quarta-feira, 31 de agosto de 2016

CONTANDO A VIDA 161

A CARA DA AMÉRICA LATINA SEM ROSTO.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Sempre medito sobre o papel da fotografia. Confesso que gosto muito de “retrato” de gente e foi com essa intenção que me perguntei sobre o teor da fotografia latino-americana. Tudo me veio à tona quando li a seguinte frase: O núcleo do processo de transformação rumo à não violência é a irrupção do rosto do outro, rosto que pode mudar nossa violência. A frase pronunciada pelo pensador colombiano Mario Roberto Solarte, expressa no livro “Mimesis y Noviolencia: reflexiones desde la investigación y la acción”, entre outros, encerra um problema vital para o entendimento da existência da identidade latino-americana: a invisibilidade dos tipos sociais que nos compõem. A carência de rostos de pessoas – que aparecendo comprovariam séculos de história de convívios contraditórios – é um torturante desafio, infamando nossas consciências. Seria melhor não ver? Meditemos: não que a fotografia inexista como meio de expressão da e na América Latina. Não. É que nos perdemos no retrato de paisagens dramáticas e estetizadas, na constatação de bichos, plantas e rios, que de tão intrigantes reforçam a distância dos padrões matriciais. Há delícias nesses devaneios, por certo, mas também há abandonos. O mesmo se diz de panoramas exóticos, flashes de cidades complicadas, acidentes geológicos insuspeitados, enfim, de detalhes importantes, mas que, em conjunto anulam a centralidade das fotos humanas. É como se fugíssemos esteticamente do olhar do ser que nos mira além do papel, daquele que nos conceitua e perturba, induzindo a pergunta que não pode ter cara: quem somos?

Por certo, há consensos na definição de uma narrativa reconhecida como realismo fantástico ou realismo mágico, nosso, expressão de uma linguagem simbólica que nos reconhece na ficção. Em termos econômicos, nos mapas da macroeconomia existimos, é verdade. Também temos praça nos estudos sociológicos da marginalidade, pobreza, doenças tropicais. Sim, nessas áreas temos personalidade autenticada, mas a diversidade das feições humanas, o plural sempre multiplicado dos tipos sociais somados, indica outro caminho: o apagamento das aproximações de interesses alheios. Perfilhamo-nos apenas em expressões negativas como a miséria e a exploração. No mais, apenas dizeres ufanistas que servem para rebaixamentos e diminuição de prestígio cultural. E num movimento rebelde ecoa a questão: por que não nos mostramos em produtos históricos mais sofridos? Sabe-se que cá e lá aparecem fotos artísticas, mas nunca somadas, propostas em comparações desejáveis.

É, de maneira inglória, a invisibilidade que nos caracteriza como seres de lugares conflitantes, indecisos, mal colocados na geografia do progresso. E isso tem uma raiz funda derivada do mote da destruição da utopia do Paraíso terreal. Destruição de toda uma coletividade indígena que no passado fora organizada; de legiões de negros movidos, antes escravizados e depois reduzidos a bolsões de pobreza; de mestiços legados às indecisões convenientes e a falta de oportunidades no mundo dos outros, europeus ou europeizados. Existimos sim – deve-se reconhecer minimamente – mas nossas feições repartidas em mil retraços não se impõem como mote a ser confrontado. Faltam-nos seriações de fotos e conexões temáticas que nos expliquem. É quando então, constatada, a noção apolínea de estética nos força a pensar que ela tem avessos. E é exatamente esse outro lado que nos garante a existência. E parece ser chegada a hora de mostrar isso.

A consequência mais doída de um processo de 500 anos de desmantelamento se dimensiona pela busca de dignidade. Roubados os direitos próprios da humanização social, cuidou-se de formular uma teoria massacrante que atribuía aos latino-americanos certa inferioridade étnica “cientificamente” demonstrada ao longo da sombra do século XIX. Historicamente, na rotina dos dias, viramos um “outro” colonizado, personagem sem feições, latino-americanos, mero fenômeno a ser explicado. A perfeição do sistema de dominação se mostrou sutil ao produzir, no próprio espaço latino-americano, algozes capazes de repetir as estratégias de controle das vidas submetidas. E legados à condição menor, desenvolvemos o que se chama colonialidade, ou seja, uma elite que gradua os mesmos processos de controle social. E nos classifica. É exatamente aí que cabe o papel reversível da fotografia de nossos tipos humanos. Eles existem, estão aí e pela mediação de uma arte crítica, invertem a noção de modelo.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

TELINHA QUENTE 227

Resultado de imagem para scream season 2
Roberto Rillo Bíscaro

Amigos/conhecidos tiveram chiliques, porque não dei muito tempo de espera pras badaladas Breaking Bad e Stranger Things. Os primeiros capítulos me entediaram! – então abandonei sem dar ouvidos à quase universal cantilena “melhora depois do episódio X”. Com jorro de ofertas tão forte, eu esperaria série pegar no tranco?
Com slasher, tudo se modifica. É meu subgênero xodó de horror, por isso dei chance à segunda temporada de Pânico, a Série, transmitida pela MTV ianque entre maio e agosto. Apesar de não haver apreciado muito a temporada um e os 2,3 episódios iniciais da segunda não me deixarem esperançoso, não desisti. E que bem fiz! Depois dum fim de capítulo homenagem à Carrie, a Estranha (1976), Scream 2 eletriza e bate feio na sonolenta temporada anterior.
3 meses após os eventos da temporada um, Emma volta a Lakewood, depois duma estadia numa casa de repouso. Ato contínuo, telefonemas com voz alterada, aparições do mascarado e assassinatos recomeçam e os teens voltam a mergulhar no caos. Será que Brandon nunca-consigo-decorar-o-sobrenome voltou de verdade ou é copycat? Entupido de referências a filmes de horror de várias épocas, subgêneros e nacionalidades, Pânico – A Série dessa vez trouxe umas cenas e mortes mais gráficas e o sentimentalismo de novelinha adolescente acontece até o capítulo 4 ou 5; depois é mais pauleira. Sempre lembrando que é produção da (M)TV , então não dá pra esperar gore nível filme asiático: seria ideia fora do lugar.
O problema de se identificar com as personagens – discutido na resenha da primeira temporada – agravou-se nessa encarnação, porque uma de minhas prediletas correu sério risco de morte. Nossa, deu dó.
Convenção slasher vital é a ausência da supervisão de adultos, levando à carnificina dos adolescentes deixados sós. Num filme isso é bem mais fácil de engolir do que numa série de 12 episódios. Tem que aceitar que os pais de Noah, por exemplo, devem ser totalmente inaptos ou patetas; só assim pra não se incomodar com sua ausência em qualquer cena de semanas de trama.
Mas, desde que haja suspense e alguma morte, fã slasher não liga, assim como releva a montanha de decisões estúpidas tomadas por adultos e teens indiscriminadamente. Na verdade, numa série slasher alguém deveria se debruçar em como os adultos se infantilizam e os adolescentes amadurecem, porque a resolução está em suas mãos. No fim, todos estão no mesmo patamar de “maturidade”. Numa sociedade onde pais e filhos caçam Pokenóns, vestem-se com camisetas iguais do Mickey e tiram selfies perigosas, isso deve significar algo.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

