Roberto Rillo Bíscaro
Até os anos 70, a Noruega era Europa de segunda classe,
nível Grécia. A descoberta de petróleo no Mar do Norte mudou tudo: com níveis
de corrupção talvez menores do que em certos países nossos conhecidos, parte
substancial da grana foi investida pra subsidiar indústrias
auxiliares/complementares à da exploração marítima de petróleo. Assim, o país
escandinavo passou a ganhar não apenas com gás e combustível, mas também
exportando tecnologia e serviços. O resultado é uma nação com os cofres
transbordando.
O escritor de Scandi Noir Jo Nesbø teve uma ideia: o que
aconteceria num futuro próximo, caso o Partido Verde assumisse o poder e
cessasse a produção de petróleo e gás, deixando a Europa na mão? Essa é a
premissa dos 10 capítulos de Okkupert, exibida pela TV norueguesa em outubro
passado.
A tecnologia norueguesa encontrara no tório um substituto
limpo e renovável pro petróleo. Assim, pra livrar o planeta do caos do
superaquecimento, o Primeiro-Ministro Jesper Berg paralisa a exploração
petrolífera. A União Europeia retalia apoiando uma invasão russa da Noruega. Os
Estados Unidos não intervêm, porque àquela altura já eram autossuficientes na
produção de energia.
Okkupert é um thriller
político (in)tenso, escuro e cheio de detalhes, mas pra desfrutá-lo, você terá
que perdoar/aceitar o absurdo geral da premissa. Imagine que a Noruega pararia
a produção/exportação de petróleo/gás sem antes construir a infraestrutura
necessária pra substituição pelo tório, até porque ela entupiria mais ainda os
cofres de dinheiro. Imagine que os EUA ficariam inertes vendo a Rússia aumentar
seu poderio na rica e estratégica Europa.
Se você consegue olvidar isso, Okkupert é de alta
qualidade. A riqueza de detalhes certamente será mais percebida se o espectador
for escandinófilo e/ou gostar de História. O tório existe mesmo e foi
descoberto por um norueguês; os 2 países europeus individualmente citados no
complô são França e Suécia, remetendo a metáforas com a 2ª Guerra, quando as 2 nações
tiveram governos bem colaboracionistas com os nazistas; a Noruega jamais quis
participar da União Europeia (houve referendo em 1972 e a população disse
não). Mas
não tema, caso você apenas queira uma série que mantenha o interesse: o
programa não necessita de notas de rodapé ou padece da chatice de mil
explicações.
A estapafurdície da premissa faz com que uma das leituras
de Okkupert seja as consequências dum governo inapto/inepto. E olha um certo
país que bem conhecemos se aproximando da Noruega! Também faz de Jesper Berg
uma personagem algo ridícula, mas Henrik Mestad está incrível, como o resto do
elenco multinacional da minissérie mais cara da história norueguesa.
O governo russo protestou contra Okkupert, porque retoma
os tempos da Rússia malvada da Guerra Fria. Exatamente, e mesmo com endosso da
Europa “democrática” e os EUA traindo bonito, o foco da vileza recai sobre os
russos invasores. Nada como ter má fama cuidadosamente construída por décadas e
ganhar mais tempo diegético.
Como se vê, há pano pra manga extralonga em Okkupert, mas
no fundo, o mais excitante é a história absorvente, o crescendo da presença do
inimigo no dia-a-dia da população, a mudança de colaboracionistas por
conveniência em resistentes clandestinos e a tensão contínua da dezena de
capítulos.
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