Enjoado/Enojado com o noticiário atual, nosso historiador-cronista tenta se esconder no quarto de um poeta muito famoso.
EU NO QUARTO DE FERNANDO PESSOA.
EU NO QUARTO DE FERNANDO PESSOA.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Andava
meio perplexo com a avalanche de más notícias que insistem em saltar dos
noticiários. Como tantos, estou farto de saber das “novidades” que frequentam
conversas, enlutam encontros, maltratam nosso dia a dia. De todos os cantos se
somam tragédias que mais do que aborrecer convidam ao desencanto. Como suportar
os bombardeios da interminável guerra síria, com incontáveis mortes de civis;
fotos de crianças mortas em situação de abandono; de que maneira devemos nos
portar com coleções de toscos barcos afundados no Mediterrâneo que diariamente
engole refugiados norte-africanos? E não é só alhures que tais eventos
envenenam nosso viver, mostrando o destempero do mundo. Em nossa terra, como
aceitar o fato de meninas violentadas por tantos rapazes que, ainda, as culpam;
e a louca montanha-russa dos acontecimentos políticos que em ritmo alucinante
dispara um escândalo depois de outro promovendo a descrença absoluta na
política; o ódio sendo incendiado contra partidos políticos que apesar das
acusações são muito iguais? E o desemprego, as drogas, o tráfego de pessoas?
Nossa, quanta coisa a chorar! É visível a tristeza que faz nosso cotidiano e
nos convida a pensar na inviabilidade de futuro melhor. Meu Deus, quanta
tristeza...
Frente a tudo isso, mediante o ciclone de
desgraças que se materializa em jornais, sinceramente, estou aprendendo a ler
notícias de outra forma. Antes, esfomeado por detalhes, investia tempo em
informações e gastava horas em minúcias. Mesmo sabendo de tendências dos órgãos
noticiosos, me detinha por horas e ia página por página. Atualmente, vejo
manchetes, me detenho aqui ou ali, com velocidade confiro continuidades de
fatos que se desdobram, e, apenas dou-me à leitura de um ou outro comentarista
de que gosto. Como se fora vingança contra o cotidiano que nos implica e
arrasta para o fundo de um poço sujo, comecei a dar maior atenção a fatos que
antes passariam sem tantos cuidados. Foi assim, aliás, que cheguei a uma nota
que me permitiu viajar por possíveis situações. Li que um site chamado Airbnb
anunciou um quarto para alugar. A notícia seria desprezível se o tal cômodo não
tivesse sido do poeta português Fernando Pessoa, no adorável Largo do Carmo em
Lisboa, Portugal. Segundo o informe, o enigmático bardo teria residido lá por
quatro anos. Diz o aviso que “o ambiente tem decoração que remete ao início do
século XX, com máquina de escrever, mobiliário da época, malas antigas nas
paredes e um chapéu igual ao usado pelo poeta”, e, de forma trivial a nota
arrematava “A diária na alta temporada, está em R$ 340”. Não diria que fiquei
tentado. Não. Até porque acho que algumas ilusões devem se manter na
imaginação, aprendi que às vezes é melhor manter o sonho do que colocar em
prática uma situação que o desminta. Mas, dei asas à fantasia. Envolto nessa
atmosfera foi que me lembrei de um poema decorado quando ainda menino e que de
quando em vez reponta no meu cotidiano: “Tenho tanto sentimento/ Que é
frequente persuadir-me/ De que sou sentimental/ Mas reconheço, ao medir-me/ Que
tudo isso é pensamento/ Que não senti afinal/ Temos, todos que vivemos/ Uma
vida que é vivida/ E outra vida que é pensada/ E a única vida que temos/ É essa
que é dividida/ Entre a verdadeira e a errada”. Pois é, por certo não vou
alugar o quarto de Fernando Pessoa. Nem preciso. Há muito dele que habita em
mim e nem cobra aluguel.
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