CAIXA DE MÚSICA 233

Eat the Light cover art
Roberto Rillo Bíscaro

Lotus tem sólida reputação nos circuitos independentes de electronica. Fundado por estudantes universitários em 1999, os norte-americanos denominam seu estilo de jamtronica, porque como os grupos funk clássicos, as canções são desenvolvidas a partir de jams no estúdio.
Dia 15 de julho, o Lotus engrossou sua volumosa discografia com o surpreendente Eat The Light. Tento não usar o adjetivo surpreendente junto com qualidade – como é comum – porque acho elogio-sabotagem: se surpresa é algo inesperado, parece que não se esperava nada do artista. Horrível. A surpresa de Eat The Light não está na alta qualidade, mas na forma: o quinteto resolveu acessibilizar e lançou álbum com dez faixas deliciosamente dançantes, pop e com vocais, com influências que perpassam décadas.
De cara, o arraso do disco: Fearless. O Lotus afirmou que queria fazer músicas pras pessoas jogarem as mãos pro alto e dançarem no verão. Acertaram na mosca com esse disco-funkaço-pára-tudo! A primeira metade de Eat The Light continua com as batidas por minuto em alta rotação, o que muda são as matrizes. I’ve Been A Fool (Toy Guns) é mais New Wave com influência Acid House, mortal riff de guitarra funk e percussão à New Order, fase Technique. A faixa-título remete ao Talking Heads (que tem álbum chamado Remain In Light, de 1980), mas tem burburinho de eletrônica repetitiva presente do Kraftwerk e solo de guitarra intoxicante, que ocorre novamente em Move Too Fast, que além disso une 70’s e 90’s com baixo reverberante à Chic e barulhinho-delícia à Robin S. 
É a mistura competente de diversos subgêneros dance com pitadas de indie rock e música caribenha, uma das forças do álbum, que na metade final diminui as BPMs, mas não a rebolatividade. O indie rock de Sodium Vapor e When Our Nerves No Longer Twitch convive com a discomusic à Tina Charles de White Light Fadeway e o som que Nile Rodgers fez pra Sister Sledge em Anti-Gravity, mas com o contraponto da guitarra melancólica tipo Barney Summer. Esse rolo todo funciona, porque o Lotus domina os subgêneros de frente pra trás, conhece todos seus truques e de tanto tocar ao vivo e fazer jam, mesmo essa fornada pop saiu com incríveis força e organicidade (no sentido de tudo estar quase DNAmente imbricado).
O verão do hemisfério norte está no fim e a Philadelphia do Lotus logo entra nos meses cinzentos de outono-inverno. Por aqui a primavera ainda nem começou, então temos meses para dançar e comer a luz do Lotus.
Eat The Light e o restante da discografia está no Bandcamp, então, não há desculpa pra não conhecer:

domingo, 28 de agosto de 2016

SUPERAÇÃO OLÍMPICA

Ainda no clima de celebração olímpica, que tal conhecermos seis histórias de superação em diversas edições dos Jogos?

sábado, 27 de agosto de 2016

PARALIMPÍADA ALBINAS


Paratriatleta com 5% da visão vira médica e realiza sonho olímpico no Rio



O triatlo já é uma modalidade reconhecida pelo grande esforço que exige na combinação entre natação, corrida e ciclismo. O paratriatlo, então, exige um nível extra de superação. E a espanhola Susana Rodríguez é um exemplo perfeito do segundo caso. Com 5% da visão, ela realizará o sonho de disputar uma Paraolimpíada no mesmo ano em que concluiu o curso de medicina.



Atualmente com 28 anos, Susana é albina e tem o problema na visão desde que nasceu, nada que a impedisse de almejar grandes conquistas. Mas foi uma dura derrota em 2008 que a motivou tanto a ser médica como a se arriscar no paratriatlo. Susana treinou para disputar o atletismo paraolímpico nos Jogos de Pequim, mas ficou a uma colocação de obter a vaga. Decepcionada, abandonou o esporte por dois anos.

“Quando isso aconteceu, o mundo caiu sobre minha cabeça, porque eu havia dedicado minha vida toda para estar em Pequim. Agora penso que graças a isso decidi estudar medicina e mudei de esporte. Acabei em uma modalidade que gosto muito mais”, contou Susana ao "El Confidencial".

O paratriatlo, com seus 750 metros de natação, 20 km de ciclismo e 5km de corrida, estreia no programa paraolímpico nesta edição dos Jogos. Na categoria de Susana, ela compete nas três provas acompanhada por uma guia que a conduz com uma cinta. No caso do ciclismo, a bicicleta adaptada tem dois lugares.




Para se classificar à Paraolimpíada e chegar forte ao Rio, Susana treina quatro horas diariamente, com raras folgas ao longo do mês. Em uma semana, são cinco sessões de natação, quatro de ciclismo, quatro de corrida e três de musculação. A rotina puxada, porém, não a impediu de se formar com média alta na faculdade de medicina.

Susana passou pelas 235 questões do exame para ser aprovada como residente em um hospital e em outubro começará a experiência. A data de início foi adiada devido à Paraolimpíada. Para quem pergunta o que foi mais difícil, ela não tem dúvida: conseguir o diploma de medicina foi mais complicado que chegar à Paraolimpíada.

Susana também não titubeia quando tem de dedicar tantas conquistas na vida. “Meus pais deixaram claro desde sempre que se eu quisesse algo, eu podia conseguir. Eles não me limitaram. Sempre disseram que tudo viria na base do trabalho e do esforço. Fui muito exigida por eles e hoje agradeço por isso”, resume a paratriatleta e médica espanhola.
http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2016/07/09/paratriatleta-com-5-da-visao-vira-medica-e-realiza-sonho-olimpico-no-rio.htm

ALBINO GOURMET 210

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

ETIQUETA PARALÍMPICA

(Foto da chef de cozinha natural Bela Gil) Você pode substtuir portador por pessoa com deficiência, por exemplo. Veja essa e outras dicas do Manual para a Imprensa. Gadim Brasil - Mídia e Deficiência. Aliança Global para Inclusão das Pessoas com Deficiência na Mídia e Entretenimento. www.gadimbrasil.org..

