Roberto Rillo Bíscaro
Nas últimas semanas, diversos álbuns têm chamado minha
atenção, assim, pra não empilhar material e publicar em 2018 álbuns lançados este
ano, que tal uma quadra, ao invés da tradicional dobradinha? O elo é serem divas
negras, uma talvez em vias de superestrelato e as demais pouco conhecidas no
Brasil. Vamos usar a vastidão internética pra não depender tanto da grande
mídia?
A inglesa NAO tem bastante a favor pra se tornar
estrela. (Bem) Falada nos últimos meses, seu álbum de estreia, For All We Know,
saiu dia 29 de julho e tem aquela qualidade antropofágica que brasileiro
ufanista ingênuo acha que é exclusividade nossa, quando é a essência do bom
pop. Madonna é tão geleia-generalizadora quanto Caetano.
Egressa da alternativa cena grime/garage londrina, NAO
triturou detalhes underground e
recombinou-os com platitudes soul, R’n’B e eletrônicas num álbum que vai de
Rose Royce a Prince, fazendo paradas pelo som sintético do oitentista Klymaxx
sem deixar de ter a personalidade contemporânea de NAO. Pop bom é personalista e
até a voz meio esquisita de anjinha maliciosa ajuda a destacá-la do oceano de
competidoras.
Os arranjos são lotados de detalhes, que fazem de For
All We Know um trabalho que precise ser ouvido várias vezes e até com fone de
ouvido pra se perceber as nuanças. Mas, como bom pop, ouvintes casuais passarão
por tudo isso batido e terão acessível produto que só poderia prescindir das
vinhetas chatinhas.
Coincidente com Georgia, outra
promessa inglesa vinda da cena grime,
NAO dissolve Kate Bush em seu caldeirão de influências. In The Morning abre com
canto diretamente chupado de This Woman’s Work e a percussão que se segue é
puro Running Up The Hill. E como negar que o canto de Blue Wine – que abre
parecendo Enya – é bushiano até o fundo da laringe, especialmente quando ela
canta os adjetivos?
Jessie Laine Powell atua no circuito de shows do estado
de Kentucky há décadas. Sua voz granulada passeia bem quente pelo jazz, R’n’B e
tem profundas raízes gospel. Seu álbum mais recente é Fill The void, lançado em
maio. A intensa ligação religiosa – ela é filha dum missionário e começou
cantando em igrejas – pode rechaçar quem entende inglês e não curte letras
escancaradamente devocionais, como Make Me a Believer e Shalom. Em You´re OK –
um dos melhores momentos vocais – ela canta sobre a diversidade divina de todas
as formas de beleza.
Musicalmente, Fill The Void equilibra-se entre bossa
nova, como Shalom e a regravação de Antonio’s Song, ode setentista a Tom Jobim
com sua letra estereotipada que mistura frevo, Amazônia e samba. OK, se Tom não
reclamou na época – imagine, amou! – pra que o faríamos? Cheio de covers, o
álbum acerta e arrasa no piano de Round Midnight, mas a modéstia da produção é
realçada em My Funny Valentine. Pra quem curte tecladinhos 80’s será paraíso,
mas isso é sinal de escassez de verbas. Ainda assim, o vocal competente e a
extensão – umas 2 vezes mais longas do que as de Sinatra e Ella Fitzgerald, por
exemplo – dão interesse a uma canção que poderia ter voado muito alto com mais
recursos de produção.
I Will Be Here For You é
uma delícia de urban souljazz sobre
alguém que estará lá pro que der e vier em clima que não desapontará
saudosistas dos 70’s/80's. Lay It Down vem em 2 versões, uma delas apenas ao
piano, embora a melhor seja a que tem arranjo mais tecladístico, especialmente
se você é da época em que Anita Baker tocava em FM comercial. On The Edge
disfarça bem seu caráter religioso - como trocentos sucessos negros ao longo
dos tempos - em elegante mix que seria chamado de acid jazz há uns 15 anos.
Iyeoka Okoawo é multitarefas: cantora, poeta,
palestrante, ativista e educadora. Natural de Boston, em julho lançou seu
quarto álbum de estúdio, Gold, que afirma suas raízes africanas tanto em
música, quanto em letra. Louvável autoidentificação que às vezes atrapalha a
música, como na dancehallica abertura
Who Would Follow, cuja letra nem sempre se encaixa na melodia provocando
atropelos pra cantora de voz grave e cristalina. Sweet Song é falada, então
fica um pouco entediante, ainda que nela aprendamos que Iyeoka significa “quero
ser respeitada”. O desejo de controlar narrativamente sua história funciona bem
melhor em Thunder, power baladaça quase digna dos áureos tempos de Phil Collins
como importante no cenário pop.
A parte dançante de Gold é
a pepita. Milk And Honey une guitarra funk a climão de buatchy. Se café sem açúcar mantinha Peggy Lee acordada pra amargar
deprê, Iyeoka fica lôka de T com Black Coffee. A batida africana de Kola Nut e
Akomem Of Udomi dá vontade de correr dançando pela savana ao mesmo tempo que se
conscientizando sobre a tristeza africana.
Liberdade e afirmação da identidade negra e pessoal são
temas também no sexto álbum de estúdio da sul-africana Lira, Born Free, lançado
em março. Lira significa amor em sotho e sua voz é forte, mas cristalina. Born
Free poderia ser mais curto; números como Listen e Let There Be Light nem são
tão inspirados, mas tomam quase 13 minutos dum álbum que não se decide se é
chique urbano ou mais voltado pra raízes. Dependendo de como se enxerga essa
dualidade pode-se usá-la contra a mensagem de afirmação identitária da
trip-hoppada Unique ou como celebração de diversidade; escolha.
Freedom e Born Free ressaltam muito bem o poder vocal
de Lira, porque os arranjos são espartanos. Be About It mistura africanidade
dançável a teclado de fundo geladinho. Os efeitos de teclado que soam como um
Pokémon gay (pokemona?) murmurando ficariam mais legais se Brave Heart fosse balada
um ‘cadinho mais curta. I Like You acerta bem mais que as baladas mais
cumpridas. Em 4 min. e pouco cativa mais do que os 5 e pouco ou 6 das demais.
Cumprimento não é documento, Lira.
A porção sophistipop
me agradou mais, como Rhythm Of Your Heart e sua bossa-jazz-soul de
vernissage. Sekunjalo e Vaya são delícias em sotho; a primeira é super Les Nubians e a segunda cheira a bossa-nova.
O arraso de Born Free é Let
Go Sometimes, que por si só justifica você nadar até a África do Sul, se
necessário, para ouvi-la. Letra de dor de amor por escolher o bofe errado,
trompete, quase nível Sade; pra ouvir imaginando sofrimento, em lençóis de
cetim vermelho.
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