Hoje é o Dia Mundial de Conscientização do Albinismo. Essas datas são simbolicamente importantes, porque, dentre outras coisas, a mídia volta os olhos e pautas são possíveis. Semana passada a repórter Clarissa Pains, do jornal O Globo, entrevistou a mim e outros albinos.
Agradeço a oportunidade de divulgação da causa nesse veículo de comunicação tão influente e de grande alcance.
Confira o resultado abaixo, com foto e tudo, é nóis na Globo, de novo!
Albinos contam desafios da condição genética celebrada nesta segunda
No Dia do Albinismo, ativistas da causa pedem políticas públicas que facilitem acesso a filtro solar, médicos e escolas inclusivas
POR CLARISSA PAINS
RIO — É difícil passar por eles na rua sem notar, mas, curiosamente, eles são invisíveis nos censos demográficos (o Brasil nunca os contou) e quase não motivam políticas públicas. Quem é albino, uma condição genética em que o corpo produz pouca ou nenhuma pigmentação, precisa de atenção extra para evitar problemas de pele, costuma sofrer de muita sensibilidade à luz em contato com os olhos e precisa de um reforço psicológico — dado ora pelos pais e pela escola, ora por profissionais — para lidar com olhares tortos e apelidos como "gasparzinho" e "vovô". Especialmente na infância.
Cada um desses aspectos é desafiador. É difícil encontrar dermatologistas ou oftalmologistas que saibam como lidar com o albinismo, e nem todos os albinos têm renda suficiente para comprar de seis a oito frascos de 120ml de filtro solar necessários para uma proteção adequada todo mês. Por não suportar o peso do bullying, muitos deles chegam a se isolar e abandonar os estudos, porque não contam com escolas que trabalham a inclusão entre os alunos — no Rio, as únicas instituições públicas que fazem isso são o Benjamin Constant e o Colégio Pedro II.
— É impensável, para muitos, adotar uma criança albina, até por não saberem muito bem o que é isso e como administrar. Eu me apaixonei por ela quando a vi — lembra Nereida, que tem também um filho cinco anos mais velho do que Cacau. — Tento mostrar a ela que cada pessoa tem particularidades e que ela pode lidar com as dela de maneira natural e ser feliz.
E é para ajudar outros neste caminho que a enfermeira fundou, em 2013, o Grupo de Pessoas com Albinismo do Rio de Janeiro, em parceria com a albina Mirian Miguel. As duas organizam encontros mensais — também abertos a não albinos interessados no tema — na Escola de Enfermagem da UFRJ, no Centro, onde Nereida dá aula. O grupo virou um projeto de extensão da universidade, no qual são produzidos estudos científicos e palestras, além de rodas de conversa para troca de experiências.
— Queremos fazer com que a pessoa albina se reconheça como tal. Não como um doente, mas como alguém que tem uma condição genética que precisa ser reconhecida e desmistificada — afirma Mirian.
E um dos passos para esse reconhecimento parece estar mais próximo. Nesta segunda-feira, dia 13, quando se celebra o Dia Mundial de Conscientização do Albinismo, o Grupo de Pessoas com Albinismo do Rio de Janeiro lança na internet uma plataforma de "censo albino". No site, a ser divulgado na página do grupo no Facebook, quem tem a condição poderá responder a um questionário que ajudará a traçar o retrato de quem são e como vivem esses brasileiros.
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) também lança a campanha "Albinismo: além do que se vê”, para estimular a criação de mais ambulatórios pelo país especializados no atendimento de pessoas albinas, com uma abordagem multidisciplinar: dermato, oftalmo e psicológica.
— Há ambulatórios assim em estados como Bahia e Minas Gerais — diz o presidente da SBD, Gabriel Gontijo. — Mas é preciso que esse serviço se espalhe, por isso incentivamos a criação de mais ambulatórios deste tipo em hospitais credenciados pela SBD.
Segundo o médico, a incidência mundial é de uma pessoa albina em cada 20 mil. No entanto, esta é uma condição genética mais comum entre negros, logo a incidência é maior na África: um albino em cada 1.500 pessoas, em alguns países do continente. Quem é albino tem a probabilidade de ter um filho assim em cada quatro rebentos. Mas a mutação também pode ocorrer, com menor frequência, numa família na qual ninguém tem a condição.
