quinta-feira, 21 de julho de 2016

TELONA QUENTE 168

Roberto Rillo Bíscaro

Um dos traços formais mais marcantes do Nordic Nor é a gelidez transmitida através de céus de chumbo, paisagens nevadas, personagens encapotados. Seria possível passar sensação de frio mesmo com cenas e vestuários denotadores de alto verão? O filme alemão Das Letzte Schweigen (2010), do diretor e roteirista suíço Baran bo Odar, é congelante aula provando que sim. Ventiladores, crianças em piscinas, gente com pouca roupa insistentemente exibidos, mas com um tratamento de imagem, personagens e história que ironizam e esfriam a temperatura do verão bávaro, projetando o que realmente importa: o interior gelado de gente destruída.
Em 1986, 2 marmanjos encurralam uma menina no campo e um deles a estupra e mata violentamente. O crime permanece irresoluto, o comissário responsável até se aposenta, mas na mesma data e local, mais de 2 décadas depois, outra menina desaparece nas mesmas condições. Seria cópia ou o assassino original atacando novamente?
Das Letzte Schweigen debruça-se nas diversas vidas de diversas pessoas afetadas por ambos os casos; nos elos formadas entre elas pelos crimes, mesmo que essas nem suspeitem daqueles; nos modos individuais de lidar (ou não) com a dor da perda ou da impotência e, com o advento da resolução da trama, deixa em aberto a desconstrução perversa do estatuto da verdade e a maligna ironia de atitudes pensadas para um fim, mas resultando noutro.
Tempos e núcleos de personagens intercalam-se/justapõem-se numa narrativa lenta e silenciosa, com atuações veementes, que consegue aliar o suspense de história policial ao devastador drama humano que o iluminado verão tenta abafar, sem êxito.
É esse perscrutar na alma machucada das personagens que liga Das Letzte Schweigen a seus primos narrativos escandinavos e, apesar da luminosidade quente das imagens, nos provoca arrepios.

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