Em 2008, o Brasil se chocou com o assassinato da pequena Isabella Nardoni, arremessada da janela de um edifício pelo próprio pai. Ana Carolina, mãe da pequena, recentemente teve um filho e conta como superou o trauma tão imenso de perder uma filha e como uma vida nova se redesenhou em seu horizonte.
domingo, 31 de julho de 2016
sábado, 30 de julho de 2016
ALBINO GOURMET 208
O goji é uma fruta originária da China, Tibete e Índia, onde é consumida há séculos. Por aqui virou moda há algum tempo, porque dizem que ajuda a emagrecer. Milagre não faz, mas receitas saborosas podem ser feitas com a fruta. Aprenda sobre e confira receitas:
sexta-feira, 29 de julho de 2016
PRÓ-ALBINO PANAMENHO
Criado Programa Oftalmológico Para Albinos no Panamá
(Tradução de Roberto Rillo Bíscaro)
Os
oftalmologistas Rebecca Coakley e Charles Moore, do Instituto de Olhos
de West Virginia University, nos Estados Unidos, atendieram à população albina
panamenha.
A saúde
visual e da pele de cerca de 100 albinos do Panamá
foi atendida por especialistas internacionais e locais. A oftalmologista estadunidense Rebecca
Coakley, especialista em reabilitação da visão, voluntariou
seus serviços no Panamá como parte de uma iniciativa que surgiu nos Prêmios
Internacionais de Responsabilidade Social em Dermatologia “Caring to Inspire Skin Confidence” da
L’Oréal, vencido pela dermatologista panamenha Gioconda Gaudiano, em 2015.
Gaudiano educa a população albina da comarca
de Guna Yala, sobre o perigo da exposição
à radiação UV na
pele. Desde 2009, o projeto “ Filhos da Lua” ( Os albinos de Guna Yala) foi adotado pelo
Rotary Club do Panamá, do qual
Gaudiano faz parte.
Coakley é a diretora do Programa
de Reabilitação Visual Infantil do Instituto de Olhos de West Virginia
University, onde é professora adjunta. Com sua visita, estabeleceu-se
no Panamá um programa de reabilitação visual em pessoas com albinismo, seguindo
o modelo elaborado por Coakley.
“O programa que ela dirige é líder nos
Estados Unidos e o modelo é seguido em outros estados norte-americanos e países
como Canadá, Egito e agora o Panamá”, diz Gaudiano.
Coakley, com seu esposo, o oftalmologista Charles Moore (diretor médico do Instituto de Olhos
de West Virginia University, onde también leciona), ofereceram consultas à
população albina na Cidade do Panamá e em Guna Yala. Eles realizaram avaliações
oculares completas em pacientes albinos. Gaudiano avaliou suas peles, removeu
cânceres, deu palestras sobre proteção solar e distribuiu sombrinhas e
protetores solares.
“Os albinos têm visão muito baixa, o que lhes
dificulta a leitura, consequentemente afetando seu processo de aprendizagem.
Nas ilhas de Guna Yala não têm acesso a exames de visão, nem a óculos. O câncer
de pele é muito comum na área das pálpebras e olhos”, comenta Gaudiano.
quinta-feira, 28 de julho de 2016
PROFANAÇÃO
Cadáver de albino exumado e extraído braços e pernas na Zambézia
Dois cidadãos encontram-se a contas com a Polícia da República de Moçambique (PRM) na Zambézia, acusados de exumação do corpo de uma pessoa albina, que tinha sido enterrada há duas semanas, e do qual extraíram os membros superiores e inferiores para venda.
A vítima tinha sido enterrada num cemitério da localidade de Muepele, no distrito de Namacura. Um dos indiciados, identificado pelo Faqueire Rafique, contou que a exumação aconteceu numa noite.
“Fomos até ao cemitério e encontrámos lá dois homens, entrámos e desenterrámos o caixão e cortámos os braços e as pernas”, relatou o cidadão, segundo o qual o corpo do malogrado, ainda ligado à cabeça, foi abandonado no local, alegadamente porque o mandante só queria os membros inferiores e superiores.
Faqueire Rafique não revelou a identidade do presumível instigador deste acto macabro nem os detalhes sobre o negócio, mas disse que as partes extraídas do cadáver seriam comercializados a dois milhões de meticais. Este valor seria repartido por três elementos, dos quais um ainda não foi localizado.
O outro indivíduo, também enclausurado no Comando Distrital da PRM em Namacura, negou as acusações que pesam sobre si e declarou que foi detido porque Rafique mencionou o seu nome à Polícia, apontando-o como seu comparsa.
De há tempos a esta parte, a província da Zambézia tem sido – a par de Nampula, Cabo Delgado, Niassa e Tete – palco de atrocidades contra pessoas com problemas de pigmentação na pele. O caso mais recente deu-se na localidade de Chitambo, no distrito de Milange, envolvendo uma criança do sexo masculino, de quatro anos de idade, a qual escapou de um presumível rapto que seria protagonizado por cinco indivíduos ora a contas com as autoridades.
Ao que tudo indica, os julgamentos e condenações que têm tido lugar em algumas províncias do país não são suficientes para dissuadirem os malefícios protagonizados por aqueles que olham os albinos como uma oportunidade de negócio, o que é um claro atentado contra os direitos humanos.
TELONA QUENTE 169
Roberto Rillo Bíscaro
Enquanto (re)lia David Copperfield, assisti a quantas
adaptações pude, a fim de elaborar um dossiê, como fizera com Um Conto de Natal. Embora só tenha conseguido uma pra cine, resolvi colocar no marcador
Telona Quente, porque o de TV já tem fila longa esperando postagem, então,
sejamos práticos, porque no fundo o que conta é o conteúdo.
Ordenei os filmes por ordem cronológica, não na assistida
e também não clamo que a lista seja completa; vi o que consegui achar. No
Youtube tem até minissérie italiana dos anos 60 relendo a história, então devo
ter passado batida alguma releitura.
A versão norte-americana,
de 1935, produzida por David O. Selznick (d’E O Vento Levou) e dirigida por
George Cukor, tem o pedigree e aspecto vintage
exigidos por certos cinéfilos. Além dos históricos nomes citados, o elenco
contou com W. C. Fields, Lionel Barrymore e Maureen O’Sullivan. Essa galeria
certamente rejubila a galera do “antigamente é que se fazia filme bom”. À
primeira vista, a adaptação mostra profundo respeito com o livro, usando
trechos e até fazendo a narrativa fílmica nascer a partir da primeira página do
romance, o que na verdade era muito comum numa época em que o cinema ainda era
visto como inferior à literatura. Mas, pra quem jamais lerá o texto
dickensiano, essa película aleija a trama, como mudar o local onde David e Dora
se conhecem. Não que eu meça a qualidade duma adaptação a partir duma vulgar
noção de “fidelidade aos fatos”, mas pra conhecer a essência do romance, fica a
desejar. Outro desabono é a melodramaticidade das atuações, mas isso não é
deslize: há 80 anos os gostos tinham que ser distintos. Sabendo disso, se
jogue, é muito legal ver filme bom em branco e preto, atentar para convenções
caídas em desuso, imaginar soluções cênicas pruma época tão mais difícil do que
filmar do que agora. Ah, e aquelas trilhas-sonoras que amo de paixão!
Em
1969, coprodução anglo-americana pra TV trouxe um David Copperfield atormentado
numa praia relembrando seu passado. A melhor coisa dessa versão é a linda
canção de abertura, porque o filme é episódico demais, parece não haver unidade
e isso dificulta empatia. Interessante o roteiro parear Dora Spenlow com Clara
Copperfield, explicitando todo o edipianismo do primeiro casamento de David. Ao
adicionar Steerforth à lista de admirações errôneas por parte do protagonista,
privilegia-se a fortaleza acima de tudo, num momento spenceriano meio de arrepiar.
Pra quem curte a nata tespiana britânica da estirpe dos Richardsons e
Redgraves, com Laurence Olivier e Richard Attemborough no tempero, essa
adaptação é prato cheio, ainda que de vez em quando eles esqueçam que o veículo
é a telinha e estejam grandes demais.
Uma
das lembranças do final dos 80’s ou início dos 90’s é assistir às adaptações
das obras de Dickens, em desenho animado, pela paulista TV Cultura, nas noites
de domingo (acho). O traço, trilha sonora e a dublagem tornavam-nas bastante
lúgubres. Nesse vasculhar, descobri que se tratam de animações da Burbank Films
Australia, que entre 82 e 89 animou diversos clássicos, exibidos em TVs ao
redor do globo ou lançados diretamente em vídeo. David Copperfield é de 1983 e
desta vez vi em inglês. Não bastasse a melancolia inerente à produção, some a
velhice e baixa qualidade de som e imagem e tudo fica mais tristonho ainda, mas
mesmo assim – ou por isso mesmo – gostei bastante. Essas animações são bastante
adultas, não há muitas concessões infantilizantes por ser desenho. Por isso,
não entendo porque edulcoraram a fuga de David a Dover. Ao invés de mostrar o
que o menino sofreu caminhando mais de 70 milhas, fizeram-no pegar carona numa
carroça de feno, onde dormiu tranquilamente. Não tem como – nem porquê – enfiar
todo o livro nas adaptações, então pra quem não quer ler, o ideal seria pegar
umas 2 ou 3 mais fidedignas e ir completando lacunas. Esta animação seria uma
das escolhidas, porque mostra até o marido de Betsy Trotwood, embora não
entenda a razão, se não acrescenta nada ao roteiro.
Em
1993, outra abordagem em animação feita pela ianque NBC pra exibir no Natal.
Depois o musical infelizmente ganhou o mundo via DVD. Nada contra usar
elementos duma história pra desenvolver outra, mas este desenho chama-se David
Copperfield sem contar sua trajetória, apenas pega David e algumas personagens
e torna a história a luta entre ele e Mr. Murdstone como dono déspota duma
fábrica. As personagens são animais, tipo Agnes é uma gatinha; acho que os
relacionados a Copperfield são. Nem sei, porque é tão ruim que desisti, mas
antes ficara muito no celular apenas ouvindo. Além disso, trata-se dum musical
com vozes de segundo/terceiro escalão (já pra época) como Sheena Easton e Julian
Lennon e canções péssimas. Não recomendaria nem pra quem não gosto.
Pra
quem quer a trama mais detalhada, com atuações mais modernas (e ótimas) e, de
quebra, ver onde Daniel Radcliffe começou, a pedida é a adaptação em 2 partes
da BBC, de 1999. O futuro Harry Potter faz o sofredor Copperfield mirim, junto
com elenco que inclui Maggie Smith e o finado Bob Hoskins, como Mr. Micawber.
Sempre amei Hoskins, mas prefiro o Micawber de W. C. Fields. Curioso como às
vésperas do fim do mundo causado pelo bug do milênio, o roteiro dourou muito a
pílula sobre o alcoolismo de Mr. Wickfield. Por isso sou fã de soap, já em 1978 Sue Ellen Ewing rolava
a escada grávida e bêbada! Decerto maneiraram, porque era Natal. Com tanto
tempo diegético não podiam ter introduzido Mrs Gummidge propriamente? Ela
aparece em 1 ou 2 cenas, assim, do nada. Na versão de 1935, é introduzida, ao
passo que coisas bem mais importantes, não.
Em 2000, versão pra TV coproduzida por EUA e Irlanda foi ao ar pelo canal TNT, em dezembro. No hemisfério norte, Natal combina com Dickens. São quase 3 horas, que não tomam grandes liberdades com o livro, a não ser numa vingança que Copperfield enceta sobre Mr. Murdstone, que não existe no romance e, na verdade, reposiciona toda a narrativa autobiográfica. É como se Copperfield tivesse escrito sua história como vingança ou purgação de Mr. Murdstone e sabemos que é mais do que isso. Se não existisse a versão da BBC eu até recomendaria, mas não dá pra comparar Dame Maggie Smith com Sally Field, faça-me o favor.
quarta-feira, 27 de julho de 2016
CONTANDO A VIDA 156
Numa demonstração de contemporânea multidisciplinaridade, nosso historiador-cronista une o poeta Gregório de Matos, novela global, Maria Bethânia e mitologia grega. Saiba como lendo a crônica de hoje:
MORTAL
LOUCURA: POEMA, MÚSICA, NOVELA E
CRÍTICA.
