quarta-feira, 17 de agosto de 2016

CONTANDO A VIDA 159

Residente no Rio de Janeiro e atento às múltiplas implicações dos Jogos Olímpicos, nosso historiador-cronista avalia se compensou sediarmos o evento. 

LIÇÕES OLÍMPICAS!...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Mas, valeu a pena? A resposta bem que poderia vir na rima fácil alvitrada por Fernando Pessoa “tudo vale a pena/ se alma não for pequena”. Indo, contudo, além do fugidio apelo poético, repete-se a questão: teria valido a pena o esforço para hospedar as Olimpíadas no Brasil, em particular na conturbada Rio de Janeiro, neste tempo de crises acentuadas? “O tempo dirá”, seria outra resposta cabível. Se o estímulo imediato apressar avaliações, porém, devo dizer enfaticamente que sim.  Aliás, seria cabível afirmar – no tempo presente dos jogos – que está valendo o esforço formidável que, afinal, envolveu toda a população exigindo sacrifícios enormes, principalmente na circulação urbana. Foram anos seguidos de reclamações, desvios de rotas e incertezas dos resultados. Alguns estereótipos comumente atribuídos à nossa suposta prática de deixar tudo para a “última hora” se juntaram aos cortes de verbas e à escandalosa corrupção que drena muito mais que verbas públicas. Nesse quesito, diga-se, merece referência, inclusive, o fato de o ex-presidente da Eletronuclear, vice-almirante da Marinha Othon Luiz Pinheiro da Silva, ser condenado a 43 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização criminosa. Pois é, mesmo os militares tão garbosos do suposto padrão honestidade se viram complicados levando junto a moral da Marinha do Brasil. Tais fatores combinados somados inclusive ao envenenado ambiente político geral, equivaleriam ao pessimismo que condenaria a legendária produção a um “não vai dar certo” ou simplesmente “erramos”.
Qualquer viés analítico, por elementar que seja, há de costurar o desenvolvimento do projeto inicial no tecido sócio-político que vivenciamos com presidenta afastada e outro, interino. E isso não é pouco, em particular se contarmos a sucessão vertiginosa de fatos calamitosos que se multiplicam tendendo ao infinito. E tudo começou lá atrás. Há alguns anos, em 2007, quando da matrícula do projeto vencedor, contava-se com intenso apoio popular. Começava então a maratona administrativa que acompanhou, desde 2008, a virada do quadro. Vivíamos o reino do otimismo e da esperança que se traduzia, inclusive internacionalmente, na diferença entre o primeiro e segundo colocados na lista de escolha. A diferença entre o Rio de Janeiro e Madri foi enorme, de 66 votos contra 32 e isso mostrava a confiança do mundo em nós. Ironicamente, a contagem regressiva invertia, mundo afora, os devaneios cultivados.

Seguindo a máxima que professa a validade do tamanho dos sonhos dilatados, os nossos eram exagerados: despoluir a Baia de Guanabara, ampliar a malha metroviária até a Vila Olímpica na Barra, construir a coleção de prédios e instalações para os jogos, caracterizar novos espaços e recuperar estádios, modernizar o centro com a revitalização de áreas decadentes, controlar a bandidagem, melhorar as condições de aeroportos... Nossa, era muita coisa. É verdade que nem tudo foi realizado, mas muito se conseguiu. E, apesar de reclamações pontuais, o conjunto é muito bom. De toda forma, pergunta-se em complemento: qual o maior legado das Olimpíadas? E as respostas se alinham facilmente: a solenidade de abertura deixou memória positiva. Foi linda, quase irretocável. É verdade que o presidente interino não nos representou adequadamente e parecia peça fora de lugar, sem desenvoltura e até foi vaiado - mas dele pouco se esperava em termos de aceitação pública. Bom mesmo foi ver a medalha da atleta Rafaela Silva, perfeita até no nome popular, pois ela conseguiu juntar o entusiasmo das pessoas em geral com a possibilidade de superação. Vejam, estou valorizando os feitos materiais, patrimoniais, físicos, mas, muito mais o legado moral que nos coloca em situação privilegiada, de esperançosos. As Olimpíadas estão valendo por nos ativar a memória do que somos em essência capazes de fazer festa, mesmo nas dificuldades. A lição maior, pois vem de baixo, das camadas que nos integram como país injusto. Se uma moça de comunidade que recebeu “bolsa-atleta” conseguiu provar que o apoio às bases é capaz de gerar orgulho nacional, imaginemos um Brasil inteiro se ajudando a fazer a festa da democracia. As Olimpíadas do Rio ativam positividades que se esparramam no chão histórico de nossa cultura. É verdade que fizemos festa para os outros, mas o prato principal foi servido a partir do que temos de melhor: a crença de que, seja qual for o impedimento, não deixamos de construir nossa identidade no sonho.   

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