Nos Jogos Paralímpicos, vai falar sobre pessoas com deficiência?
Saiba usar as palavras!

Vamos parar de denegrir e judiar dos portadores?
Se alguma das palavras deste título – ou várias – fez você torcer o nariz, seja bem-vindo!

As palavras podem ser construtivas ou servir para perpetuar preconceitos.
Vamos nos aproximando das Paralimpíadas e, com elas, espera-se uma cobertura da mídia sem precedentes em torno de pessoas com deficiência.
Os Jogos Paralímpicos despertam cada vez mais interesse e esta será uma oportunidade excelente para ajustar a forma como as pessoas com deficiência são vistas pela sociedade.
Se nas Olimpíadas ouvimos à exaustão histórias de exemplos de superação através do esporte, nas Paralimpíadas podemos nos preparar para “os super-heróis que rompem barreiras, tornando-se exemplos de inclusão.”

Mas falar de pessoas com deficiência pura e simplesmente já não é um fato positivo? Não ajuda a sair da invisibilidade? Depende… de quem escreve ou fala, ou seja: Você!
Quer ver?
Sabe de onde vem o verbo judiar? É uma alusão a como os judeus foram tratados pelos nazistas. Desistiu de usar? Experimente substituir por maltratar, fazer sofrer, torturar, atormentar.
E denegrir? Tornar negro. Precisa explicar o dano que carrega? Se é negro, não é bom. Quer riscar do seu dicionário? Prefira as alternativas degradar, difamar.
Esses dois verbos carregam uma conotação depreciativa e preconceituosa.
Já o portador é diferente. A palavra foi usada no passado como um eufemismo para se referir às pessoas com deficiência. Chegou a figurar na legislação brasileira. O mesmo pode-se dizer de especial e necessidades especiais. Era uma forma de tentar amenizar a dureza da deficiência, de ser condescendente com os pobres deficientes, que já são tão judiados, coitadinhos…
Você já ouviu falar de capacitismo?
Capacitismo é considerar pessoas com deficiência como inferiores a pessoas sem deficiência. Textos sob essa influência, reduzem os personagens a objetos de piedade, fardos para suas famílias e para a sociedade, cidadãos de segunda classe, cuja vida não vale a pena. Como a cultura do machismo e do racismo, a cultura capacitista resulta em marginalização e discriminação.
Então, como fazer para valorizar sua história, de modo que ela se destaque, se afaste do lugar comum e de quebra funcione, de fato, para promover a inclusão e a igualdade?
1- Comece colocando a pessoa em primeiro lugar. Pessoa com deficiência e não deficiente, especial, excepcional, portador de deficiência ou com necessidades especiais.
2- Não use deficiências como adjetivos ou xingamentos – fulano é cego, você só pode estar surdo, deixe de ser retardado.
3- Cuidado com a trilha sonora. Musiquinha triste de pianinho ao fundo pode acabar com uma boa história. Prefira um som dinâmico, pra cima, ou, na dúvida, nenhuma sonorização.
4- Evite sensacionalizar e usar rótulos negativos. Descrever pessoas com palavras como “padece de, é vítima de, sofre de”, contribui para diminuí-las é retratá-las como indefesas, mostrando-as como objetos de piedade e caridade.
5- Sempre ouça a própria pessoa com deficiência, não seu acompanhante. De preferência, converse com ela antes de gravar a entrevista. Pergunte a melhor forma de proceder.
6- Não se usa mais a palavra ‘portador’ ao se referir a pessoas com deficiência, em nenhum caso. Retire-a definitivamente do seu vocabulário.
Ah, e não se esqueça que os atletas são atletas paralímpicos e não paratletas!

Quer mais dicas e conhecer o glossário de termos relativos à deficiência? Acesse o manual para a imprensa da GADIM Brasil.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

CONTANDO A VIDA 160

Nosso historiador-cronista tentando explicar para espanhóis, em Barcelona, sobre a conturbada situação política brasileira atual. 

O BRASIL VISTO DE LONGE

Dizem que à noite todos os gatos são pardos. É comum se ouvir que o panorama visto da ponte é harmonioso e irretocável. Nelson Rodrigues afirmou que de perto ninguém é normal. Foi com essas chaves que filtrei impressões de amigos que, vivendo no exterior, enxergam o Brasil por lentes telescópicas. Tudo motivado pela fome de saber sobre o momento político que nos acomete no presente. Preciso dizer que os saudosos e queridos confrades forçaram o tema que, aliás, não condizia com a tarde quente do verão barcelonês, nas Ramblas movimentadas. De toda forma, foi lá que aconteceu o encontro que enlaçou as atualizações gerais. Nunca duvidei que, com acadêmicos espanhóis, minha proposta de relaxar, seria provisória, pois afinal, bem conheço a retórica catalã e o envolvimento progressivo em temas sempre enviesados pela política. E não deu outra, pois em poucos minutos estávamos no mar tumultuado dos debates, sobre o impacto da nova reputação do Brasil no mundo.

Confesso que o ritmo dos argumentos apresentava um outro lado da moeda que negocia nosso lugar internacional até pouco tempo exemplar e digno de nota. No Brasil, a sucessão vertiginosa de fatos sempre tão arrebatadores não tem permitido reflexões sobre o significado da queda do nosso prestígio em nível global. As notícias que nos chegam de fora, sempre em termos econômicos, negligenciam opiniões que não sejam das decantadas críticas aos rebaixamentos promovidos pelas agências de classificação. Foi assim que percebi a perplexidade que perturba o entendimento estrangeiro. Sinceramente, precisei refazer caminhos e voltar à superação do momento politico pós-militar para dar algum sentido às explicações sobre nós. É verdade que a expressão “complexo de vira-lata” fora criada por ocasião do sucesso na Copa do Mundo de 1958, mas com o advento da Ditadura descemos muitos degraus na respeitabilidade democrática internacional. A gestação da positividade foi longa e precisou do ressurgimento do respiro político-partidário dos anos de 1980 para que despontássemos como democracia digna. Mas, ressurgimos flamejantes. O Brasil que floresceu no andamento eleitoral foi altivo, em particular com nova liderança. Mal se sabiam dos custos ocultos e corrosivos causados pela perversa corrupção que, na surdina, solapava nosso chão político. De toda forma, no céu global brilhava uma estrela partidária que nos projetou juntamente com o nome de um sindicalista, vindo das camadas mais pobres da população. Foi assim que nos erguemos como exemplo mundial. E fomos longe. Talvez, longe demais. Tão alto subimos que, denunciados os escândalos milionários, a queda foi vertiginosa. Demais. E, se nós mesmos não entendemos, que dizer dos estrangeiros.

