RENATO
TEIXEIRA E A MODERNA TRADIÇÃO SERTANEJA.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Dizem
que todos nós temos um outro lado, uma faceta mal conhecida. Sem buscar os
obscuros de cada caráter, contudo, me propus a ajuizar trajetórias profissionais
de quem, como eu, com anos de vida somados, já experimentou a possibilidade de
pensar uma carreira constituída, madura e com sentido. Afinal, depois dos 70
anos é viável dizer de nosso papel no mundo. Parte-se do suposto de que nossa
vida não se explica na solidão do “eu sozinho”, pois apenas ganhamos razão
social se inscritos em projetos coletivos. Como já lembrava Aristóteles na
antiga Grécia, o ser humano é um animal social. Nessa direção, uma das pessoas
que mais me levam a pensar em trajetórias de efeito social é o cantor,
compositor e poeta popular Renato Teixeira. Não é, contudo, sem razão que o
evoco, pois como poucos, ele compõe os quadros permanentes de nossa
constelação. Sim, vivemos cheios de personagens que cumprem a premonição de
Andy Warhol ao propor que sempre temos nossos 15 minutos de fama. É verdade que
a chamada “sociedade do espetáculo” proposta por Debord, se alimenta da
sucessão de “celebridades instantâneas”, mas a despeito do fulgor por mais
rápido que seja o surgimento de alguns – e seus desaparecimentos – há os que
resistem. E Renato Teixeira se situa entre eles, sem sair da mídia por mais de
40 anos.
Tomando
Renato Teixeira – Renatinho para os íntimos – como parâmetro, pergunta-se: de
que é feito o resiliente e discreto sucesso desse “bardo de Taubaté”? Ainda que
as respostas sejam plurais, por certo muitos vão garantir que tal fama se deu
em paralelo à construção do nosso cancioneiro sertanejo. Renato herdou a melhor
tradição das chamadas “duplas caipiras” e sem trair legados que misturam
acordes com letras singulares àquele mundo, gradativamente, foi inscrevendo
alguma modernidade como sons eletrônicos, efeitos especiais. Talvez a mágica de
seu sucesso se justifique pela perfeita negociação entre o novo e o velho.
Suspeito certa espontaneidade nisso, algo natural de alguém que vindo do Vale
do Paraíba Paulista, soube fundir a saudade com desafio de viver transformações
modernizadoras. É verdade que o arco existencial dele se deu na passagem da
dominância do padrão rural para o urbano, do campo para a indústria, mas sem
rupturas. Pelo contrário, foi costurando no presente o passado que desfiou
letras que contam, descrevem e promovem “causos”. E não faltam ternura e afeto
em todas suas canções. Renato Teixeira é um narrador de histórias cantadas.
Aliás, aí reside outro argumento importante que diferencia a música caipira da
música sertaneja. A caipira é aquela feita e consumida diretamente, sem
gravação e fala de coisas próximas. A sertaneja, potente mercadoria da
sociedade de consumo, se faz na cidade, por pessoas advindas do campo, mas como
soluções urbanas e contagiantes. Como ninguém, Renato Teixeira soube casar
estas características. E como? Com o mais interiorano dos recursos: a
camaradagem.
Amigo de todos, sua interpretação de “Amizade
Sincera” é inigualável. Com certeza, ao garantir afeições a tantos queridos,
nosso Renatinho enreda companheiros que com ele formulam um movimento musical.
São contadores de histórias que reinventam uma tradição e a autenticam na
modernidade um passado que se pretende legendado nas páginas da atualidade. É
aí que a grandiosidade do projeto pessoal se agiganta e se emenda em outros
planos. Por certo, a qualidade e o requinte dos produtos musicais valem por si,
mas também aquilatam uma trajetória que é do país. No futuro, não há de faltar
historiadores que delegarão a Renato Teixeira o papel de guardião de uma
memória nacional, da equivalência e reconhecimento da cultura interiorana que
não se perdeu na metropolização do mundo capitalista. Olhem bem: isso não é
pouco para um caipira Pirapora. Minha Nossa Senhora, abençoe nosso sertanejo
mais moderno.
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