Roberto Rillo Bíscaro
Enquanto (re)lia David Copperfield, assisti a quantas
adaptações pude, a fim de elaborar um dossiê, como fizera com Um Conto de Natal. Embora só tenha conseguido uma pra cine, resolvi colocar no marcador
Telona Quente, porque o de TV já tem fila longa esperando postagem, então,
sejamos práticos, porque no fundo o que conta é o conteúdo.
Ordenei os filmes por ordem cronológica, não na assistida
e também não clamo que a lista seja completa; vi o que consegui achar. No
Youtube tem até minissérie italiana dos anos 60 relendo a história, então devo
ter passado batida alguma releitura.
A versão norte-americana,
de 1935, produzida por David O. Selznick (d’E O Vento Levou) e dirigida por
George Cukor, tem o pedigree e aspecto vintage
exigidos por certos cinéfilos. Além dos históricos nomes citados, o elenco
contou com W. C. Fields, Lionel Barrymore e Maureen O’Sullivan. Essa galeria
certamente rejubila a galera do “antigamente é que se fazia filme bom”. À
primeira vista, a adaptação mostra profundo respeito com o livro, usando
trechos e até fazendo a narrativa fílmica nascer a partir da primeira página do
romance, o que na verdade era muito comum numa época em que o cinema ainda era
visto como inferior à literatura. Mas, pra quem jamais lerá o texto
dickensiano, essa película aleija a trama, como mudar o local onde David e Dora
se conhecem. Não que eu meça a qualidade duma adaptação a partir duma vulgar
noção de “fidelidade aos fatos”, mas pra conhecer a essência do romance, fica a
desejar. Outro desabono é a melodramaticidade das atuações, mas isso não é
deslize: há 80 anos os gostos tinham que ser distintos. Sabendo disso, se
jogue, é muito legal ver filme bom em branco e preto, atentar para convenções
caídas em desuso, imaginar soluções cênicas pruma época tão mais difícil do que
filmar do que agora. Ah, e aquelas trilhas-sonoras que amo de paixão!
Em
1969, coprodução anglo-americana pra TV trouxe um David Copperfield atormentado
numa praia relembrando seu passado. A melhor coisa dessa versão é a linda
canção de abertura, porque o filme é episódico demais, parece não haver unidade
e isso dificulta empatia. Interessante o roteiro parear Dora Spenlow com Clara
Copperfield, explicitando todo o edipianismo do primeiro casamento de David. Ao
adicionar Steerforth à lista de admirações errôneas por parte do protagonista,
privilegia-se a fortaleza acima de tudo, num momento spenceriano meio de arrepiar.
Pra quem curte a nata tespiana britânica da estirpe dos Richardsons e
Redgraves, com Laurence Olivier e Richard Attemborough no tempero, essa
adaptação é prato cheio, ainda que de vez em quando eles esqueçam que o veículo
é a telinha e estejam grandes demais.
Uma
das lembranças do final dos 80’s ou início dos 90’s é assistir às adaptações
das obras de Dickens, em desenho animado, pela paulista TV Cultura, nas noites
de domingo (acho). O traço, trilha sonora e a dublagem tornavam-nas bastante
lúgubres. Nesse vasculhar, descobri que se tratam de animações da Burbank Films
Australia, que entre 82 e 89 animou diversos clássicos, exibidos em TVs ao
redor do globo ou lançados diretamente em vídeo. David Copperfield é de 1983 e
desta vez vi em inglês. Não bastasse a melancolia inerente à produção, some a
velhice e baixa qualidade de som e imagem e tudo fica mais tristonho ainda, mas
mesmo assim – ou por isso mesmo – gostei bastante. Essas animações são bastante
adultas, não há muitas concessões infantilizantes por ser desenho. Por isso,
não entendo porque edulcoraram a fuga de David a Dover. Ao invés de mostrar o
que o menino sofreu caminhando mais de 70 milhas, fizeram-no pegar carona numa
carroça de feno, onde dormiu tranquilamente. Não tem como – nem porquê – enfiar
todo o livro nas adaptações, então pra quem não quer ler, o ideal seria pegar
umas 2 ou 3 mais fidedignas e ir completando lacunas. Esta animação seria uma
das escolhidas, porque mostra até o marido de Betsy Trotwood, embora não
entenda a razão, se não acrescenta nada ao roteiro.
Em
1993, outra abordagem em animação feita pela ianque NBC pra exibir no Natal.
Depois o musical infelizmente ganhou o mundo via DVD. Nada contra usar
elementos duma história pra desenvolver outra, mas este desenho chama-se David
Copperfield sem contar sua trajetória, apenas pega David e algumas personagens
e torna a história a luta entre ele e Mr. Murdstone como dono déspota duma
fábrica. As personagens são animais, tipo Agnes é uma gatinha; acho que os
relacionados a Copperfield são. Nem sei, porque é tão ruim que desisti, mas
antes ficara muito no celular apenas ouvindo. Além disso, trata-se dum musical
com vozes de segundo/terceiro escalão (já pra época) como Sheena Easton e Julian
Lennon e canções péssimas. Não recomendaria nem pra quem não gosto.
Pra
quem quer a trama mais detalhada, com atuações mais modernas (e ótimas) e, de
quebra, ver onde Daniel Radcliffe começou, a pedida é a adaptação em 2 partes
da BBC, de 1999. O futuro Harry Potter faz o sofredor Copperfield mirim, junto
com elenco que inclui Maggie Smith e o finado Bob Hoskins, como Mr. Micawber.
Sempre amei Hoskins, mas prefiro o Micawber de W. C. Fields. Curioso como às
vésperas do fim do mundo causado pelo bug do milênio, o roteiro dourou muito a
pílula sobre o alcoolismo de Mr. Wickfield. Por isso sou fã de soap, já em 1978 Sue Ellen Ewing rolava
a escada grávida e bêbada! Decerto maneiraram, porque era Natal. Com tanto
tempo diegético não podiam ter introduzido Mrs Gummidge propriamente? Ela
aparece em 1 ou 2 cenas, assim, do nada. Na versão de 1935, é introduzida, ao
passo que coisas bem mais importantes, não.
Em 2000, versão pra TV coproduzida por EUA e Irlanda foi ao ar pelo canal TNT, em dezembro. No hemisfério norte, Natal combina com Dickens. São quase 3 horas, que não tomam grandes liberdades com o livro, a não ser numa vingança que Copperfield enceta sobre Mr. Murdstone, que não existe no romance e, na verdade, reposiciona toda a narrativa autobiográfica. É como se Copperfield tivesse escrito sua história como vingança ou purgação de Mr. Murdstone e sabemos que é mais do que isso. Se não existisse a versão da BBC eu até recomendaria, mas não dá pra comparar Dame Maggie Smith com Sally Field, faça-me o favor.
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