Antes de tentar alguma explicação, precisei ouvir os argumentos dos interlocutores. O suposto da Constituição ferida e a ligação com o golpe veio colado à lógica dos fatos, pois afinal, na Europa em geral, a obediência à Carta Magna é dever sagrado e a nossa, também, preza a solidez das eleições. Outro aspecto expoente foi a supremacia do Poder Judiciário, comprometendo dramaticamente o equilíbrio do Legislativo e o Executivo. Não bastasse isso, presidia ainda a dúvida sobre o exclusivismo persecutório a um partido prioritário. Racionalizado o problema, decodificados os argumentos, me restou pouco: trata-se de um golpe. Não ocultei meu posicionamento, tentei expressar pesares, sensibilizar os ácidos interlocutores. Confesso que me surpreendi comigo mesmo, pois mesmo afinado com a crítica, tentava demonstrar a motivação da classe média brasileira. Ouvi em resposta que o ocorrido no Brasil era consoante a um momento conservador mundial, a reacomodação das camadas dirigentes que ainda não aceitaram os efeitos populares das classes emergentes. Por lógico, tive que ouvir os comentários e, por um momento emprestei os óculos dos amigos e pude reafirmar meus propósitos locais. Ah, devo dizer que a cerveja estava boa, tanto que precisei de algumas para não perder a alegria de ser brasileiro visitando amigos preocupados com o Brasil.  

terça-feira, 23 de agosto de 2016

TELINHA QUENTE 226

Roberto Rillo Bíscaro

Ao longo dos anos, tenho recebido mensagens elogiosas e críticas com relação às resenhas sobre música, livros, cine e TV. Algumas apontam que muitos textos são “subjetivos”, carecendo de imparcialidade. Nem discutirei a impossibilidade da neutralidade, apenas digo, são subjetivas e parciais, sim. Blog vem da expressão web log, cunhada no fim dos anos 90 e, grosso modo, significa um diário online, registro de atividades e opiniões. Blogues nasceram se autoafirmando como expressões individuais e o Albino Incoerente não é diferente.
As críticas vêm quando explicito, por exemplo, que algo é bom, mas não é pra mim ou não me agradou. Tais leitores decepcionar-se-ão com a resenha de hoje, porque a minissérie Jordskott (2015) pode até ser boa, mas falhou em me conquistar. Como 2 conterrâneas que também não me impressionaram – Graven e Morden -, Jordskott tem Göran Ragnerstam no elenco, cujo jeitão algo catatônico até curto (ou me acostumei).
O diferencial da dezena de capítulos de Jordskott pros demais Nordic Noirs é a adição do fantástico/sobrenatural, mediante alusão ao folclore escandinavo, como à serpente Jörmungandr, criada numa banheira por uma anciã. Pelo menos, intuo que seja a cobra, filha de Loki. Esse foi meu principal problema: ficar na névoa como a exuberante região florestal onde se passa a trama.
Tudo começa em Estocolmo, quando a policial Eva Thörnblad leva tiro dum sequestrador e tem que se afastar das atividades. A morte de seu pai leva-a de volta à distante cidadezinha de origem, onde sua família é importante na exploração florestal. No dia seguinte a sua chegada, crianças começam a desaparecer, assassinatos inexplicáveis pipocam e muita bizarrice toma o cotidiano de Silverhöjd. Aos poucos concluímos que o “inimigo” pode ser a própria floresta e que a fábrica de celulose e sua depredação da Natureza podem ser os responsáveis por iminente guerra entre humanos e seres míticos.
Comparada a Twin Peaks – bastou ser esquisito, já se compara à obra de David Lynch – Jorskott deixa o espectador durante quase metade sem saber porquês e com uma protagonista tão perdida quanto o telespectador. Eva demora ainda mais do que a metade pra fazer algo; passa quase todo o tempo reagindo e não protagonizando. Devo estar soando demasiado careta, mas 10 capítulos de personagens com os quais pude pensar em começar a empatizar apenas lá pelo oitavo não são pra mim.
Devo, porém, ser justo. Jordskott não é ruim. Não parei de vê-la, apenas não ansiava por um próximo episódio e adoro quando isso acontece. A minissérie me deu algum prazer intelectual, mas não me agarrou pelas bolas e preciso disso quando se trata de capítulos.
Pleonasmo vicioso dizer que o cenário natural sueco é arrasante, né? A Escandinávia esculacha, nossa!
O clima de vingança natural e da presença do folclore me lembraram do ciclo de horror ecológico dos anos 70 e, daquela mesma década, um microciclo britânico, que misturava paganismo celta com horror, tipo O Homem de Palha. Fãs de Arquivo X também deverão gostar. Não sou experto nos agentes Fax Moden, mas pelo que me lembro dum deles, o jeito mortiço do Wass (Göran Ragnerstam) se encaixa bem. Além do mais, quem curte pássaros se comunicando com humanos, gente caçando não-humanos disfarçados de humanos, poções mágicas e eventos que só serão explicados dali a 6 capítulos desfrutarão Jordskott.

Não é pra mim, mas reconheço a qualidade e que a maldita canção de ninar folclórica me assombrou durante dias. 

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

CAIXA DE MÚSICA 232

Roberto Rillo Bíscaro

Nas últimas semanas, diversos álbuns têm chamado minha atenção, assim, pra não empilhar material e publicar em 2018 álbuns lançados este ano, que tal uma quadra, ao invés da tradicional dobradinha? O elo é serem divas negras, uma talvez em vias de superestrelato e as demais pouco conhecidas no Brasil. Vamos usar a vastidão internética pra não depender tanto da grande mídia?

A inglesa NAO tem bastante a favor pra se tornar estrela. (Bem) Falada nos últimos meses, seu álbum de estreia, For All We Know, saiu dia 29 de julho e tem aquela qualidade antropofágica que brasileiro ufanista ingênuo acha que é exclusividade nossa, quando é a essência do bom pop. Madonna é tão geleia-generalizadora quanto Caetano.
Egressa da alternativa cena grime/garage londrina, NAO triturou detalhes underground e recombinou-os com platitudes soul, R’n’B e eletrônicas num álbum que vai de Rose Royce a Prince, fazendo paradas pelo som sintético do oitentista Klymaxx sem deixar de ter a personalidade contemporânea de NAO. Pop bom é personalista e até a voz meio esquisita de anjinha maliciosa ajuda a destacá-la do oceano de competidoras.
Os arranjos são lotados de detalhes, que fazem de For All We Know um trabalho que precise ser ouvido várias vezes e até com fone de ouvido pra se perceber as nuanças. Mas, como bom pop, ouvintes casuais passarão por tudo isso batido e terão acessível produto que só poderia prescindir das vinhetas chatinhas.
Coincidente com Georgia, outra promessa inglesa vinda da cena grime, NAO dissolve Kate Bush em seu caldeirão de influências. In The Morning abre com canto diretamente chupado de This Woman’s Work e a percussão que se segue é puro Running Up The Hill. E como negar que o canto de Blue Wine – que abre parecendo Enya – é bushiano até o fundo da laringe, especialmente quando ela canta os adjetivos?

Jessie Laine Powell atua no circuito de shows do estado de Kentucky há décadas. Sua voz granulada passeia bem quente pelo jazz, R’n’B e tem profundas raízes gospel. Seu álbum mais recente é Fill The void, lançado em maio. A intensa ligação religiosa – ela é filha dum missionário e começou cantando em igrejas – pode rechaçar quem entende inglês e não curte letras escancaradamente devocionais, como Make Me a Believer e Shalom. Em You´re OK – um dos melhores momentos vocais – ela canta sobre a diversidade divina de todas as formas de beleza.
Musicalmente, Fill The Void equilibra-se entre bossa nova, como Shalom e a regravação de Antonio’s Song, ode setentista a Tom Jobim com sua letra estereotipada que mistura frevo, Amazônia e samba. OK, se Tom não reclamou na época – imagine, amou! – pra que o faríamos? Cheio de covers, o álbum acerta e arrasa no piano de Round Midnight, mas a modéstia da produção é realçada em My Funny Valentine. Pra quem curte tecladinhos 80’s será paraíso, mas isso é sinal de escassez de verbas. Ainda assim, o vocal competente e a extensão – umas 2 vezes mais longas do que as de Sinatra e Ella Fitzgerald, por exemplo – dão interesse a uma canção que poderia ter voado muito alto com mais recursos de produção.
I Will Be Here For You é uma delícia de urban souljazz sobre alguém que estará lá pro que der e vier em clima que não desapontará saudosistas dos 70’s/80's. Lay It Down vem em 2 versões, uma delas apenas ao piano, embora a melhor seja a que tem arranjo mais tecladístico, especialmente se você é da época em que Anita Baker tocava em FM comercial. On The Edge disfarça bem seu caráter religioso - como trocentos sucessos negros ao longo dos tempos - em elegante mix que seria chamado de acid jazz há uns 15 anos.

Iyeoka Okoawo é multitarefas: cantora, poeta, palestrante, ativista e educadora. Natural de Boston, em julho lançou seu quarto álbum de estúdio, Gold, que afirma suas raízes africanas tanto em música, quanto em letra. Louvável autoidentificação que às vezes atrapalha a música, como na dancehallica abertura Who Would Follow, cuja letra nem sempre se encaixa na melodia provocando atropelos pra cantora de voz grave e cristalina. Sweet Song é falada, então fica um pouco entediante, ainda que nela aprendamos que Iyeoka significa “quero ser respeitada”. O desejo de controlar narrativamente sua história funciona bem melhor em Thunder, power baladaça quase digna dos áureos tempos de Phil Collins como importante no cenário pop.
A parte dançante de Gold é a pepita. Milk And Honey une guitarra funk a climão de buatchy. Se café sem açúcar mantinha Peggy Lee acordada pra amargar deprê, Iyeoka fica lôka de T com Black Coffee. A batida africana de Kola Nut e Akomem Of Udomi dá vontade de correr dançando pela savana ao mesmo tempo que se conscientizando sobre a tristeza africana.

Liberdade e afirmação da identidade negra e pessoal são temas também no sexto álbum de estúdio da sul-africana Lira, Born Free, lançado em março. Lira significa amor em sotho e sua voz é forte, mas cristalina. Born Free poderia ser mais curto; números como Listen e Let There Be Light nem são tão inspirados, mas tomam quase 13 minutos dum álbum que não se decide se é chique urbano ou mais voltado pra raízes. Dependendo de como se enxerga essa dualidade pode-se usá-la contra a mensagem de afirmação identitária da trip-hoppada Unique ou como celebração de diversidade; escolha.
Freedom e Born Free ressaltam muito bem o poder vocal de Lira, porque os arranjos são espartanos. Be About It mistura africanidade dançável a teclado de fundo geladinho. Os efeitos de teclado que soam como um Pokémon gay (pokemona?) murmurando ficariam mais legais se Brave Heart fosse balada um ‘cadinho mais curta. I Like You acerta bem mais que as baladas mais cumpridas. Em 4 min. e pouco cativa mais do que os 5 e pouco ou 6 das demais. Cumprimento não é documento, Lira.
A porção sophistipop me agradou mais, como Rhythm Of Your Heart e sua bossa-jazz-soul de vernissage. Sekunjalo e Vaya são delícias em sotho; a primeira é super Les Nubians e a segunda cheira a bossa-nova.
O arraso de Born Free é Let Go Sometimes, que por si só justifica você nadar até a África do Sul, se necessário, para ouvi-la. Letra de dor de amor por escolher o bofe errado, trompete, quase nível Sade; pra ouvir imaginando sofrimento, em lençóis de cetim vermelho.

domingo, 21 de agosto de 2016

SUPERANDO UM AVC

Apoio e amor da família ajudam no tratamento de Roberto Rocha, ex-comandante do Corpo de Bombeiros do Estado do Amazonas, que hoje supera um AVC.

sábado, 20 de agosto de 2016

SIAMESAS ALBINAS

Rara tartaruga albina é separada de irmã siamesa na Itália


  • Anton Dohrn Zoological/AP
    Uma rara tartaruga-cabeçuda albina nascida em Acciaroli, sul da Itália e lançada no mar
    Uma rara tartaruga-cabeçuda albina nascida em Acciaroli, sul da Itália e lançada no mar
Uma rara tartaruga-cabeçuda albina, que nasceu grudada à sua irmã, em Acciaroli, sul da Itália, foi lançada nesta terça-feira (16) no mar Mediterrâneo pelos biólogos da Estação Zoológica Anton Dohrn. 
Anton Dohrn Zoological/AP
Segundo o biólogo Fulvio Maffucci, é extraordinário que um dos filhotes tenha sobrevivido à separação.
De acordo com ele, a outra tartaruga siamesa não sobreviveu por estar pouco desenvolvida.
Anton Dohrn Zoological/AP
Após ser separada da irmã, a tartaruga se arrastou em direção ao mar, sem ajuda alguma.