Gontijo explica que, por conta da extrema sensibilidade à luz solar, os albinos costumam envelhecer mais rapidamente e ter um risco aumentado de câncer de pele — e é um tipo mais agressivo. Além disso, problemas no nervo ótico e estrabismo são muito comuns, então realizar exames oftalmológicos quando crianças é importante para evitar futuras complicações na visão. Ele conta, ainda, que o olho avermelhado tão característico do albinismo ocorre pela falta de pigmentação na íris, o que faz com que seja possível ver a retina deles.
CONDIÇÃO CERCADA DE MITOS
Entre os mitos relacionados ao albinismo, está o risco de contágio. Alguns também acreditam que os albinos enxergam melhor no escuro ou que eles necessariamente têm algum problema de cognição.
O professor de inglês e literatura Roberto Rillo Bíscaro, albino e doutor pela USP, já passou por todas essas situações. O desconhecimento sobre o tema atinge até mesmo médicos.
— Eu já me consultei com um dermatologista que perguntou há quanto tempo eu era albino. Achei que ele estivesse brincando, mas ele continuou me olhando sério. Já teve vez também de eu ir renovar o meu visto americano e a moça que me atendeu perguntar "o senhor sabe ler?". Eu não estava nos meus bons dias, então tive que responder: "Em qual idioma você quer?" — conta ele, que fala como línguas estrangeiras inglês, francês e espanhol.
Quando criança, ele não entendia muito bem o que era ser albino e conta que não considerava um sacrifício não poder jogar futebol ao ar livre, sob um Sol de meio-dia. Nunca gostou muito do esporte e, por outro lado, sempre adorou livros, música e filmes. Atividades perfeitamente adaptadas a ambientes fechados. O grande problema era, de fato, a relação com o outro.
— Não brincar tanto na rua nunca me pesou muito. O tormento era o bullying. Me chamavam de "gasparzinho", "vovô", "Branca de Neve", "Papai Noel". A relaçaõ com o outro sempre foi mais difícil. Com o tempo isso foi diminuindo. Na idade adulta, na faculdade, não tinha mais esse problema — relata Bíscaro. — Nunca me escondi. Ficava bravo, chorava, mas me esconder nunca foi uma opção. Você acaba achando, para a sua própria sobrevivência psíquica, outros caminhos. Então eu acabei me dedicando mais aos livros, ao cinema, à música.Quem também nunca cogitou se esconder é o músico de sucesso Hermeto Pascoal, também albino, que completa 80 anos no próximo dia 22.
— Para mim, é uma dádiva ser albino. Sou rosinha, o que quero mais? — brinca ele, soltando uma risada. — Outro dia, um casal foi a um show meu e me disse que estava preocupado com o filho, que é albino. Eu disse a eles para tratarem a criança de forma normal, como meus pais fizeram. Disse que a única coisa para se preocupar é não deixar que ele pense que não pode fazer as coisas. Cada pessoa tem os seus problemas, suas particularidades. A vida da gente é cheia de percalços, sendo albino ou não.
PERSEGUIÇÃO MACABRA NA ÁFRICA
Uma das situações internacionais que mais vem chamando atenção — e que motivou as Nações Unidas a criarem, em 2015, o Dia Mundial de Conscientização do Albinismo — é a perseguição que ocorre em países africanos. Principalmente na Tanzânia, no Malaui e em Moçambique, pessoas que participam de uma seita matam e cortam partes do corpo de albinos para fazer poções, acreditando que isso lhes trará riqueza. As partes mais requisitadas são genitálias, cabelos e membros, e a maioria dos perseguidos é formada por crianças.
— Isso é uma loucura. No Malaui, já é considerado calamidade pública, porque o número de casos está aumentando muito — lamenta Roberto Rillo Bíscaro. — Existe um mercado negro disso também no Burundi e no Congo.
O alto comissariado da ONU para Direitos Humanos chegou a afirmar que centenas de pessoas com albinismo foram atacadas, mortas ou mutiladas em pelo menos 25 países africanos. muitos casos continuam não documentados por causa do isolamento das vítimas e da indiferença.
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