terça-feira, 9 de agosto de 2016

TELINHA QUENTE 224

Roberto Rillo Bíscaro

Até os anos 70, a Noruega era Europa de segunda classe, nível Grécia. A descoberta de petróleo no Mar do Norte mudou tudo: com níveis de corrupção talvez menores do que em certos países nossos conhecidos, parte substancial da grana foi investida pra subsidiar indústrias auxiliares/complementares à da exploração marítima de petróleo. Assim, o país escandinavo passou a ganhar não apenas com gás e combustível, mas também exportando tecnologia e serviços. O resultado é uma nação com os cofres transbordando.
O escritor de Scandi Noir Jo Nesbø teve uma ideia: o que aconteceria num futuro próximo, caso o Partido Verde assumisse o poder e cessasse a produção de petróleo e gás, deixando a Europa na mão? Essa é a premissa dos 10 capítulos de Okkupert, exibida pela TV norueguesa em outubro passado.
A tecnologia norueguesa encontrara no tório um substituto limpo e renovável pro petróleo. Assim, pra livrar o planeta do caos do superaquecimento, o Primeiro-Ministro Jesper Berg paralisa a exploração petrolífera. A União Europeia retalia apoiando uma invasão russa da Noruega. Os Estados Unidos não intervêm, porque àquela altura já eram autossuficientes na produção de energia.
Okkupert é um thriller político (in)tenso, escuro e cheio de detalhes, mas pra desfrutá-lo, você terá que perdoar/aceitar o absurdo geral da premissa. Imagine que a Noruega pararia a produção/exportação de petróleo/gás sem antes construir a infraestrutura necessária pra substituição pelo tório, até porque ela entupiria mais ainda os cofres de dinheiro. Imagine que os EUA ficariam inertes vendo a Rússia aumentar seu poderio na rica e estratégica Europa.
Se você consegue olvidar isso, Okkupert é de alta qualidade. A riqueza de detalhes certamente será mais percebida se o espectador for escandinófilo e/ou gostar de História. O tório existe mesmo e foi descoberto por um norueguês; os 2 países europeus individualmente citados no complô são França e Suécia, remetendo a metáforas com a 2ª Guerra, quando as 2 nações tiveram governos bem colaboracionistas com os nazistas; a Noruega jamais quis participar da União Europeia (houve referendo em 1972 e a população disse não). Mas não tema, caso você apenas queira uma série que mantenha o interesse: o programa não necessita de notas de rodapé ou padece da chatice de mil explicações.
A estapafurdície da premissa faz com que uma das leituras de Okkupert seja as consequências dum governo inapto/inepto. E olha um certo país que bem conhecemos se aproximando da Noruega! Também faz de Jesper Berg uma personagem algo ridícula, mas Henrik Mestad está incrível, como o resto do elenco multinacional da minissérie mais cara da história norueguesa.
O governo russo protestou contra Okkupert, porque retoma os tempos da Rússia malvada da Guerra Fria. Exatamente, e mesmo com endosso da Europa “democrática” e os EUA traindo bonito, o foco da vileza recai sobre os russos invasores. Nada como ter má fama cuidadosamente construída por décadas e ganhar mais tempo diegético.
Como se vê, há pano pra manga extralonga em Okkupert, mas no fundo, o mais excitante é a história absorvente, o crescendo da presença do inimigo no dia-a-dia da população, a mudança de colaboracionistas por conveniência em resistentes clandestinos e a tensão contínua da dezena de capítulos. 

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