ALBINO GOURMET 209

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

PAPIRO VIRTUAL 110

A cidade de Penápolis tem larga tradição no Mapa Cultural Paulista, programa da Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo cujo objetivo é fomentar a produção cultural independente e promover a difusão de espetáculos de diversas linguagens artísticas com origem no interior ou litoral do Estado. Toda edição o município da noroeste paulista está presente em pelo menos uma categoria; muito frequentemente em mais de uma.
A vencedora do gênero poesia da edição 2015/2016 é a Juliana Costa, advogada de 29 anos, autora do livro de poesias "Retalhos de Tinta", de produção independente. Juliana gentilmente permitiu que eu reproduzisse o poema vencedor do mapa Cultural. Obrigado e parabéns, Ju!

Olho para o alto e vejo cicatrizes nas estrelas
Respiro fundo as cinzas dos meus pensamentos
Quanto calor na Terra do Nunca
E nenhum preço a ser pago pelo resgate

Ouço tambores, guitarras e flautas
Acordes na dança do acasalamento dos sonhos
E eles riem, eu rio, é engraçado, é terrível
Quanta loucura, meu Deus, por tão pouca cura

E quando despeço os sete demônios
Vão-se casas com paredes descascadas
Vão-se corpos com peles sangradas
Vão-se vidas com almas desgraçadas

Bata na mesa aqui. Bem aqui. Acabou.
No Juízo dos séculos faço minha sentença
E escolho as duras penas de olhar e contar
Estrelas ao redor das minhas cicatrizes.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

CONTANDO A VIDA 159

Residente no Rio de Janeiro e atento às múltiplas implicações dos Jogos Olímpicos, nosso historiador-cronista avalia se compensou sediarmos o evento. 

LIÇÕES OLÍMPICAS!...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Mas, valeu a pena? A resposta bem que poderia vir na rima fácil alvitrada por Fernando Pessoa “tudo vale a pena/ se alma não for pequena”. Indo, contudo, além do fugidio apelo poético, repete-se a questão: teria valido a pena o esforço para hospedar as Olimpíadas no Brasil, em particular na conturbada Rio de Janeiro, neste tempo de crises acentuadas? “O tempo dirá”, seria outra resposta cabível. Se o estímulo imediato apressar avaliações, porém, devo dizer enfaticamente que sim.  Aliás, seria cabível afirmar – no tempo presente dos jogos – que está valendo o esforço formidável que, afinal, envolveu toda a população exigindo sacrifícios enormes, principalmente na circulação urbana. Foram anos seguidos de reclamações, desvios de rotas e incertezas dos resultados. Alguns estereótipos comumente atribuídos à nossa suposta prática de deixar tudo para a “última hora” se juntaram aos cortes de verbas e à escandalosa corrupção que drena muito mais que verbas públicas. Nesse quesito, diga-se, merece referência, inclusive, o fato de o ex-presidente da Eletronuclear, vice-almirante da Marinha Othon Luiz Pinheiro da Silva, ser condenado a 43 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização criminosa. Pois é, mesmo os militares tão garbosos do suposto padrão honestidade se viram complicados levando junto a moral da Marinha do Brasil. Tais fatores combinados somados inclusive ao envenenado ambiente político geral, equivaleriam ao pessimismo que condenaria a legendária produção a um “não vai dar certo” ou simplesmente “erramos”.
Qualquer viés analítico, por elementar que seja, há de costurar o desenvolvimento do projeto inicial no tecido sócio-político que vivenciamos com presidenta afastada e outro, interino. E isso não é pouco, em particular se contarmos a sucessão vertiginosa de fatos calamitosos que se multiplicam tendendo ao infinito. E tudo começou lá atrás. Há alguns anos, em 2007, quando da matrícula do projeto vencedor, contava-se com intenso apoio popular. Começava então a maratona administrativa que acompanhou, desde 2008, a virada do quadro. Vivíamos o reino do otimismo e da esperança que se traduzia, inclusive internacionalmente, na diferença entre o primeiro e segundo colocados na lista de escolha. A diferença entre o Rio de Janeiro e Madri foi enorme, de 66 votos contra 32 e isso mostrava a confiança do mundo em nós. Ironicamente, a contagem regressiva invertia, mundo afora, os devaneios cultivados.

Seguindo a máxima que professa a validade do tamanho dos sonhos dilatados, os nossos eram exagerados: despoluir a Baia de Guanabara, ampliar a malha metroviária até a Vila Olímpica na Barra, construir a coleção de prédios e instalações para os jogos, caracterizar novos espaços e recuperar estádios, modernizar o centro com a revitalização de áreas decadentes, controlar a bandidagem, melhorar as condições de aeroportos... Nossa, era muita coisa. É verdade que nem tudo foi realizado, mas muito se conseguiu. E, apesar de reclamações pontuais, o conjunto é muito bom. De toda forma, pergunta-se em complemento: qual o maior legado das Olimpíadas? E as respostas se alinham facilmente: a solenidade de abertura deixou memória positiva. Foi linda, quase irretocável. É verdade que o presidente interino não nos representou adequadamente e parecia peça fora de lugar, sem desenvoltura e até foi vaiado - mas dele pouco se esperava em termos de aceitação pública. Bom mesmo foi ver a medalha da atleta Rafaela Silva, perfeita até no nome popular, pois ela conseguiu juntar o entusiasmo das pessoas em geral com a possibilidade de superação. Vejam, estou valorizando os feitos materiais, patrimoniais, físicos, mas, muito mais o legado moral que nos coloca em situação privilegiada, de esperançosos. As Olimpíadas estão valendo por nos ativar a memória do que somos em essência capazes de fazer festa, mesmo nas dificuldades. A lição maior, pois vem de baixo, das camadas que nos integram como país injusto. Se uma moça de comunidade que recebeu “bolsa-atleta” conseguiu provar que o apoio às bases é capaz de gerar orgulho nacional, imaginemos um Brasil inteiro se ajudando a fazer a festa da democracia. As Olimpíadas do Rio ativam positividades que se esparramam no chão histórico de nossa cultura. É verdade que fizemos festa para os outros, mas o prato principal foi servido a partir do que temos de melhor: a crença de que, seja qual for o impedimento, não deixamos de construir nossa identidade no sonho.   

