Roberto Rillo Bíscaro
Um dos traços formais mais marcantes do Nordic Nor é a
gelidez transmitida através de céus de chumbo, paisagens nevadas, personagens
encapotados. Seria possível passar sensação de frio mesmo com cenas e
vestuários denotadores de alto verão? O filme alemão Das Letzte Schweigen
(2010), do diretor e roteirista suíço Baran bo Odar, é congelante aula provando
que sim. Ventiladores, crianças em piscinas, gente com pouca roupa
insistentemente exibidos, mas com um tratamento de imagem, personagens e
história que ironizam e esfriam a temperatura do verão bávaro, projetando o que
realmente importa: o interior gelado de gente destruída.
Em 1986, 2 marmanjos encurralam uma menina no campo e um
deles a estupra e mata violentamente. O crime permanece irresoluto, o
comissário responsável até se aposenta, mas na mesma data e local, mais de 2
décadas depois, outra menina desaparece nas mesmas condições. Seria cópia ou o
assassino original atacando novamente?
Das Letzte Schweigen debruça-se nas diversas vidas de
diversas pessoas afetadas por ambos os casos; nos elos formadas entre elas
pelos crimes, mesmo que essas nem suspeitem daqueles; nos modos individuais de
lidar (ou não) com a dor da perda ou da impotência e, com o advento da
resolução da trama, deixa em aberto a desconstrução perversa do estatuto da
verdade e a maligna ironia de atitudes pensadas para um fim, mas resultando
noutro.
Tempos e núcleos de personagens
intercalam-se/justapõem-se numa narrativa lenta e silenciosa, com atuações
veementes, que consegue aliar o suspense de história policial ao devastador
drama humano que o iluminado verão tenta abafar, sem êxito.
É esse perscrutar na alma machucada das personagens que
liga Das Letzte Schweigen a seus primos narrativos escandinavos e, apesar da
luminosidade quente das imagens, nos provoca arrepios.
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