José Carlos Sebe Bom Meihy
O filósofo e ensaísta
Marcos Tavares d’Amaral escreveu inspirado artigo, publicado recentemente n’O
Globo. O tema é comentário do poema “Mortal Loucura”, escrito por Gregório de
Matos, na turbulenta Bahia, no século XVII. O poeta abrasileirado, também
conhecido como “Boca do Inferno”, além de severo crítico da igreja e dos
costumes, apologista que foi dos poemas eróticos mais expressivos da língua
portuguesa, não poupou a sociedade em geral. E tudo feito com engenho e arte,
de tal forma que a evocação da mitologia grega reverberou como eco ferino,
oportuno, coerente com o dizer barroco. Verseja o poema “Na oração, que
desaterra… a terra/ Quer Deus que a quem está o cuidado… dado/ Pregue que a
vida é emprestado… estado/ Mistérios mil que desenterra… enterra/ Quem não
cuida de si, que é terra… erra/ Que o alto Rei, por afamado… amado/ É quem lhe
assiste ao desvelado… lado/ Da morte ao ar não desaferra… aferra/ Quem do mundo
a mortal loucura… cura/ A vontade de Deus sagrada… agrada/ Firmar-lhe a vida em
atadura… dura/ O voz zelosa, que dobrada… brada/ Já sei que a flor da
formosura… usura/ será no fim dessa jornada… nada”. A par da sofisticação argumentativa
que a um tempo demonstra refinado domínio do vernáculo e ácida picardia, o
verso cresce provocando ironia e chasco. E quanta graça!...
Sempre admirado, o soneto
figura em antologias e libelos exaltativos do melhor uso da norma culta. De tal
quilate é o fulgor de “Mortal Loucura” que José Miguel Wisnick, músico de mão
cheia e crítico literário dos mais expressivos da nossa cultura, musicou de
forma plena, transformando o soneto em canção. Até parece que os dois estavam
em um só quando o som musical se juntou às ferinas palavras. Tudo fica exposto
e se presta a ser comprovado agora na novela “Velho Chico” do surpreendente
Benedito Ruy Barbosa. Supostamente transcorrida na Bahia, com a nordestina voz
de Maria Bethânia preenchendo silêncios, como se fosse lamúria antiga, solta o
poema/canto que integrou ao enredo do folhetim. E como eco de mensagem que
precisa ser dita, o velho soneto virou canção que virou tema de novela, onde o
eco do amor imorredouro se repete em corações, de uma geração a outra. Ecos de
ecos!...
Em se falando de ecos, por ironia, foi o italiano
ensaísta Umberto Eco quem definiu que toda obra colocada à público “é aberta”,
isto é, sugere interpretações que escapam do limite intencional dos autores. A
recepção pública, portanto, passou a ressignificar enunciados que, no caso,
evocam a lenda mitológica grega, da ninfa Eco, amaldiçoada por Hera, mulher de
Zeus. Segundo aquela tradição, a ninfa de inigualável voz e amante da natureza,
tentava com demais ninfas, entreter o maior dos deuses, Zeus, que fugia da
vigilância de Hera. Certa feita, a desconfiada esposa resolveu surpreender o esposo
em suas andanças escusas. Para proteger as colegas, Eco que se apartara do
grupo, buscou espairecer a enfurecida deusa. Logo descoberta, como castigo Hera
amaldiçoou Eco que nunca mais poderia começar nenhuma conversa, apenas repetir
as últimas palavras. Destino cruel o da ninfa desgraçada que então passou a
pairar mundo afora sempre repetindo palavras de fim.
Todo enredo que amarra poema, canção, lenda
novela fica ainda mais excitante quando pensamos que tudo pode acontecer sem
que muitos tomem consciência da beleza da memória requalificada no presente. Avesso
disso, muitas pessoas podem apenas gostar de resultados sem necessariamente se
deter nos enredos que nutrem visões preocupadas com a história. Nesses casos,
como ecos, o aplauso desarmado de expectadores apenas serve para ecoar enredos
que entoaram em outras plagas. Aliás, o próprio Gregório de Matos previa isso
ao dizer “O voz zelosa, que dobrada… brada/ Já sei que a flor
da formosura… usura/ será no fim dessa jornada… nada”. Nada!...
terça-feira, 26 de julho de 2016
TELINHA QUENTE 222
Roberto Rillo Bíscaro
Durante a Segunda Guerra Mundial, a mansão rural
Bletchley Park, no condado de Buckinghamshire, serviu de QG prum grupo
altamente intelectualizado e especializado, cuja função era decifrar mensagens
em código circulantes entre as potências inimigas, leia-se Alemanha. A
Government Code & Cypher School quebrou vários códigos nazistas e pode ter
abreviado a duração do conflito, por ter frustrado mais de um nefasto plano
hitlerista.
A ITV aproveitou esse mote pra criar The Bletchley
Circle, que teve 2 temporadas (2012-14) e sete episódios. Ambientada entre
1952-3, a série adicionou outro elemento a esse chão histórico pra criar
diferencial no amplo universo dos detetives amadores, que na Inglaterra tem
como uma de suas ancestrais mais ilustres Miss Marple, de Agatha Christie. Com
a ida de enorme contingente masculino pros campos de batalha, a mulherada teve
que sair de casa e pegar no batente em fábricas, escritórios e um sem-número de
atividades. Até a então Princesa Elizabeth foi mecânica e motorista de caminhão
(embora não possua carteira de motorista, porque ela não é obrigada!). Quando
os homens retornaram pra casa, as mulheres também, porque os postos de trabalho
voltaram pra eles.
The Bletchley Circle tem como protagonistas 4
ex-decifradoras de códigos, que, entediadas com o papel de rainha do lar nos
Anos Dourados (SIC) decidem usar seus dotes de lógica, memória fotográfica,
poliglotismo pra investigar casos que a Scotland Yard não dá conta.
Capitaneadas por Susan Gray, na primeira temporada investigam assassino serial
que poderia estar atuando há anos sem que a polícia percebesse que casos
aparentemente isolados e resolvidos eram obra de homem só.
Esses 3 episódios iniciais são os que valem mais ver,
porque a história assume contornos sombrios de necrofilia e loucura, além de
mostrar como as mulheres passaram de protagonistas – mesmo que em segredo – em
parte dos anos 40 e nos 50’s encontravam-se desvalorizadas, em relacionamentos
abusivos ou simplesmente entediadas até as unhas com a subserviência a maridão
e filhinhos.
A segunda temporada tem 2
histórias em 4 episódios, mas a saída de Susan – interpretada por Anna Maxwell
Martin, a Miss Summerson, de Bleak House e a Mary Shelley, de The Frankenstein Chronicles – extrai parte do charme, embora o segundo caso traga trama de
garotas do então comunista leste europeu sendo contrabandeadas pra Inglaterra.
Depois de ter lido Prostituição à Brasileira e assistido à belga Matrioshki,
interessei-me mais sobre o tema. Bora pesquisar se na época da Guerra Fria esse
comércio já era relevante.
segunda-feira, 25 de julho de 2016
CAIXA DE MÚSICA 228
Roberto Rillo Bíscaro
Kandace Springs é da geração despontada no rastro de
pólvora da internet. Filha dum produtor musical da não apenas sertaneja
Nashville, a jovem jogou vídeos online e foi convidada pra talk shows importantes, jam
session na casa de Daryl Hall, gravou EP com produtor badalado e acabou na
mansão-estúdio do finado Prince, pra tocar na comemoração dos 30 anos de Purple
Rain. Foi aí que o gênio baixinho de Minneapolis deu-lhe o conselho faltante:
seja você mesma. Parece óbvio, mas era o que Kandace necessitava ouvir. Pra seu
álbum de estreia, Soul Eyes, lançado há um par de semanas, a ex-guardadora de
carros deixou a electronica do hip
hop e concentrou-se em suas raízes soul, R’n’B e jazz.
Está quase tudo devidamente popificado pra tocar em FMs
de coroas e muitas faixas nos fazem pensar que já ouvimos aquilo antes. Tente
delicinhas easy listening como Talk
To Me, Place to Hide e Thought It Would Be Easier; não importa se a matriz é
jazz ou soul, mas existe aquele reconforto de se sentir em território familiar.
Isso funciona em outro nível: diversas canções são regravações, mas isso deixo
à descoberta do leitor-detetive.
Soul Eyes é jazz esfumaçado com vozeirão Nina Simone e fica
ainda mais chiquérrima quando entra o trompete de Terence Blanchard, que volta
na igualmente classuda Too Good To Last. Leavin’ é balada gospel com coro e
tudo. Neither Old Nor Young é perfeita pra sacar o potencial da voz de Kandace,
porque o arranjo é discreto (já ouvi algo do Spyro Gyra com a Basia que lembra
isso?). Também é ótima pra mencionar que o ouvinte deve prestar bastante ao
criativo piano ao longo de Soul Eyes, tocado pela própria Kandace. Novocaine
Heart é pra ouvir patinando; que fofura a melodia mid-tempo com percussão de sambinha-canção.
Kandace Springs ainda está
buscando seu nicho, mas Soul Eyes estreia bastante bem e pode agradar desde fãs
de Burt Bacharach, passando pelos da New Bossa oitentista do Style Council e
Everything But The Girl até a geração Norah Jones. O potencial e qualidade de
Springs são tantos que a gravadora que a contratou é a Blue Note, a mesma de
Gregory Porter, com o qual faz shows, inclusive. Mundo pequeno, grandes talentos.
domingo, 24 de julho de 2016
TRANCADOS
A
Comovente História da Família de Albinos que Vive Trancada em Porto Rico
Alejandro Millán
Valencia
(Tradução: Roberto
Rillo Bíscaro)
Para a família Nieves Nieves, o exterior, a ideia
de lado de fora é como um mar de lava pelo qual poucas vezes se aventuram.
O brilho do sol tem o
mesmo efeito de um lança-chamas sobre suas peles e não conseguem ver mais que
sombras a 20 metros de distância. Todos têm a Síndrome de Hermansky-Pudlak
(HPS), estranho tipo de albinismo que produz despigmentação em vários órgãos do
corpo e nesta região de Porto Rico apresenta-se com prevalência maior que em
qualquer parte do planeta. Devido a isso, Miguel, o pai; Rita, a mãe e Alejandro,
Mayra e Reinaldo, os filhos - todos albinos - são como prisioneiros em sua própria
casa.
Seu refúgio de ermitões - no município de
Aguadilla, a 90 km a oeste da capital, San Juan de Puerto Rico - é um sobrado
verde adornada com poucas coisas: um quadro enorme do Sagrado Coração de Jesus
e retratos familiares. Nas camas não há lençóis e na sala, apenas um sofá onde
ninguém senta. Essa austeridade tem um sentido: a ausência de objetos serve
para que a brisa marinha passe sem problemas desde o quintal plantado com
plátanos, até o terraço rodeado de palmeiras.
É sentado ali, sem camisa, escutando a salsa de Maelo
Rivera no rádio, coberto por pelos prateados, que contrastam com as manchas
escuras que cobrem a totalidade de suas mãos e pescoço, que Miguel Nieves
Vázquez aproveita o frescor da aragem.
“Faz 30 anos que não vou à praia”, confidenciou-me.
“Não me interessa mais”. O Oceano Atlântico está a apenas 1.500 metros de sua
casa. Algumas vezes, quando há suficiente silêncio, escutam-se as ondas golpeando
contra as rochas.
Legalmente Cegos
O ser humano pisca cerca de dez vezes por minuto. É
um movimento rápido, quase imperceptível, que nos deixa às escuras por 400
milésimas de segundo. No caso de Reinaldo, caçula de Miguel y Rita, acontece o
contrário: seu mundo se mantém na penumbra quase o tempo todo e suas pálpebras
se abrem poucas vezes durante um minuto, para poder ver.
Essa limitação é apenas o princípio de seu isolamento.
Além de machucar sua pele rosada, o reflexo do sol não encontra nenhum filtro quando
atravessa o cristal de seus olhos. A íris é transparente como vidro e a luz passa
diretamente até a retina. É como se visse a claridade de um espelho diretamente
nos olhos, cada vez que os abre.
O oftalmologista Natalio Izquierdo Encarnación é um
respeitado médico porto-riquenho – e um dos homens mais altos que vi. Sentados
em seu consultório ao sul de San Juan, com um modelo de olho feito de acrílico,
ele explica que o processo de despigmentação dos pacientes com HPS não só se apresenta
na pele e cabelo, como vemos nas fotos em revistas científicas, mas também na íris
e na retina, por isso, os níveis de visão em pessoas como Reinaldo e sua família
são muito deficitários. “A maioria são considerados legalmente cegos”, afirma.
Um carro sem motorista
Reinaldo é legalmente cego e isso tem prós e
contras. A favor: recebe auxílios do governo, como por exemplo, para comprar um
carro. Contra: não pode dirigir.
Em um país onde o transporte público está longe de
ser exemplar - além de estar ameaçado seriamente pela crise econômica que a
ilha atravessa – o automóvel é quase a única maneira de locomover-se. “Sempre
preciso que alguém dirija”, conta Reinaldo, proprietário de um Toyota Yaris,
modelo 2012, comprado com o auxílio do governo federal. “Sempre” é toda sexta,
quando tem que buscar a filha Génesis no município de Arecibo –a 52 km de
Aguadilla - porque não pode viajar até San Juan, onde a menina vive desde que
Reinaldo e sua mãe se separaram. Sua ex-mulher viaja de San Juan à Arecibo,
onde termina a rodovia, e entrega a garota ao pai. No domingo, a história se
repete, ao contrário. “Como poderia pagar um chofer para ir e voltar a San
Juan, duas vezes por semana, totalizando quatro horas?” reclama Reinaldo. “Amigos podem te fazer um favor, uma, duas
vezes, mas toda semana tenho que juntar uns trocados e dar para alguém ir
buscá-la em Arecibo".
O resto da semana, o carro descansa na garagem da
casa. "A última vez que fui a San Juan faz sete
anos, para resolver um problema de meu irmão Alejandro", relata,
enquanto Génesis, de 3 anos e tão morena quanto Reinaldo é translúcido, o abraça
pelo pescoço, seu cabelo azeviche sobre a pele rosada de seu pai.
Efeito fundador
mutante
Miguel Nieves Vázquez casou-se com sua prima Rita
Nieves Vázquez há 40 anos, porque viviam na mesma rua e porque ela "era como eu, albina". Foram
morar em Nova York, mas com os primeiros ventos gelados sobre o rio Hudson, a
pele de Rita começou a fragmentar-se e a desprender-se de seus braços. Tiveram
que voltar a Aguadilla, onde Rita possuía um pedaço de terra.
Enquanto Miguel sacrificava-se sob o sol do Caribe trabalhando
como pedreiro, ela escolheu a cozinha como refúgio: desde que se levanta até ir
dormir, por volta das oito da noite, Rita perambula entre caçarolas e colheres
de pau, com una artrite que lhe corrói as mãos, os pés escamosos pelo inchaço, os
olhos fechados pelo albinismo. Ela é a encarregada de decidir como utilizar as
favas descascadas com as netas, o que fazer com o cacho de banana que acaba de
cair no quintal e a que horas preparar as ervilhas.
Albinos
em Porto Rico
Uma das razões pelas quais Porto Rico tem a
prevalência mais alta de albinismo no mundo - e em especial de HPS - é a
endogamia, fruto de sua condição insular. Primos segundos que se casam com
primos segundos. Primos-irmãos que se apaixonam por primos-irmãos.
"Somos uma ilha e famílias da Holanda e Espanha
trouxeram o gene há cinco séculos. Por não ter muito contato com o mundo
exterior, ele se transformou no que hoje estamos vendo; em alguns casos no que se
conhece como HPS", explica Enid Rivera, médica especializada em
hematologia e oncologia da Universidade de Michigan
"Esse fenômeno é conhecido como ‘o efeito
dos fundadores", completa Rivera, que é assessora de governo no
tema albinismo.
Um em cada 2.000 habitantes da ilha é portador do
gene do albinismo. Além da pele clara e da cegueira, a HPS traz consigo duas
características inevitáveis: fibrose pulmonar e hemorragias severas devido à
escassez de plaquetas no sangue. “Há registros de mulheres com HPS, que
morreram por excessiva perda de sangue durante o ciclo menstrual”, conta Rivera.
Óbitos também podem ocorrer no parto. “Reinaldo
nasceu quando eu estava de sete meses e quase morri”, assinala Rita, que se lembra
de tudo e corrige os demais, quando alteram algum fato do relato dos Nieves
Nieves. O óbito quase se deu devido ao sangramento irreprimível. Assim, a morte
é uma emboscada constante: sol, frio, partos, pulmões. Há 30 anos os Nieves se
escondem da morte. Por isso, as únicas aventuras da família são as idas de
Miguel ao jardim para cuidar das bananeiras e os 500 metros que Reinaldo
percorre de bicicleta até seu trabalho como repositor em um supermercado.
Mayra, a única filha - e que vive em una casa que
Miguel construiu no fundo do quintal -, só vai a uma clínica em um povoado
vizinho para levar sua filha que está com bronquite. Por escolha, Rita não sai
nunca. “Para que sair, para que correr perigo?”, indaga Miguel, esbaforido após
uma saída ao quintal.
Pena de morte
O governo de Porto Rico não sabe o número exato de
albinos na ilha. Quando se pergunta em qualquer órgão público, a resposta
negativa é sempre a mesma.
Sabe-se apenas que ano passado nasceram 74
bebês. A Dra. Rivera se atreve a dar uma cifra aproximada baseada em estudos:
uns 800.
Estudando-se os
atestados de óbito, a única certeza que os especialistas têm é que os albinos
da ilha nunca morrem de velhice.
Na casa dos Nieves Nieves a morte ronda também no
peito de cada membro. “Nos últimos meses, tem começado a me faltar ar quando
estou no trabalho", explica Reinaldo.
-E por que não vai ao médico?, pergunto.
Ele sorri.
“Meu pai não conseguiu pagar a previdência social
na época em que trabalhava, devido a suas limitações. Então, ele não recebe
pensão e tenho que ajuda-lo como posso”, lamenta-se Reinaldo. O que ganha, somado
aos auxílios do governo, ele usa para sustentar a filha e seus pais, que recebem
apenas o equivalente a US$128 por mês em tíquetes-alimentação.
Insisto: "Por que não procura um médico?"
Não me responde, porque talvez tema a resposta.
Ivette Vázquez, presidenta do capítulo
porto-riquenho da Fundação Hermansky-Pudlak Syndrome e que trabalha ativamente
com os albinos, conta que se sabe que Reinaldo tem indícios de fibrose
pulmonar.
Quem me esclarece a história é Yeidyly Vergner, respeitada
epidemiologista da Universidade de Porto Rico e que padece de HPS tipo 3
(existem cinco tipos de HPS e pelo menos 14 tipos de albinismo, dos quais sete
se encontram em Porto Rico.): “100% das pessoas que sofrem de HPS tipo 1 (como a
família Nieves Nieves) desenvolvem algum tipo de fibrose pulmonar".
A fibrose ocorre porque o corpo do albino produz uma
substância serosa que se acumula nos pulmões e, depois de um tempo, tira-lhes a
capacidade de expansão. Em Porto Rico isso pode ser uma sentença de morte: a
única cura possível é um transplante de pulmão e não há nenhum local onde isso
seja feito.
Reinaldo talvez saiba disso, ainda que ninguém
tenha lhe confirmado. "Acho
que se até hoje não me aconteceu nada, é capaz que no dia que vá a essa
consulta médica, volte pra casa numa cadeira de rodas", desabafa.
Na escola confusa
Quando volta do hospital, Mayra fala sobre sua
época escolar. "Nos colocavam apelidos, nos agrediam com o que tinham a
mão, porque não nos aceitavam. Mas, sempre havia alguém que nos defendia".
É a temporada de chuva: os germes brotados da terra
úmida infestaram os pulmões de sua filha mais velha, causando-lhe bronquite
severa. Ela só dispõe de alguns minutos para conversar, porque tem que voltar
logo para o centro médico de Aguadilla.
“Conforme crescia, tudo mudou, foi melhorando. Já
não é como antes, mas ainda tem gente que depois de ficar do seu lado, porque
não há outro remédio, se afastam comentando".
Mayra teve que abandonar os estudos mas, ainda que
não me revele o motivo, suspeito que a história de muitos albinos com HPS em Porto
Rico tenha se repetido: escolas com professores que confundiram cegueira com
deficiência cognitiva. Apesar de atualmente existir uma política de inclusão
nas escolas, os albinos que não conseguiram superar os obstáculos no passado,
hoje lamentam a ajuda que não receberam. Mayra não sabe ler e a principal de suas
angustias é não poder ajudar suas filhas nas tarefas da escola e da vida.
"As três se ajudam entre elas.” Seus olhos se
enchem de lágrimas e ela segura a respiração. “São inteligentes como o pai e
não como eu. Não tive educação ou apoio, mas o pouquinho que posso dar, dou”,
diz e perde o fôlego, porque também tem fibrose pulmonar.
Na loja da esquina deste bairro de casas separadas
por gramados imensos, encontro Ricardo Vázquez, um vizinho dos Nieves Nieves, a
quem pergunto sobre eles: se acha que seus vizinhos albinos são estranhos, como
eles mesmos se denominam.
"Olha, eles são um pouco tímidos, só isso. São
a família mais amável da rua. Ademais de viverem aqui mais tempo do que nós”,
responde com um vozeirão que sacude o local.
Um país que não pode
nem perder
Em junho do ano passado, o governador de Porto Rico,
Alejandro García Padilla, declarou ao The New York Times que
a dívida pública da ilha, que ultrapassa 73 milhões de dólares, era "impagável"
e que o "estado livre associado" dos Estados Unidos estava a ponto de
ir à falência. Pouco depois, em meio à histeria da revelação, descobriu-se que
havia pequeno inconveniente: segundo a constituição dos EUA, nenhum estado livre
associado pode declarar-se em bancarrota. "É um
país ao qual não deixam nem perder", me disse a escritora porto-riquenha
Ana Teresa Toro.
Esta encruzilhada legal produziu terremoto político
e social e uma crise que pôs em risco o financiamento de programas-chaves do
governo nas áreas de saúde e educação. “O gasto com saúde beira os 3 milhões de
dólares, o que é bastante dentro do orçamento da ilha, mas corre risco de ser
reduzido severamente", explica Rivera. Parte desse dinheiro é para o
atendimento personalizado dos casos de albinismo. Às promessas de sempre, agora
se soma a incerteza.
"Em Porto Rico não há uma política de Estado
para atender às pessoas com albinismo", sentencia Vergner. "E isso faz
com que muitos de nós deixemos o país".
A tarde cai sobre o Atlântico. As primeiras nuvens
escuras da temporada de chuvas pairam sobre a casa dos Nieves Nieves e as meninas
da casa se preparam para dormir. Elas são diferentes. Nenhuma das quatro netas de Miguel e
Rita é albina, ainda que Mayra - mãe de três – desejasse que pelo menos uma
tivesse saído como ela.
Génesis aproxima-se de seu pai com os braços
abertos e seus cabelos cor de azeviche contrastam com a pele rosada de
Reinaldo. “Tinha quase certeza de que minha filha seria albina”, comenta o pai
orgulhoso. "Foi uma surpresa ela nascer morena".
O traço genético decide muito mais do que apenas a
cor do cabelo de Génesis, porém. Trata-se de salvo-conduto para uma vida bem
diferente da de sua família albina.
sábado, 23 de julho de 2016
MAIS COERÇÃO
Organização moçambicana pede julgamentos públicos para casos de albinos
A associação de defesa de albinos Amor à Vida quer que os julgamentos em casos de assassínio, rapto e tráfico de órgãos de pessoas portadoras de albinismo passem a ser públicos como forma de retrair as perseguições em Moçambique.
"Gostaríamos que o julgamento desses casos fossem um ato público, que todas as pessoas pudessem ter acesso à sessão, para termos certeza que essas pessoas estão a ser punidas exemplarmente", disse Adelina Afonso, representante da Associação Amor à Vida na província de Manica, centro de Moçambique.
Apelando à polícia moçambicana para encaminhar para a justiça os casos denunciados pela instituição, Adelina Afonso foi uma das participantes num encontro realizado na segunda-feira em Chimoio, capital de Manica, onde também participaram várias pessoas portadoras de albinismo, polícia e médicos tradicionais.
O obscurantismo e a ignorância são apontados como as principais causas da perseguição a albinos em Moçambique e, em alguns países do continente africano, há pessoas que acreditam que podem enriquecer após passarem por ritos em que são usados órgãos de pessoas com albinismo.
Em 2015, segundo dados apresentados recentemente pela Procuradoria-Geral da República (PGR), 13 pessoas albinas morreram e outras 51 foram atacadas.
A província de Nampula, norte do país, foi a que registou mais casos de ataques a pessoas albinas, com 29 vítimas, incluindo mortes, seguida de Zambézia, com sete, e de Cabo Delgado, com cinco.
Do encontro realizado no Chimoio, saiu também o pedido para medidas que desencorajem raptos e assassínios de albinos, seguindo uma recomendação da Comissão Nacional de Direitos Humanos, que entende as medidas meramente punitivas como insuficientes.
Adelina Afonso apelou ainda para um cadastro de médicos tradicionais em todo o país, além dos meios que usam para o exercício das suas funções, como forma de ajudar a identificar os mandantes de crimes contra albinos.
Moisés Parange, presidente provincial da Aermo (Associação de Ervanários de Moçambique), que reúne médicos tradicionais, lamentou a perseguição dos albinos no país, afastando os membros da sua instituição desses atos.
"Desde há muito em Moçambique que existem médicos tradicionais e nunca estiveram envolvidos nos assassinatos de albinos. Repudiamos o sequestro de albinos", declarou.
Um relatório independente publicado em março por Ikponwosa Ero, especialista sobre os direitos das pessoas com albinismo, aponta Moçambique na lista dos sete países com mais crimes registados contra estas pessoas em África e revela a existência de um "mercado lucrativo e macabro" no continente, onde se chegam a pagar dois mil dólares (1,8 mil euros) por um membro ou 75 mil dólares (67 mil euros) pelo "conjunto completo".
sexta-feira, 22 de julho de 2016
PAPIRO VIRTUAL 108
Roberto Rillo Bíscaro
Não posso ver série baseada em/inspirada por Charles
Dickens, que dá vontade de ler o bisavô das telenovelas. Durante a morna
Dickensian, comichava por folhetim e assim que pude, peguei David Copperfield,
que já lera em forma reduzida – acho que foi meu primeiro livro em inglês – e
em português, mas jamais em toda sua volumosa glória original.
Publicado em série entre 1849-50, David Copperfield
autonarra sua trajetória. Menino de classe-média, vê-se jogado no mundo do
trabalho infantil, quando sua mãe morre e seu malvado padrasto o põe pra
labutar limpando e rotulando garrafas. O romance conta como Copperfield superou
isso e tornou-se escritor de sucesso. A biografia de Dickens apresenta
elementos coincidentes com David Copperfield, que o inglês considerava “filho
predileto”. Dickens trabalhou numa fábrica, quando seu pai foi preso por
débitos e toda a família foi morar na cadeia (como em Little Dorritt), exceto o
pequeno Charles, que, aos 12 anos, teve que viver só e correu o risco de ver
seus sonhos de uma vida de mãos sem calos em perigo. Quando o pai saldou as
dívidas e saiu do xilindró, a casca de ferida da mãe não tirou Dickens da
fábrica, daí há quem diga que os conflitos no romance são espelhos dessa
situação. Muito simplista ler literatura como mero reflexo especular de
biografias. Óbvio que há algo da vida de Dickens em David Copperfield, mas os
conflitos existentes não estão lá porque o autor os teve com seus pais, mas
porque conflito é a primeira condição formal pra que houvesse um romance no século
XIX.
Tido como romance de formação, aquele onde a
personalidade dum protagonista amadurece, essa leitura me chamou atenção pro
modo como Dickens disfarça bem a quase não mudança de Copperfield. Claro que a
disciplinarização do coração e a perda da ingenuidade acontecem. Ele abandona
suas paixões intempestivas e crença nas aparências; o casamento com Dora (ai
que mocinha irritante!) e a amizade com Steerforth estão lá pra isso. Mas,
David realmente não tem que alterar seu jeito otimista em nada que seja realmente
essencial: todo mundo que se lhe interpõe no caminho, morre! É assim, a suposta
maturidade copperfieldiana repousa numa série de cadáveres e personagens que se
ferram pra que ele possa ser bom. Veja se Emily não funciona pra isso e depois
me conte em comentário. Pros materialistas culturais em busca de tema pra
TCC/mestrado, talvez fosse a ideia de ver como esse dado formal replica a fase
do capitalismo na qual se insere o romance. Me chamem pra banca!
É mais ou menos assim: ele até se dá conta de que o
casamento com a paspalha Dora traria infelicidade, porque ela não possui a
racionalidade que ele quer. Na verdade, ele não consegue que ela seja como ele
quer, coisa a que Agnes caninamente está disposta (os opostos se atraem é
bobageira, a sociedade vitoriana amava a sóbria simetria). Ao invés de David
ter de lidar com isso, Dora morre nem sabemos de quê e nem sentimos muito,
porque ela é construída irritantemente pra isso mesmo. Assim, até eu amadureço:
o mundo ficando como quero, pra minha conveniência, ai que sonho!