terça-feira, 16 de agosto de 2016

TELINHA QUENTE 225

Roberto Rillo Bíscaro

Continuar acertando o passo com a esnobada década de 90. Ter episódios com tramas e elenco diferentes pra não monotonizar e ter gostado bastante do original sessentista foram decisivos pra que eu não demorasse tanto em ver as 7 temporadas (1995-2002) da reedição d”A Quinta Dimensão, pelos canais Showtime/SyFy. Em abril do ano passado, publiquei a resenha das 2 temporadas originais
Com muito mais episódios do que sua predecessora – 154 contra 49 – The Outer Limits colorida mantém o narrador dizendo que assumiu o controle do aparelho de TV blá, blá, blá (eu acelerava a imagem, hoje quem tem saco pra intro longa?) e suas lições de moral pseudofilosóficas no começo e no fim. Elas servem pra estabelecer o tema da história, mas muitas são tão simplistas e moralizantes que dá vontade de rir/chorar. Aliás, a carolice messiânica do destino manifesto anglo-saxão azeda diversos episódios.
Embora tenha ETs e monstros em quantidade, a ênfase no formato “monstro da semana” não mais se justificava nos 90’s, então os temas diversificam-se, se bem que lá pela sétima temporada já se repetiam em essência. Alguns traços permanentes nos roteiros indicam que o exército e o governo são sempre inimigos do povo e que quando o cientista/a ciência quer brincar de Deus algo sairá horrivelmente errado. O mito de Prometeu grita alto. Muitos episódios lidam com viagens temporais, nas quais dependendo do roteirista, o fluxo do tempo pode ou não ser alterado.
Algo legal de se assistir em sequência cronológica e sem muito espaçamento entre um show e outro é perceber correlações entre episódios e até personagens. Elas jamais interferem na independência das histórias, mas uma equipe futurística que se empenha em corrigir desastres históricos aparece mais de uma vez. Não sei como não virou spin off. Mais ao final de cada temporada, episódios usam imagens de outros – correlatos ou não – como se fossem miniantologias.
Dadas as especificidades históricas e de produção, não entrarei no jogo de comparar as 2 encarnações, até porque essa noventista não refilmou quase nenhum episódio de sua genitora branco e preta. Dá pra ver as 2 numa boa e curtir muito, se você é fã de ficção-científica pop.
Talvez pela produção ser parcialmente canadense, foram sucessivos episódios, dos quais eu nem fazia ideia de quem eram os atores, mas reconheci alguns ao longo do caminho. Sempre lembrando que esse jogo de identificação de rostos familiares é totalmente subjetivo; geralmente anoto quem já apareceu em alguma resenha, mas também vale querido que não. Quem (ainda) não significa nada pra mim, tipo Aly Sheedy ou Molly Ringwald, que um dia foram alguém, mas não pra moi, nem entra na brincadeira:

Robert Foxworth, o Chase Gioberti da soap oitentista Falcon Crest apareceu como presidente dos EUA num episódio excelente e tenso pra burro, sobre alienígenas vindo em direção à Terra. Seriam amigos ou hostis? Da decisão do recém-empossado presidente dependeria o planeta.
Bonnie Bedelia, a Camille Braverman, de Parenthood, num episódio meio moroso sobre descompasso temporal impedindo contato entre 2 ex-amantes.
Sheena Easton já acabada como pop star em um episódio chamado Falling Star (ouch!) sobre uma estrela pop apagando que recebe visita duma fã dum futuro sombrio e que pode lhe render nova chance de significar algo, ainda que de modo inesperado. Nunca tinha visto a Modern Girl atuando, foi digno; recomendo a entusiastas oitentistas.
Michael Gross, o Steve Keaton de Caras e Caretas, que, pelo brilho peculiar da lua percebe que o sol deve ter se tornado supernova e por ser a última noite do planeta, tenta fazer tudo o que não teve coragem, no caso, propor casamento pruma colega e quebrar vitrines pra roubar anéis. Episódio não decide se é história de amor ou cine-catástrofe.
Harold Gould, o Miles (namorado de Rose Nylan) de Supergatas, num episódio poético em que idosas tem segunda chance de procriar, mas desde que seja por amor. No fundo da superfície, é moralista: sexo só com amor.
Victor Garber, o chique vilão Robert Bowers, da fracassada Deception, no episódio Out Of Body, vivendo o marido amantíssimo duma cientista que pesquisava se coexistimos em diferentes dimensões. No fim, é pra provar que temos alma e ciência e tecnologia estão a serviço dum ente superior. Sci fi usada pra provar o improvável. Ele trabalha em outro no qual é um cientista malvado que persegue um androide de uma série de robôs que não sabiam que eram cibernéticos. Os maus tratos infligidos pelos humanos aos robôs são recorrentes, resultando em histórias provocativas e possíveis de estabelecer paralelos com temas como escravidão e neocolonialismo.
Fred Savage, o Kevin Arnold de Anos Incríveis, numa história envolvendo mulher que sobrevivera à Peste Negra e mantinha-se viva, imune a doenças e envelhecimento séculos depois. A estelaridade de Fred já era, porém: os protagonistas são a moça e o pai, que a conhecera anos antes, quando servia o exército, que a perseguia porque queria descobrir a fonte da eterna juventude. Adoro histórias sobre deslocamentos temporais.
Daphne Zuniga, a Joe de Melrose Place e Joel Grey, o demônio que leva JR Ewing ao pseudossuicídio, num episódio num mundo pós devastação biológica, onde as autoridades tentam controlar as emoções, outro tema recorrente. Pode-se acusar The Outer Limits de tecnofóbico muito frequentemente. Por outro lado, há que lembrar que o subgênero que mais diretamente lida com ciência é a ficção científica, então, é mais normal que a desconfiança com relação a ela sinta-se mais nessas produções do que num western.
Joseph Gordon Levitt, antes de ser ET em Third Rock From the Sun, participou de um episódio onde agentes do governo caçam aliens infiltrados na Terra, um deles perigosamente perto do jovem. Gente, aqueles óculos-escuros e o sobretudo balançante gritam MATRIX!
Laura Leighton, a maluquete Sidney (amava!) de Melrose Place  numa historinha muito bem bolada: ela morre, mas descobre que dentro dela havia traços duma gêmea siamesa sacrificada pra que pudesse nascer. Quer ideia mais melodramática trash?

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

ALBINISMO NA ESCÓCIA


Ellen Renton
Brasileiros, tendemos muitas vezes a pensar que qualquer lugar na Europa, EUA, enfim, “Primeiro Mundo”, seja melhor que aqui. Traduzi o relato de uma estudante universitária albina da Escócia para sentirmos como as coisas são por lá.

“Olha o Cabelo Dela!” – Eu Gostaria Que o Albinismo Não Atraísse Olhares.

Ellen Renton
(Tradução de Roberto Rillo Bíscaro)

A maioria dos estudantes não imagina quão dura pode ser a vida universitária, se você é uma pessoa com albinismo. O Dia Mundial de Conscientização do Albinismo (11 de junho) nos dá a chance de contar nossas histórias e mudar atitudes.
Recentemente, enquanto me dirigia à biblioteca, um estudante gritou bem alto “olhem o cabelo dela!”, quando passei por ele. Quando se tem albinismo – como eu – a universidade pode ser um desafio.
A condição afeta uma em cada 17 mil pessoas no Reino Unido. Tenho albinismo oculocutâneo tipo 1, o que significa que não possuo nenhum pigmento em meu cabelo, pele e olhos. Isso também afeta minha visão.  
Na universidade, frequentemente encontro pessoas que sabem muito pouco sobre a condição. Muitos perguntam na lata, como consegui tingir meu cabelo de tão branco e porque meus olhos não param de se movimentar para os lados (um sintoma do nistagmo). Outros possuem concepções errôneas, baseadas em mitos e na má representação pela mídia e então me questionam porque meus olhos não são vermelhos.  
Ao invés de insultos, precisamos de apoio e maior conscientização na universidade. Meus olhos incham e cansam de ler todos os livros exigidos pelo meu curso de literatura inglesa. Também tenho dificuldades em participar de debates em classe, porque não enxergo os rostos de meus colegas. Aprendi a adaptar meus hábitos de estudo, porém. Uso tecnologia que permite aumento de fontes e recorro a ajuda do serviço da universidade que auxilia deficientes, quando necessito.
Outros aspectos da vida universitária são mais difíceis. Mudei-me para um apartamento em uma cidade nova e mesmo tarefas aparentemente simples pareceram árduas nos primeiros meses. Cozinhar era complicado devido a instruções ilegíveis tanto no fogão, quanto nos produtos.  Também tive que procurar bastante por lugares mais calmos para cruzar ruas – tarefa muito difícil, porque não consigo ler placas ou ver o tráfego vindo em minha direção.  
Como todo mundo, sou disposta a aproveitar ao máximo todas as oportunidades sociais da universidade, mas às vezes tem sido duro. Muitos estudantes mencionam a semana dos calouros como o ponto alto de sua época de universidade, mas a quantidade de luzes na minha cara e perguntas insensíveis dão-me sensação diferente.
O problema não é só meu. “A universidade é pensada para os alunos sem deficiência, então, muitos eventos são inacessíveis para mim”, queixa-se Eva Doherty Roe, aluna do segundo ano de francês e cinema da Universidade de Glasgow, que também tem albinismo. “Além disso, é realmente desconfortável ter que explicar sobre sua deficiência visual e como ela te afeta, durante a primeira meia hora, quando você conhece alguém”.
A ONU decretou o dia 13 de junho como Dia Mundial de Conscientização do Albinismo, a fim de promover educação global sobre a condição e reduzir o estigma que a cerca. Isso é necessário, porque pessoas com albinismo enfrentam discriminação sob muitas formas:  desde o “albino malvado” dos filmes de Hollywood até os ataques a pessoas com albinismo para rituais.  
Só quando me tornei estudante, percebi a enormidade da tarefa enfrentada pelos ativistas da causa albina e a importância da conscientização global. Cresci com um monte de perguntas rudes e gente encarando e não achava que teria que lidar com isso também na universidade, além de meus desafios físicos.

O slogan para o dia de conscientização deste ano é “celebre a diversidade, promova inclusão, proteja nossos direitos”. Acredito que como lugares de aprendizado e riqueza cultural, universidades são perfeitas para que uma mudança de atitude com relação às pessoas com albinismo comece. 

CAIXA DE MÚSICA 231


Roberto Rillo Bíscaro

Após o Natal de 2014, um companheiro de trabalho, sua filha e eu partimos de carro a Buenos Aires; pendrives repletos de música pros dias de viagem. No de Bia, um som ao vivo chamou minha atenção: MPB desconhecida. Ela explicou que era o 5 a Seco. Fiquei de pesquisar assim que regressasse a Penápolis, mas como isso ocorreu quase um mês depois, esqueci. Passou-se mais de ano até que ouvisse Policroomo, que já estava no mercado há uns 4 meses, quando da ida automobilística à capital hermana.
O paulista 5 A Seco é formado por Leo Bianchini, Pedro Altério, Pedro Viáfora, Tó Brandileone e Vinícius Calderoni, que se revezam nos vocais, tocam tudo e compõem. Policromo é MPB pós-Festivais dos anos 60/70 feita por quem cresceu nos anos 80/90. Por isso, tem tudo pra agradar diversas gerações.
Ouça Épocas e veja se aquela guitarra não vem do pós-punk britânico tão popular nos 80’s. A gelidez dela contrasta com a intensidade do resto do arranjo e do vocal. Pra geração crescida depois da ditadura, quando muito pode ser falado, o “foda” da letra não deve chocar como àqueles da época dos Festivais.
O “foda” reaparece em Fiat Lux, que mistura cultura erudita latina com rua hip-hopada. O início remete a sambas-canção de outrora, aqueles que mandam a pessoa seguir seu caminho. Mas daí moderniza e o vocal incorpora táticas de rap e um “caralho” na letra, mas não como forma de ofensa ou sexualização. Há décadas Caetano chocou dizendo estar de saco cheio numa letra; hoje é hora de foda e caralho fazerem parte de letras “sérias”.
Em Eu Amo Djavan, a gozação carinhosa com aquelas letras de MPB difíceis de compreender (“cantar é tão bom, entender pra quê?”) se autorrepete. Usando oitentistas ilariês e oblesquibons com mais antigos tongas de mirongas e nomes dadaístas, a letra assume a mesma pose de literata (pop) da moça que diz que não dança poperô (será que os meninos de hoje sabem que a palavra veio do megahit Pump It Up, do belga Technotronic?).
Som de meninos transurbanizados pra público igualmente saturado de influências díspares, o 5 a Seco injeta rock no clima nordestino-retirante de Você e Eu e no afro de Nem Tchum.
Necessário que a MPB se transforme – e isso nunca parou – e o 5 a Seco precisa lançar mais álbuns pra pintar mais cores nessa mistura de pop com nossas tradições.

Inteiro no Youtube: