noite a sua casa foi invadida por um grupo de homens que arrancaram Harrison, um dos gémeos, dos seus braços. Por tentar proteger e agarrar a criança cortaram-na no braço e fugiram com o seu filho. A cabeça da criança foi descoberta três dias depois numa aldeia vizinha.
Esta poderia ser uma história horrífica pontual mas infelizmente é uma entre muitas mais no Malawi, onde as pessoas com albinismo são atacadas porque se acredita que o seu corpo tem poderes mágicos.
Foram registados muitos outros casos de bebés, crianças e adultos mortos com a intenção de se vender parte dos seus corpos que são posteriormente transformados em amuletos ou usados em sessões de feitiçaria.
Muitas das pessoas que o fazem são próximas da família e já houve casos de familiares, incluindo os próprios pais, que vendem ou matam pessoas com albinismo para ganhar dinheiro.
Os poucos perpetradores que são levados perante a justiça são libertados ou cumprem penas muito leves.
Muitos mais casos
A
comercialização de amuletos feitos com braços e pernas de albinos transformou uma antiga crença popular num mercado de luxo sombrio na Tanzânia.
Crentes da “medicina” dos curandeiros, a elite local paga milhares de dólares pelos produtos que, para eles, podem curar doenças e trazer sorte e prosperidade. Por trás desse comércio macabro, há ainda mais sofrimento do que se imagina, explica Don Sawatzky, director da ONG Under The Same Sun, pois a maioria das vítimas é mutilada com requintes de crueldade.
A mutilação é feita com a pessoa viva porque existe a crença de que a intensidade dos gritos aumenta a eficiência das partes mutiladas. Quanto mais dor e mais a vítima gritar, mais eficiente o “produto” ficará. “Eles são apenas albinos”, dizem algumas pessoas. Eles não os vêem como seres humanos.
Don Sawatzky diz que ninguém conhece, ao certo, a origem da crença nestes produtos feitos com partes do corpo de albinos, mas sabe-se que ela é muito antiga e que teve início em rituais tribais.
Desde 2007, no entanto, a ONG acompanha um crescimento nos ataques desse tipo: criminosos decepam braços e pernas de pessoas com albinismo e vendem-nos directamente para os consumidores ou para curandeiros.
Grande parte da população tanzaniana, tanto do interior quanto das grandes cidades e com diversos níveis de educação, ainda acredita nesse mito. O problema ficou quando várias tribos que viviam isoladas tiveram contacto com novas culturas e também se adequaram ao modelo de negócios global. O capitalismo pode explicar o aumento e a “produção em massa” desses produtos.
Para Dom Sawatzky, as mutilações só não são ainda mais frequentes porque os valores dos membros são muitos altos e os compradores se restringem a uma pequena elite rica.
O preço de uma única parte do corpo pode variar entre mil dólares e três mil. Enquanto houver procura sempre haverá um mercenário ou um feiticeiro com um facão nas mãos. Os consumidores são os únicos que mantêm essa situação viva e próspera.
Assassinatos, mutilações, sequestros e outros crimes contra albinos já foram noticiados em 25 países africanos desde 2006, quando a primeira morte foi registada oficialmente na Tanzânia. De lá para cá, pelo menos 75 albinos foram mortos somente em território tanzaniano e 61 sobreviveram a mutilações. Muitas mulheres albinas também são vítimas de estupro, porque existe a crença de que ter relações sexuais com elas cura a Sida. Esses números podem ser ainda muito maiores, já que a maioria dos crimes não é comunicada às autoridades.
Muitos pais abandonam as mulheres após o parto por acharem que a criança albina é uma maldição ou filha de um fantasma europeu.
Ainda que um albino não chegue a ser vítima de um ato de violência física, Dom Sawatzky afirma que eles convivem diariamente com o preconceito.
A verdade é que eles sofrem uma profunda discriminação e isolamento social a todos os níveis, seja na família, aldeia, na hora de receber educação, de conseguir emprego e até mesmo protecção. Muitos profissionais da saúde, por exemplo, têm medo de os tratar por acharem que eles são amaldiçoados.
O albinismo é uma condição genética, não contagiosa, que só acontece quando ambos os pais possuem o gene (mesmo que não sejam albinos) e o passam para o filho. A criança nasce com pouca pigmentação na pele e nos cabelos.
É muito raro uma criança albina ser aceita plenamente. Muitas famílias escondem as crianças por vergonha, mas outras fazem-no para as proteger de ataques.
Na América do Norte e na Europa, uma criança em cada 17 mil a 20 mil nasce albina. Já na Tanzânia esse número sobe para uma em cada 1.400. Estima-se que haja 33 mil albinos no país. Apesar da maior incidência da condição genética, o preconceito ainda é comum e começa desde cedo.
A falta de instrução sobre a condição dos albinos é o principal factor que alimenta esse preconceito e o comércio, mas o desconhecimento vai muito além da África.
É preciso oferecer mais protecção e fazer programas de educação para acabar com esses mitos, equívocos e receios na sociedade. Reintegração sem entendimento só irá recriar o problema. Demora várias gerações para acabar com a discriminação.
No nosso país, as comemorações do Dia de Consciencialização Sobre o Albinismo, assinalado a 13 do corrente mês, comparado ao ano anterior, foi muito mais mediatizado por vários meios de comunicação social.
A abordagem sobre esta data e sobre o assunto foi materialmente mais visível por meio do Jornal de Angola, que teve um espaço de divulgação de informação, de conhecimento e de opinião de interesse público relevante para a sociedade angolana, em que estão inseridos muitos albinos e albinas que são objectivamente observáveis.
O albinismo não afecta a capacidade de o indivíduo desenvolver-se intelectual e socialmente, podendo a pessoa ter uma vida completamente normal, tanto no campo pessoal, quanto profissional.
Para que o indivíduo albino possa ter uma vida normal e saudável faz-se necessário apenas que sejam tomados os devidos cuidados com a pele e que a ele seja proporcionado o acesso a recursos ópticos que o ajudem na sua deficiência visual, bem como suporte psicológico adequado que tome em conta as diferentes fases do seu desenvolvimento físico, emocional, moral e intelectual.
O êxito mediático do dia 13 de Junho deste ano, em Angola, poderia ser um ponto de partida para se fazer a “fuga para frente”, engajando neste desafio os diversos e deferentes actores envolvidos no assunto albinismo, a saber: os próprios albinos e albinas adultos, que são “os donos do problema”.
Constam ainda as famílias que integram pessoas com albinismo, as organizações e grupos sociais sobre albinismo, as instituições públicas e privadas que têm a ver de forma directa com o albinismo – por exemplo, casas de óptica, educação escolar, saúde, assistência social e emprego – as instituições académicas e centros de pesquisa, assim como instituições afins que aos diferentes níveis, concebem, formulam, definem, interpretam e executam as políticas públicas sociais, as organizações e agências internacionais multilaterais e bilaterais, com vocação social, e outras.
A meu ver, Angola poderia ser um país director e líder na abordagem sobre albinismo, mormente no que diz respeito ao cadastramento de pessoas com albinismo pesquisas, estudos e debate público, políticas públicas explícitas em relação ao albinismo, respostas concretas e abrangentes aos problemas de cancro da pele nos albinos e albinas que provocam mortes prematuras e evitáveis, por via duma abordagem de prevenção, protecção e promoção, acções que cultivam o auto-conceito que reforça a auto-estima e a participação, definição de estratégia comunicacional, educacional e legal que promove uma consciência pública positiva sobre o albinismo, com vista a ajudar a sociedade a ir superando os preconceitos, os tabus e as crenças menos boas sobre o albinismo.
Os desafios são enormes, mas o potencial para se ir ultrapassando os problemas que enfrentam as pessoas com albinismo é inestimável na nossa sociedade, porquanto Angola é um país com níveis razoáveis de tolerância em relação ao albinismo em comparação com outros países da região. Este capital social de solidariedade, de voluntariedade e de sensibilidade face ao albinismo pode ajudar a alavancar uma abordagem estrutural sobre o assunto em referência. Ainda vamos a tempo!
Dia 22 de junho, o albino Hermeto Paschoal completou 80 anos. Dentre as diversas matérias homenageando-o, selecionamos esta para deixar registrados os parabéns atrasados do blog ao mestre-músico.
Hermeto Pascoal, o homem som, chega aos 80 anos
Shows e exposição lembram aniversário de expoente da música brasileira de invenção
Dois dos músicos brasileiros mais conhecidos em todo o mundo, Tom Jobim e Hermeto Pascoal certa vez subiram juntos num elevador em Nova York. Hermeto ia tocar flauta em um disco de Tom:
— Nisso, tocou “Garota de Ipanema” no sistema de som. O Tom tirou o chapéu e disse: “Tô cansado dessa música, Hermeto. Eu gostaria de fazer algo no estilo do Quarteto Novo (grupo de Hermeto, que em 1967 defendera “Ponteio”, com o autor Edu Lobo, no III Festival de Música Popular Brasileira).” Ele estava acuado, sem saber para onde ir além da bossa nova. Eu disse então para que ele fosse para o Brasil por um, dois anos, e depois voltasse. Quando você se repete na música que criou, você se cansa antes dos outros.
O conselho, acredita Hermeto, surtiu efeito (três meses depois, Tom Jobim lançaria a célebre “Águas de março”). E continua a servir para o próprio músico, à beira dos 80 anos de idade, que serão festejados hoje (dia do aniversário) e amanhã, em shows na Areninha Cultural Hermeto Pascoal, em Bangu, bairro que acolheu Hermeto no Rio, e onde ele voltou a morar há um ano, depois de mais de uma década em Curitiba (tempo em que ficou casado com a cantora Aline Morena, que segue em sua banda).
— Nunca fiz um grupo de bossa nova ou de forró. Cansei de tocar em festivais de jazz no exterior, mas nunca vou tocar apenas jazz. Vou tocar frevo, baião, música clássica. Então eu chamo isso de música universal. É o único rótulo que eu acho que se pode usar — defende Hermeto, prometendo apresentações sem hora para acabar, com a presença dos seis filhos, 13 netos e dez bisnetos.
Os shows são parte de um grande projeto de homenagens ao músico nascido em Lagoa da Canoa, Alagoas, do qual fazem parte uma exposição itinerante de suas partituras, fotos e instrumentos (que fica até sexta na Areninha, e no sábado vai para a Arena Carioca Fernando Torres, onde também haverá espetáculo), além de apresentações e workshops na Europa (no mês que vem). O calendário de eventos foi aberto no início do mês, em Paraty, com o festival “Viva Hermeto! 80 anos”, e seguiu na semana passada, com um concerto da Orquestra Sinfônica do Paraná regida por Wagner Tiso. Lá, depois de 30 anos, Hermeto teve a chance de ouvir pela segunda vez na vida a sua “Sinfonia em quadrinhos”. E chorou.
— As pessoas não tocam a minha música, só comigo. Quando posso, eu vou. Quando eu não posso, eles não tocam — lamenta.
'A IDADE, PARA MIM, NÃO EXISTE'
Homem dos mil instrumentos, que provou a viabilidade de se fazer música de alta elaboração rítmica, melódica e harmônica com panelas, chaleiras, regador, brinquedos infantis e até animais, Hermeto não acha grande coisa a chegada aos 80 (“A idade para mim não existe, o que tem é o dia a dia. Eu não me canso. Quando se é feliz, a gente aprende a passar a felicidade para as pessoas”, ressalta). Autodidata, ele só começou a escrever partituras depois dos 41 anos (“Minha vida é a prática, sou 100% intuitivo”, explica).
— Quando eu senti que estava sabendo melhor a teoria, que sabia escrever, aumentou meu número de composições, porque vi que podia registrá-las — conta ele, hoje com mais de oito mil músicas, entre elas as 366 do livro “Calendário do som” (Editora Senac/Itaú Cultural, 2000), que escreveu ao longo de um ano, com o intuito de homenagear todos os aniversariantes do mundo.
Hermeto entrou na música aos 10 anos, quando aprendeu acordeom com o irmão José Neto, e aos 14 estava tocando com ele no rádio, no Recife. Aos 20, seguiu para o Rio, onde atuou nos grupos do flautista Copinha e do violinista Fafá Lemos. Atento ao preconceito contra os músicos do Nordeste, que supostamente só sabiam tocar baião, ele ouviu os conselhos do guitarrista Heraldo do Monte (com quem formaria, mais tarde, o Quarteto Novo) e começou a dedilhar o piano (“Fiquei uns dias só tocando com a mão direita até que a esquerda começou a andar e não parou mais”, conta). Logo, sem ter nem uma aula sequer, Hermeto estaria atacando de pianista.
— Um dia, em São Paulo, fui convidado para tocar piano na boate Chicote, mas quando cheguei ela estava fechada. Precisavam de um contrabaixista numa outra boate, a La Vie en Rose, e eu, que nunca tinha tocado contrabaixo, fui lá. Com 20 minutos tocando, vieram as bolhas nos dedos. Fui na farmácia, botei esparadrapo e continuei — lembra. — Fiquei tocando contrabaixo lá até que chegou uma cantora do Rio, que me conhecia e que, quando me viu, disse “Meu pianista!”. E eu: “Não, sou o Sivuca!”. Tinha medo de perder o meu emprego de contrabaixista.
Ao longo dos anos 1960, Hermeto faria parte (atuando ainda como flautista) do Sambrasa Trio, do Quarteto Novo e do Brazilian Octopus, grupo criado pela empresa têxtil Rhodia para animar seus desfiles. Em 1968, o Brazilian Octopus lançou um cultuado (e recentemente reeditado) LP no qual o músico albino toca, mas não aparece na capa.
— Não sei se eles me achavam bonito demais... — brinca. — Foi uma fase em que eu cismei de deixar o cabelo crescer. Depois, fui convidado pela própria Rhodia para ser manequim.
Em 1971, levado pelo percussionista Airto Moreira (que tocava com o trompetista e mito do jazz Miles Davis), o músico gravou nos Estados Unidos “Hermeto”, seu primeiro LP como estrela, no qual gravou com orquestra e teve sua primeira experiência como arranjador.— Acharam muito diferente a minha escrita, quiseram que eu fosse morar lá, mas eu achava que tinha algo a plantar no Brasil — diz ele, que teve dois temas gravados por Miles (sem que ele desse crédito). — O Miles sempre me convidava para tocar na banda dele, mas eu brincava que ia formar em São Paulo o maior grupo do mundo, de música universal.
Os grupos que Hermeto veio montando desde então formaram músicos, que criaram suas próprias escolas, seguindo os princípios básicos da visão de mundo desse alagoano que continua a ser procurado, pessoalmente ou pela internet, por instrumentistas das mais diversas idades:
— Eu fico com pena de ver uma criança tocar uma flauta imitando o Altamiro Carrilho. A semelhança existe, mas a imitação é burrice. O menino foi orientado, ele não tem culpa, mas até a cara dele fica velha quando toca. Eu luto contra isso, contra o cara ter um estilo quadradão. O próprio Altamiro, se ele estivesse aqui na Terra, ia reclamar do menino.
Não é incomum filmes que tratam sobre alguma deficiência
resvalarem pro sentimentalismo fácil ou pra história de superação pretensamente
inspiradora. Assim, pessoas com deficiência categorizam-se como vítimas ou como
“especiais”. Ainda que possuam sua simpatia sacarínica, enche não haver muito
desafio e astúcia nesse quadrante. Blind (2014), estreia diretorial do
roteirista Eskil Vogt, tem título em inglês, mas procede da Noruega e traz
protagonista não-vidente mostrada em seus desafios cotidianos, mas também uma
história formalmente desafiadora.
Ingrid perdeu a visão recentemente e passa os dias
reclusa no escuro em seu apartamento em Oslo. Seu marido incentiva-a a sair,
mas a loira prefere escrever e dar muita asa à imaginação e à paranoia. Através
de seu ponto de vista, somos apresentados a Einar, ávido consumidor de
pornografia internética, e a Elin, sueca divorciada vivendo em Oslo com o
filho, que depois vira filha. Não se trata de cirurgia de troca de sexo, mas da
imaginação de Ingrid. Um dos fascínios de Blind é não sabermos até que ponto as
coisas são verdade ou frutos da cabeça cada vez mais ciumenta e perturbada da
personagem, que pode estar escrevendo a vida dessas pessoas. Há horas em que o
próprio maridão é jogado pra narrativa do que parece ficcional, mas nem sempre
dá pra perceber se é isso mesmo.
Minucioso ao mostrar como uma cega tateia pela casa e
deixa restos de comida ao limpar o chão, Blind também aproveita que parte da
história se passa na cabeça de Ingrid pra se sair com soluções cênicas
sensacionais. Dois caras conversando num bar e de repente quando a câmera
focaliza um deles, a paisagem da janela está se movendo ao passo que a do outro
não até que as 2 estão e entendemos que é um modo de nos mostrar cubisticamente
que o encontro acabou e estavam indo pra casa (ou não).
Nórdico, experimental e enfocando gente solitária, o
leitor certamente pode esperar um filme escuro, impenetrável, macambúzio.
Engana-se. Blind é recheado de humor (escandinavo, cuidado, não espere musiquinha
besta de fundo pra você rir), sexo e cinematografia clara, clean even. O elenco inteiro está ótimo, mas o destaque tem que ir
pra Ellen Dorritt Petersen, que compôs uma Ingrid impecável em suas expressões,
gestos e olhar perdido. Fãs de Nordic Noir reconhecerão Vera Vitali, a Sara
Svenhagen das 2 temporadas de Arne Dahl.
Ao invés das sábias palavras de nosso historiador-cronista Josè Carlos Sebe Bom Meihy, hoje teremos uma matéria da Revista da Cultura da qual participa nosso autor, devido seu livro Prostituição à Brasileira ter instantaneamente se tornado clássico no assunto. Poderoso!
Capa de Invisibilidade – A prostituição no Brasil
Mesmo com a constante luta contra o estigma, o preconceito e a discriminação dos trabalhadores do sexo,
por que ainda é tão difícil para nossa sociedade aceitar a prostituição como um trabalho?
Por Clariana Zanutto – Fotos Laura de Avelar Fonseca – Revista da Cultura
Segundo a Classicação Brasileira de Ocupações, disponível no Ministério do Trabalho e Emprego, o título Profissional do sexo, sob o número 5198-05, abrange as seguintes categorias: “Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo”. Já a descrição sumária de suas funções engloba atividades como: “Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade”. As condições de atuação, ali descritas são: “Trabalham por conta própria, em locais diversos e horários irregulares. No exercício de algumas das atividades, podem estar expostos a intempéries e a discriminação social. Há ainda riscos de contágios de DST, e maus-tratos, violência de rua e morte”.
Mesmo após o reconhecimento, em 2002, como uma das 600 ocupações brasileiras – quando exercida por maiores de 18 anos –, o profissional do sexo continua sofrendo estigmas, preconceitos, vulnerabilidades e discriminações para conseguir trabalhar e ter seus direitos, além de um nó na cabeça quando se trata das nossas leis. Um exemplo disso é que o oferecimento de serviços sexuais não é ilegal no Brasil, mas ser proprietário ou gerente de local onde se pratica o sexo comercial e contratar pessoas para atuar nesse ramo ainda é considerado crime, punível com prisão.
É por isso que falar aqui no Brasil que a prostituição é uma das profissões mais antigas do mundo, como sempre se ouviu por aí, “é um dizer vazio, defensivo e rasteiro”, segundo José Carlos Sebe Bom Meihy, historiador e pesquisador da Universidade do Grande Rio e da USP e autor do livro Prostituição à brasileira. Para ele, “até hoje, são poucos os grupos sociais que acatam a prostituição como profissão regulamentada ou atividade comercial legitimada. Não deixa, contudo, de ser irônico – ou contraditório – taxá-la como ‘profissão’ exatamente em um momento em que se luta pela sua regulamentação”.
Aliás, a regulamentação da prostituição por aqui é uma questão antiga. Alguns projetos de lei, como os dos deputados federais Fernando Gabeira (em 2003) e Eduardo Valverde (em 2004) acabaram não sendo aprovados. Em 2012, o deputado federal Jean Wyllys protocolou o projeto de lei (PL) 4.211/2012, que atualmente tramita na Câmara e conhecido como PL Gabriela Leite. Gabriela era prostituta e fundou a Rede Brasileira de Prostitutas – formada hoje por mais de 30 organizações de classe – e a ONG Davida – Prostituição, Direitos Civis e Saúde, instituição que defende os profissionais do sexo.
A proposta do projeto é de “Regulamentar a atividade dos profissionais do sexo, cujo exercício remonta à antiguidade e que sujeita a injustiças e negação de direitos os profissionais, cuja existência nunca deixou de ser fomentada pela própria sociedade que a condena por um moralismo superficial causador de marginalização de segmento numeroso da sociedade”, diz trecho do PL disponível na íntegra no site do deputado federal Jean Wyllys.
PROTAGONISTAS
Ex-prostituta, militante desde a ditadura militar, amiga de Gabriela por muitos anos e hoje à frente do Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará (Gempac), Lourdes Barreto, 73 anos, simboliza conquistas marcantes das mulheres marginalizadas de Belém e do Brasil. Com quase 50 anos de trabalho dentro do mundo da prostituição – e mais de 30 na batalha a favor da prevenção da Aids –, ela afirma que sempre se viu como uma trabalhadora sexual. “Sempre encarei como um trabalho, nunca como outra coisa. Nunca me vi como uma pecadora ou uma criminosa fazendo alguma coisa errada.”
Aos 15 anos, depois de sofrer violência sexual dentro de casa, deixou a residência e se apoiou no mundo da prostituição, um caminho que cursou sempre com muita dignidade. “Até tive oportunidade de trabalhar com outras coisas, mas escolhi a prostituição pelo fator da liberdade, de conhecer outros mundos, outras histórias. Nunca fui cafetina, nunca trabalhei em cabaré, sempre trabalhei para mim, para não ficar sem dinheiro. E não é qualquer mulher que tem coragem não… Tem que ter talento, determinação e muita responsabilidade!”
A história de Lola Benvenutti é bem diferente. “Eu achava poderoso ser puta. Alguém querer pagar para estar comigo me parecia surreal, me sentia desejada, necessária para a satisfação dos prazeres. Decidi criar um blog, no qual eu relatava as minhas experiências, fiz algumas fotos e coloquei um anúncio em um site.” Ex-garota de programa, autora do livro O prazer é todo nosso, colunista da revista TPM, formada em Letras na Universidade Federal de São Carlos e atualmente cursando mestrado em Educação Sexual na Universidade Estadual Paulista, Lola – codinome de Gabriela Natália da Silva, inspirado na obra Lolita, de Vladimir Nabokov (1899-1977) –, hoje com 23 anos, achava que trabalhar como prostituta era divertido. “Não me imaginava como puta pelo resto da vida; aliás, jamais gostei de rótulos. A verdade é que fui viver um fetiche que achava misterioso e extremamente atraente. Eu me divertia muito.”
Tendo que escolher entre começar seu mestrado ou continuar na profissão, Lola acabou abandonando os programas, mas não se arrepende da decisão. “A vida corrida e cansativa de uma puta paulistana me impedia de fazer o que queria. Sequer conseguia pegar um livro e ler tranquilamente, porque meu telefone nunca parava de tocar. Eu me planejei pra isso, então, estou feliz por poder me dedicar aos estudos e ter tempo pra mim e pro Gerald [Blake Lee, empresário e seu atual namorado], que apareceu quando menos esperava e com quem tenho vivido situações tão desafiadoras e instigantes quanto antes. O amor também é um desafio, mas é uma delícia. A gente muda, os desejos mudam e é isso que nos faz amadurecer.”
Histórias como as de Lourdes e Lola se encontram no Brasil e mundo afora, mas as razões para as pessoas entrarem na prostituição são múltiplas. “O processo decisório de participação em esquemas de prostituição é complexo e variado. O que não se pode mais aceitar é o tratamento convencional, atribuindo-o a culpas familiares, pobreza, violência doméstica, como se todas as prostitutas e prostitutos fossem pessoas miseráveis e desprotegidas. Não que esses casos deixem de ser numerosos, mas há também situações de pessoas que escolhem entrar nesse mundo” explica José Carlos, que atualmente está na Colômbia entrevistando brasileiras que se envolveram com narcotraficantes.
Já Lourdes cita histórias de mulheres que se casaram, mas queriam conhecer outros homens, muitas que precisavam sustentar a família, outras que não tinham o que comer, estavam grávidas e também mulheres que estavam lá porque simplesmente queriam, gostavam do que faziam e nunca quiseram sair.
A LUTA NÃO PODE PARAR
Mesmo estigmatizada, discriminada e isolada, a prostituição existe há muito tempo e deve continuar a existir. Mas por que é tão difícil para nossa sociedade aceitá-la como um trabalho respeitado? Para José Carlos, em uma ponta temos uma série de preceitos firmados em normas morais, religiosas, seletivas, e, no outro extremo, o reconhecimento dessa atividade, que se mostra ameaçada por posições hipócritas, quase sempre
ligadas à proteção da família. “É difícil para a sociedade entender a prostituição, porque esta, no comum das vezes, se impõe como risco para os chamados ‘bons costumes’.”
Lourdes segue a mesma linha de pensamento. “O problema todo é que a nossa sociedade ainda é muito preconceituosa e falso moralista, não aceita falar sobre sexualidade, fantasias sexuais, e isso tudo faz parte da vida humana. Então, em um país que ainda não acabou com o racismo, com o trabalho escravo, as pessoas sofrem violência sexual, as crianças têm que trabalhar, é muito difícil ainda, mas o que precisamos é lutar contra o estigma, o preconceito e a discriminação, para termos uma sociedade mais justa.” E complementa: “No momento em que estou trabalhando, tenho o direito de decidir se quero ir ou não com um cliente. O corpo me pertence, as minhas partes sexuais me pertencem e posso usar como um instrumento de trabalho. Mas, como em qualquer outra profissão, há mulheres que também sofrem violências, podem encontrar clientes que queiram fazer coisas à força, e é por isso que precisamos de nossos direitos”.
ORGULHO ACIMA DE TUDO
Traçando caminhos e tendo objetivos bem diferentes, mas compartilhando do mesmo princípio, Lourdes e Lola nunca se arrependeram ou tiveram vergonha da profissão. “Nunca me arrependi. Ser puta me humanizou, e me ensinou muito sobre a vida, mas é claro que não é fácil, como nada na vida”, ressalta Lola. “Nunca me importei com os comentários maldosos e odiosos das pessoas nas redes sociais, mas a indiferença da minha família, que decidiu me ignorar por um tempo, foi muito difícil.”
Algumas vivências a chatearam muito, como a de uma professora que escreveu um poema em rede social a rebaixando, ou quando riscaram seu carro com todo o tipo de xingamentos, “mas logo entendi que, se me importasse com esse tipo de coisa, seria impossível viver. Então, decidi olhar sempre para as pessoas que eram gentis comigo e que me motivavam. Deu certo e eu não me chateei mais. Passei a refletir muito mais sobre as minhas atitudes e sobre as pessoas e a não aceitar normas de conduta, certo e errado”.
Já Lourdes acredita que o conhecimento que ela passa para a frente, além de sua relação e concepção dos seres humanos e da sociedade, foram as melhores coisas que a profissão lhe deu. “A prostituição, para mim, proporcionou várias coisas boas, porque lidei com inúmeras pessoas, muitas culturas diferentes, conheci os dois lados da moeda da sociedade e acabei virando uma grande psicóloga, assistente social e educadora social.”
Para ela, o estigma e o preconceito que sofreu – e ainda sofre – é o que de pior acontece, mas isso já foi superado. “Sou um ser humano que, a cada segundo da minha vida, consegue superar muita coisa. Quando era muito nova, eu já enfrentava a sociedade, dizendo que esse era o meu trabalho, e, hoje, meus filhos e netos têm mestrado, doutorado, sou convidada para eventos e palestras. Neste Carnaval, saí em uma escola de samba aqui no Pará, no carro abre-alas, feito no formato de um cabaré, como uma ‘puta rainha’. É assim que me identifico. Já fui candidata a vereadora, mas tenho medo de entrar na política partidária e me corromper; então, prefiro só fazer política social, lidar com a questão dos direitos humanos e da
cidadania, lutando por uma sociedade mais justa, mais fraternal, com mais segurança, educação, saúde de qualidade. É essa a nossa luta!”