Roberto Rillo Bíscaro
Ainda antes de deixar o Genesis, em 1977, Steve Hackett
estreara sua carreira-solo com Voyage Of The Acolyte. O guitarrista que
influenciou ases como Eddie Van Halen desde então tem mantido prolífica
carreira com álbuns que passam pelo rock progressivo, clássico contemporâneo e
até blues, alternando-se entre guitarra e violão. Os atuais 40tões/50tões
brasileiros que nunca ouviram prog rock certamente não escaparam da guitarra do
inglês, responsável pelo solado de Voo de Coração (1983), do álbum homônimo de
seu compatriota Ritchie, aquele da Menina Veneno. A ligação com a Terra Brasilis
foi bem estreita, porque durante mais de 20 anos, foi casado com a artista
carioca Kim Poor.
Mesmo ocupado com o sucesso de suas releituras do cânone
genesiano, que gerou CD, DVD e turnê que teve de ser estendida dada a procura
por ingressos, Steve achou tempo, energia e inspiração para lançar o
diversificado Wolflight, em março do ano passado. A dezena de canções passeia
por estilos e pelo globo, servindo-se de instrumentos como o caucasiano duduk e
o australiano didjeridu.
A instrumental Out Of The Body abre com orquestração
austera e clima de hard rock/AOR com solado cristalino da guitarra e emenda com
um dos pontos altos: a faixa-título. 8 minutos que praticamente sintetizam o
espírito do álbum. Guitarra coexistindo com violão, climas que vão do leste
europeu ao flamenco, intercalação de orquestra com percussão militar num clima
bastante anos 70. É Mestre Hackett combinando elementos do que ouviu e tocou em
décadas de carreira, numa canção bem estruturada e cantando sem medo. Ele
jamais entrará para a galeria dos grandes vocalistas, mas sua voz casa muito
bem com certo clima outonal que sua música possui, basta checar as vocalizações
lindas e meio The Moody Blues de Love Song To a Vampire, que em seus mais de 9
minutos lembra desde o Genesis setentista até o violonar de Bay Of Kings (1983, Angra dos Reis, sacaram?). Fãs
do baixista Chris Squire, falecido em junho do ano passado, devem atentar para
o fato de esta ter sido uma das últimas gravações da lenda do Yes.
Hackett revisita todos os estilos pelos quais já passou,
até o blues, como no rock Black Thunder, mas talvez a síntese maior esteja em
The Wheel’s Turning, que de começo tchaikovskyano, vai para o circo, popeia em
refrão quase impossível de não querer cantar junto, pesa quase ao ponto de prog
metalizar e ainda joga blues no caldeirão. E tudo organicamente ligado, sem
impressão de Frankenstein mal costurado. Corycian Fire alterna/sobrepõe clima
de odalisca noir com coral
carminaburânico e orquestração cinematográfica. Earthshine é praticamente
aquele violão de melancolia de fim de tarde, que só o Mestre sabe fazer, ao
passo que a adorável Loving Sea traz aquele violão dedilhado de folk setentista
em roupagem popificada e harmonia vocal meio Crosby, Stills, Nash & Young.
A abundância de referências bem inseridas revela não
apenas os anos e horas de estrada, mas também anima, por apontar que o
sexagenário Mestre Hackett não está disposto/relegado a viver das glórias de um
passado que por si só já lhe garantiu lugar no Hall da Fama. Ele ainda é capaz
de produzir material sólido.
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