Esse é apenas um estratagema usado pra maquiar David
Copperfield, a personagem. Outro é a deformação de várias personagens através do
humor, tornando-as caricatas. Isso funciona pra divertir, sem dúvida (mas não
muito hoje em dia, será? Aquela mulher espantando asnos é uma asneira!), mas
também garante superioridade de partida a Copperfield, cujos defeitos e
imaturidade aparecem minimizados perante a loucura de Mr. Dick, a rudeza gentil
e de inglês desviado da norma culta de Mr. Peggotty ou Ham; a vileza
cicatrizada de Rosa Dartle. Como narrador, David pode se “limpar” de vícios de
linguagem que tornam muitas das personagens caricatas ou estranhas; passa a ser
potencialmente o centro de estabilidade e normalidade da narrativa, que é o que
acontece, quando ela perde a graça (note como os capítulos finais dos romances
da época são curtinhos; é porque o bom da história já tinha passado – cessou
conflito, acabou a matéria do romance).
Morro de sono com o papo de ausência de profundidade
psicológica das personagens dickensianas, tipo, Mr. Micawber a gente conhece
assim que abre a boca e jamais muda. E quem disse que é isso o que importa em
biso Dickens?
Quando escreveu David Copperfield, por exemplo, pela
primeira vez na História, havia um país onde a população urbana era maior que a
rural, com todas as implicações de produção, vivenda, deslocamentos e
relacionamentos que isso significava em níveis práticos e simbólicos. Numa
Londres inchada e insalubre, Dickens contrastava o mundo do capitalismo
hobbesiano, onde um queria comer o outro – não eram poucos os que defendiam o
livre mercado total – com uma possibilidade de vida melhor, no caso na classe
média, longe da fábrica. Pros meritocratas de plantão, a pergunta: Copperfield
teria chance de se tornar escritor de sucesso caso tivesse nascido na classe
operária, sem ligação alguma com a média? Veja o que acontece a Ham e pra
benefício de quem...
Certo que os livros de Dickens sempre tinham gordurinhas,
porque escrevia pra agradar o leitor de sua época; também correto que David
Copperfield perde algum interesse quando os problemas de David passam de
subsistir pra viver bem. Porém a descrição da violência infantil revolta e dá
vontade de trazer David pra casa e a jornada Londres-Dover, faminta e cheia de
bolhas no pé, angustia.
Defeitos e mistificações existem, mas ainda dá prazer ler
este mestre britânico do século XIX. Pra quem é taxado de “raso” por tantos,
Dickens continua mandando bem.
quinta-feira, 21 de julho de 2016
VIOLÊNCIA ALÉM-FRONTEIRAS
Cidadão de nacionalidade bengali detido por tentativa de rapto de albino
Um cidadão de nacionalidade bengali está a contas com a Polícia da República de Moçambique (PRM), acusado de tentativa de rapto de um cidadão albino, no posto administrativo de Matsinho, distrito de Vanduzi, em Manica.
Trata-se de Kaisar Mohammad, solteiro de 27 anos de idade, que na companhia do seu colega, agora fugitivo, tentaram raptar um jovem adolescente com problema de pigmentação da pele.
O chefe das Relações Públicas no comando provincial da PRM, em Manica, Leonardo Colher, citado pela nossa fonte disse que a vítima dirigiu-se a uma loja de um cidadão estrangeiro para efectuar compra de alguns produtos para sua barraca.
Colher explicou que quando saiu do referido estabelecimento comercial foi perseguido por dois cidadãos, um dos quais de nacionalidade bengali, que iam numa motorizada. Quando se aproximaram dele tentaram rapta-lo.
Colher disse que vendo-se na situação de vítima, o jovem gritou a pedir socorro e escapou graças a presença de populares que vivem na zona onde ocorreu o crime. Na ocasião, Kaisar Mohammad e seu comparsa fugiram.
O porta-voz disse que a polícia está a trabalhar para neutralizar outro cidadão que está foragido.
http://noticias.mmo.co.mz/2016/07/manica-cidadao-de-nacionalidade-bengali-detido-por-tentativa-de-rapto-de-albino.htmlTELONA QUENTE 168
Roberto Rillo Bíscaro
Um dos traços formais mais marcantes do Nordic Nor é a
gelidez transmitida através de céus de chumbo, paisagens nevadas, personagens
encapotados. Seria possível passar sensação de frio mesmo com cenas e
vestuários denotadores de alto verão? O filme alemão Das Letzte Schweigen
(2010), do diretor e roteirista suíço Baran bo Odar, é congelante aula provando
que sim. Ventiladores, crianças em piscinas, gente com pouca roupa
insistentemente exibidos, mas com um tratamento de imagem, personagens e
história que ironizam e esfriam a temperatura do verão bávaro, projetando o que
realmente importa: o interior gelado de gente destruída.
Em 1986, 2 marmanjos encurralam uma menina no campo e um
deles a estupra e mata violentamente. O crime permanece irresoluto, o
comissário responsável até se aposenta, mas na mesma data e local, mais de 2
décadas depois, outra menina desaparece nas mesmas condições. Seria cópia ou o
assassino original atacando novamente?
Das Letzte Schweigen debruça-se nas diversas vidas de
diversas pessoas afetadas por ambos os casos; nos elos formadas entre elas
pelos crimes, mesmo que essas nem suspeitem daqueles; nos modos individuais de
lidar (ou não) com a dor da perda ou da impotência e, com o advento da
resolução da trama, deixa em aberto a desconstrução perversa do estatuto da
verdade e a maligna ironia de atitudes pensadas para um fim, mas resultando
noutro.
Tempos e núcleos de personagens
intercalam-se/justapõem-se numa narrativa lenta e silenciosa, com atuações
veementes, que consegue aliar o suspense de história policial ao devastador
drama humano que o iluminado verão tenta abafar, sem êxito.
É esse perscrutar na alma machucada das personagens que
liga Das Letzte Schweigen a seus primos narrativos escandinavos e, apesar da
luminosidade quente das imagens, nos provoca arrepios.
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