Nosso historiador-cronista pondera sobre envelhecer nos dias de hoje; a jovialidade da melhor idade atual e muito mais.
A CARA DA VELHICE MODERNA: COMO TER MAIS DE 70 ANOS...
A CARA DA VELHICE MODERNA: COMO TER MAIS DE 70 ANOS...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Fico
admirado quando vejo que nos livros de Dostoievski, aos 40 anos os personagens
eram considerados velhos, e aos 50 decrépitos, dignos de pena. Como tudo
mudou... Nossa! E não era só na longínqua Rússia dos czares. Mesmo entre nós, lembremos,
as antigas marchinhas carnavalescas satirizavam as mulheres de 30 anos
chamando-as de balzaquianas. Evocando os romances franceses que implicavam
moças que não se casavam, entre nós circulava a noção de “titia” ou
“solteirona” para aquelas que – não importando a razão – “passavam da idade” e não
constituíam nova família. Por certo, a alimentação, as vitaminas e demais
condicionadores físicos, a maquiagem e as cirurgias plásticas, a indústria da
moda veiculada por revistas, cinema, televisão, se juntaram para impor o padrão
jovem como modelo ideal, principalmente para as mulheres. Em contraste
perfeito, a noção de velhice passou a ser referência para “velhos bem velhos”,
gente que passa dos 85, 90 e até 100 anos. Aliás, vale lembrar que um dos
dilemas do equilíbrio fiscal do orçamento do país exige a imediata reforma da
idade de aposentadoria. Mas para que a mudança da cara da velhice se alterasse,
foi preciso uma combinação completa de elementos que se articularam ao longo do
tempo. E haja academia, caminhadas, tintas para cabelos, tônicos, remédios,
regimes. Por lógico, essa mudança na aparência que faz enxergar a idade com
lentes da juventude remete a também a uma cirurgia cultural que nos afeta a
todos. Tudo se justifica pelo cultivo do corpo moço que, por sua vez, se apoia
em justificativas que remetem à saúde, ao bem-estar psicológico e ao sucesso.
Para o bem ou para o mal, a minha geração é a
grande protagonista dessas mudanças, e, eu que já passei dos 70, como boa
legião de companheiros coetâneos, tenho que me provar as virtudes de permanecer
jovem. O desmerecimento de uma alcunha que se pretendia simpática “terceira
idade” foi desafiada a ser chamada de “melhor idade”, como se as dores, rugas,
aumento de peso, queda (de tudo) não nos afetasse. Admitir tais condições
passou a ser atestado de lastimável fim. E quantos fogem da velhice como se
fosse a passagem trágica para a morte. Os homens, saudosos de virilidades,
muitos deles, tentam se esquecer de enfraquecimentos e apelam para as pílulas azuis,
reavivando antigas potências. Coisa de louco. E as mulheres, muitas delas
deslumbradas com a moda, se fantasiam de meninas e não medem o ridículo no tamanho
das saias, por exemplo. Mas, de modo geral, vivemos um vale tudo para a
jovialidade. E ponha-se vale tudo nisso. Felizmente, existem os comedidos. Devo
me espelhar naqueles que mesmo sem desprezar as aparências, não envelhecem por
outros motivos. Admiro muito os que aprendem com a vida, com os sofrimentos. É
exatamente este o ponto que quero ferir: a arte de envelhecer. Confesso que aos
poucos fui deixando algumas bobagens, manias esquisitas, coisas que entravavam
meu solitário cotidiano. Já disse que a “maioridade” se dá quando fazemos 60
anos. Então, passado um tempo de vida, temos experiências acumuladas e podemos
fazer opções para o futuro. É aos 60 anos, exatamente, aos 60, que escolhemos
se pretendemos ser um “ancião” afável, um “velhinho gostoso” ou se pretendemos
ser um ranzinza empedernido, desses que se arrastam e só falam mal dos outros,
do governo, dos parentes. É claro que a escolha demanda circunstâncias, mas é
bom pensar que podemos dar descontos nos atropelos alheios, ser mais flexíveis
conosco, perdoar com mais facilidade e olhar o passado com a ternura de quantos
querem um futuro de paz e harmonia. Não diria que atingi tal plenitude. Mas
quando me olho na perspectiva do remoto, percebo que as escolhas feitas lá
atrás me permitem me respeitar. Sinto-me jovem, então... Mais jovem do que
nunca e com tal vitalidade dou meu beijo na trajetória que fiz e ainda tenho
que desempenhar.
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