Nosso
historiador-cronista questiona o uso nacionalista de eventos como Olimpíadas e
exemplifica com letras de canções que, desde a época da ditadura, cumprem
objetivos, digamos, não tão nobres.
OLIMPÍADA,
MANIPULAÇÃO ESPORTIVA E ALIENAÇÃO POLÍTICA.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Quando
da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, um mundo de novidades chamou minha atenção.
Detalhes regionais de cada país, idiossincrasias culturais, exotismos
peculiares dos jogadores, enfim, uma série de novidades exóticas se apossou do
imaginário coletivo. Como qualquer cidadão, coloquei meus pressupostos em
questão e me abri a aprendizados, alguns interessantes, outros bizarros. Um
deles, talvez o mais curioso, se remete a uma questão de tola aparência: o teor
dos hinos nacionais cantados nas aberturas. De tal maneira isso me alarmou que
arrolei alguns fundamentos de mensagens, contidas nas letras. Todos sem exceção
– como aliás, o nosso próprio hino nacional – falam da iminência de uma guerra
como se ela fosse estalar amanhã, logo cedo. E dizeres ufanistas –
inapropriados mesmo – falam de lutas sangrentas, guerras com inimigos
perversos, agentes implacáveis destruidores da paz e harmonia cultivadas na
intimidade da pacatez dos lares. Em coerência com a cadência marcial, as letras
consagram o vigor nacionalista e patriota, sempre idealizados. É claro que
apoiei explicações no contexto da lógica do século XIX, ocasião em que os tais
hinos foram gestados, postos na ordem do dia e propalados na oficialidade
conveniente aos estados nacionais. Sem dúvida, hoje seria obsoleto dizer algo
como “ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil” ou “dos grilhões que nos
forjavam, a perfídia, astuto ardil”. É lógico que a noção de liberdade no mundo
globalizado não está mais ligada ao vínculo coercitivo físico, e sim moral.
Portanto, a liberdade hoje tem outros protocolos que não o julgo armado.
Mas,
não são apenas as canções (digamos) oficiais que me atraem. Pelo contrário,
elas servem de impulso para outras legendas. Sinceramente, fico muito
preocupado com os usos de eventos mostrados pelas diferentes mídias, em escala
global. As “Olimpíadas”, por exemplo, me assustam frente aos significados que
podem adquirir. É lógico que no cosmo capitalista tudo vira mercadoria, mas não
é só isso, não. Desdobramentos como turismo, comércio de produtos relativos à
divulgação do evento, mesmo as legítimas disputas com medalhas servem de propaganda
dos países representados planetariamente. Sim, preside um caráter ideológico
nesse evento. Não que o esporte deixe de existir, mas a noção de “melhor do
mundo”, quase sempre, se faz passível de críticas. Objetivamente, falo dos usos
ideológicos do magnífico espetáculo. É exatamente aí que entra a crítica às
“musiquinhas” que se remetem ao assunto. Lembremos que durante os anos ferrados
da ditadura, na Copa de 1970, a voga era cantada em estrofes do famigerado “Pra
frente Brasil” como se “De repente/ é aquela corrente pra frente/ Parece que
todo o Brasil deu a mão/ Todos ligados na mesma emoção/ Tudo é um só coração!”.
Aliás, vale lembrar também que a empolgante “Eu te amo meu Brasil” da dupla Dom
e Ravel transpôs o tom esportivo e se tornou uma espécie de hino da ditadura.
Não resta dúvida que Olimpíada é uma expressão
também política. Basta lembrar, por exemplo que o próprio idealizador da versão
moderna dos velhos jogos, Barão de Coubertin, pretendia unir os povos pelo
esporte. É sob esta chave que se coloca em questão a musiquinha proposta para a
nova temporada olímpica, brasileira. Três figuras aparentemente desconexas se
juntaram para gravar o “Se liga aê”. Baby do Brasil, Sergio Mendes e Rogério
Faustino dão ritmo acelerado às seguintes palavras “É se liga aê/ sou
brasileiro e no balanço vou dizer/ É, se liga aê/ sou brasileiro e no balanço
abro os braços pra você”. Pronto: resta pensar em como nos posicionaremos entre
a alegria do esporte campeão e o uso ideológico da festa. É claro que vou
entoar o “Aê”, mas tomara que o eco não me deixe esquecer que vivemos um tempo
golpeado por injustiças implacáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário