quarta-feira, 21 de setembro de 2016

CONTANDO A VIDA 164

SUICIDIO: o estranho adeus entre o direito individual e o coletivo.

José Carlos Sebe Bom Meihy

O dia 10 de setembro último, como os anteriores, passou em brancas nuvens. É triste, isso, tristíssimo, pois muitos nem se lembram de que esse é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Existem, na realidade, fatores que orientam tal esquecimento, tornando o assunto polêmico, pouco digestível e incômodo E há mesmo aspectos paradoxais, aparentemente contraditórios trançando argumentos sempre evitados. Em uma ponta, temos ativistas que relacionam o suicídio aos desdobramentos do debate sobre o direito à vida em sentido amplo. No outro extremo, tem-se os que defendem, desde o feto até a morte natural, a vida como dom divino e por isso intocável. De um lado, os independentes, defensores da razão e lógica da vida segundo vontade própria, individual, autônoma, soberana em si mesma. Os contrários, considerando o sentido da vida na coletividade, comunitariamente, e assim protestam com veemência contra a morte não natural. Para os cristãos, todos se salvam em conjunto e a morte provocada é pecado irreparável. Os judeus, ainda mais radicais, enterram seus suicidas em campo diferente dos demais.

No primeiro caso, crescem os grupos militantes que acham que o viver depende de cada um, e que não há motivos para se pensar em leis ou regras que regulamentem decisões. Assim, como o aborto seria prioritariamente opção da mãe ou do casal, a conclusão sobre a morte autodeterminada caberia ao próprio vivente que poderia dizer se quer ou não continuar sua trajetória. De modo diferente do tirar a vida de quem não quer morrer, a resolução sobre seu próprio destino seria exclusiva de cada um. Afetando tal vertente, a eutanásia e a chamada morte assistida seriam medidas racionais, amparadas em fundamentos morais e éticos individuais, de direito privado e não coletivo ou público. Os religiosos em particular, em qualquer orientação, são terminantemente contra, avessos às intervenções que cerceiem a luta pela sobrevivência até o limite máximo. Para eles, a vida é um bem maior, supremo, dado por Deus e só ele pode tirar.  

A par de partidarismos, temos alguns números que levam a discutir o tema em outra chave, mais problemática do que simplesmente ser a favor ou contra, por esse ou aquele motivo. Quando se constata, por exemplo que temos no Brasil um montante assustador de 32 pessoas que se suicidam por dia, no mínimo resta-nos alarmar e questionar dos porquês. Figuramos entre os 10 países com maior número de autoimolados em uma lista de 107 outros. Sabe-se que o tema é complexo e que em muitos casos não está ligado à pobreza/riqueza, violência contextual ou posição e status. Os suicídios são “democráticos” e atingem todos os segmentos sociais, gêneros e faixas etárias (ainda que no Brasil predominante entre jovens até 25 anos). De toda forma, mata mais do que vítimas da AIDS e demais patologias conhecidas. Outro número alarmante nesses casos é que de cada 10 casos, 9 poderiam ser evitados.

Mas o que fazer, pergunta-se. É praticamente inexplicável que tenhamos mais suicidas que a Suécia, país campeão, e para o qual só perdemos em números relativos/proporcionais à população total. Mas, também é difícil entender como e por que não falamos do assunto. As igrejas são naturalmente posicionadas e por tanto não se veem convidadas a tocar no tema – quem já ouviu um sermão sobre o assunto? As escolas não tangem o problema, pois aparentemente não lhes compete. Em círculos sociais nem fica bem abordar o assunto. Resultado: silêncio sepulcral e muita perplexidade quando constatamos casos sempre vistos como tragédia. A favor ou contra, na linha da moral individual ou do bem coletivo, temos que quebrar silêncios. Não existe forma mais eficiente de tomar consciência desses casos sem a coragem de falar. Fracionar dogmas, alimentar ideias sobre o assunto é um jeito de tomar pulsos de casos e partir para esclarecimentos necessários, em particular junto aos jovens. Comecemos, então: qual seu posicionamento?

2 comentários:

  1. Minha irmã se foi dessa maneira. Não sei se ela está no céu. Sei que ela sofreu bastante em vida, não teve oportunidades de aprender a valorizá-la. Minha irmã tinha Síndrome de Asperger. Um QI muito alto. Não conseguia socializar. Nunca falou em desistir da vida, mas era obcecada por um músico suicida chamado Jon Nödtveidt.
    Ela se foi em 2014, e desde aí eu pesquisei muito, li depoimentos. Hoje eu consigo pensar nisso sem chorar. Estou mais conformado.
    Algumas pessoas são mais propensas à autodestruição. Abreviam a vida por condições genéticas, pelo histórico de problemas e até pelo nível de ajuste e integração social (segundo Durkheim). Pessoas que se sentem abandonadas ou inadequadas frequentemente pensam em suicídio; Pessoas que tem pouca tolerância às frustrações também são acometidas por tais pensamentos. E pessoas que estão enfrentando crises pessoais (dívidas, vícios, doença, depressão, humilhações, problemas com a lei) são mais propensas a pensar em suicídio.
    É difícil julgar quem toma essa decisão. A decisão por si já é difícil. Quem quer se matar experimenta um estado interior chamado de ambivalência. A vontade de viver aparece sempre, naturalmente, resistindo ao desejo de se autodestruir. É triste, mas,...
    Grato pelo texto, e pela oportunidade.

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  2. Arne, tenho lido seus comentários sobre minhas crônicas. Este particularmente me tocou muito.

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