quinta-feira, 16 de junho de 2016

TELONA QUENTE 163

Roberto Rillo Bíscaro

Nos anos 80, muita gente aprendeu onde ficava a Etiópia, porque astros pop britânicos e norte-americanos gravaram canções em prol das vítimas da fome no país africano. Não lembro se o vizinho Sudão entrou nos holofotes jovens, mas uma guerra civil que se prolongaria por anos eclodiu, gerando altas matanças e êxodo maciço. Refugiados caminharam milhares de quilômetros até campos no Quênia, onde muitos permaneceram anos a fio.
Em 2000, os EUA concederam asilo a uma porção deles, cognominados Os Garotos Perdidos do Sudão. O eficiente The Good Lie (2014) aproveitou esse mote pra narrar uma história de sobrevivência, superação, trauma e gratidão, com atores principais que viveram as situações descritas ou são parentes de quem experimentou tanto sofrimento. Ter feito a longa travessia na savana africana, cheia de animais famintos, rios onde flutuavam cadáveres e soldados implacáveis confere muita força a interpretações não necessariamente profissionais. Esse é um dos trunfos de The Good Lie; inclusivo, mas sem prejudicar a qualidade artística/comercial.
São 2 partes bem distintas, mas que prendem a atenção por diferentes motivos. Na primeira, o ataque fulminante à aldeia, que deixa o grupo de crianças perambulando ao léu numa vastidão hostil em mais de um sentido. Na segunda, a adaptação (ou não) aos diametralmente opostos Estados Unidos. Choques culturais explorados com humor simples e o bom mocismo contagiante pra alguns estadunidenses antes preocupados apenas consigo mesmos, que sequer sabiam se os jovens eram da Somália, Senegal ou Sudão. Não há rasgos de originalidade, mas isso nunca foi o interesse do roteiro mais crônica da coprodução EUA-Quênia-Índia, dirigida pelo canadense Philippe Falardeau e lançado em DVD no Brasil com o nome A Grande Mentira (parece, não vi nesse formato).
A mentira fica por conta dum ato de gratidão no final, conceito preparado pro espectador numa cena de escola noturna, onde discute-se As Aventuras de Huckleberry Finn, mais de uma vez definido como o “grande romance da democracia norte-americana”.
Correto, pertinente e feito pra que nos sintamos bem, The Good Lie é acessível e prato cheio prum trabalho escolar multidisciplinar, de onde professores de Geografia, História, Filosofia, Sociologia, Biologia, Artes, Inglês e talvez até de exatas (nunca a minha praia, daí nem imagino como) podem tirar temas pra aulas e discussões.
Se casado com Hotel Ruanda e Difret, por exemplo, daria excelente miniciclo de discussões africanas, pra começar a minimizar nosso descaso pra com o continente (inclusive deste blog, que o enfoca mais quando o assunto é matança de albinos).

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