quarta-feira, 8 de junho de 2016

CONTANDO A VIDA 149

Nosso historiador-cronista fala sobre as amizades antigas, que melhoram como o vinho, sobre diferenças convividas e, sobretudo,, sobre ser cidadão do mundo (ou não).

PARA AS MEMÓRIAS DO “NOVO” VELHINHO DE TAUBATÉ.

José Carlos Sebe Bom Meihy

De onde você é? Impressionante como podemos complicar uma pergunta assim, simples. Por certo, seria fácil responder com indicação imediata e logo deixar a conversa fluir. Infelizmente não consigo disfarçar o embaraço quando alguém perpetra esta questão que, certamente, mais vale como ponte para continuidade de falas do que propriamente uma flechada que fere meu coração identitário. Explico-me, sou tão complicado em termos de afetos geograficamente localizados que a mera possibilidade da pergunta me apavora. Nasci em Guaratinguetá, vivi a maior parte de minha vida de criança e jovem em Taubaté, estudei no Colégio São Joaquim em Lorena, depois de alguns anos de docência no Vale do Paraíba, mudei-me para São Paulo. É lógico que tive saídas importantes para o exterior e por mais de três anos vivi nos Estados Unidos, em San Francisco, Ca; em Miami, Fla, e sobretudo em Nova York. Para emaranhar mais ainda, devo dizer que esta trama se dilata quando me vejo, agora, morador do Rio de Janeiro, cidade que também assumi como minha. Entendem meu drama? Acho que não, pois a complicação se bifurca quando me reconheço cidadão de todos os lugares. Sim, sou de fácil adaptação. Devo confessar que o dilema encerrado na inocente perguntinha “de onde você é” mereceu cogitações de ares freudianos, e não falta até quem vê no meu dilema um fundo shakespeariano, na base do “ser ou não ser”. Acho que seria cômodo promover a continuidade desse mezzo del camin, mas algo aconteceu que exige minha definição. Coisa séria, creiam.

Pertenço a uma lista de coetâneos, Tahubatherium, constituído de pessoas que repartiram comigo a juventude. Pensando em tantos que compartilharam minha formação de adulto, retomo o velho preceito que reza que os amigos verdadeiros são feitos antes dos 30 anos. E fico imaginando que mesmo não valendo o absoluto, é verdade que naquelas quadras da vida somos mais abertos, mais flexíveis e assim deixamos o bom vento da amizade ventilar. Mas, não temos mais o frescor dos anos de formação. Nem somos mais tão maleáveis. Resta portanto colocar um pouco de filosofia na ponderação e recordar que a palavra amizade decorre da combinação de animi (alma) e custos (custódia). Como guardião da alma, amigo é o que cuida do outro, o protege e faz a reciproca ecoar. E foi Nietzsche quem constatou que a dificuldade em cultuar amigos reside na premissa que mostra os entraves para que se combinem “a liberdade do espírito com a partilha da alegria”. Coisas da vida moderna, muitos daqueles jovens, hoje maduros, profissionais, muitos aposentados, se distanciaram. E o lapso temporal se materializou em quilômetros, que, contudo, não se medem pelo deus grego kronos. Pelo contrário, graças às virtudes da memória, o tempo se anula e a distância se apaga.

Pois bem, todo este libelo introdutório serve para dizer que graças ao WhatsApp e à iniciativa de dois baluartes sonhadores, aos poucos fomos nos encontrando no espaço da virtualidade eletrônica. E fomos nos reconhecendo em soma volumosa. Um a um, os velhos meninos e meninas, os antigos jovens, foram se reapresentando. Uns fisicamente mais longe, outros sempre próximos, afetivamente juntos todos, íamos reinventando nossas histórias. Postos profissionais foram dando forma aos destinos desenhados por cada qual, e, na mesma ordem casamentos foram tecidos, famílias multiplicadas, vicissitudes se expuseram, muitos mortos foram chorados. Sobretudo, porém no cenário dos dias brasileiros vividos, nossas diferenças políticas se mostraram. Foi o grande teste para a garantia da solidez dos propósitos de reencontro. Uns me surpreenderam, pois imaginava que o ímpeto da juventude os faria mais progressistas. Outros me deixaram perplexo pela fúria com que abraçaram causas que se me afiguram conservadoras demais. Temi ficar sozinho e apenas me recreei com laivos de uns poucos que não me fizeram sentir o total isolamento de ser o “Velhinho de Taubaté”. É lógico que houve momento de desatino – fui até chamado de “intelectual equivocado” – mas provou-se que as amizades feitas antes dos 30 anos são solidadas. Provou-se também o suposto de Nietzsche, que demonstra a liberdade como condição que se combina com a alegria. Moral da história: continuo cidadão dos lugares amados, de todos, mas o sou mais de Taubaté, pois é lá que estão os amigos de sempre. Mais: entendi o que significa diferença na identidade. 

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