Roberto Rillo Bíscaro
Embora quando se fale em rock progressivo as cenas
britânica e italiana sejam as mais lembradas, não dá pra descartar a
norte-americana, que mesmo não tendo produzido banda-influência modeladora tipo
Yes e Genesis, teve produção underground farta,
ainda que em sua maioria clones, como Starcastle ou Cathedral. A vastidão
territorial, diversidade cultural e dinheiro correndo na parte norte da América
garantiram que até hoje descubramos “novos” grupos, que produziram único álbum
com 500 cópias, ora disponível no Youtube ou nalgum blog especializado em
pérolas prog perdidas.
Mas, a terra do Tio Sam teve sua fatia de estrelato prog
também. O Kansas é o exemplo mais bem-acabado de rock progressivo acessível e altamente
vendável daquelas plagas. Na segunda metade dos 1970’s, venderam muito e
sucessos como Dust In The Wind tocam até hoje em rádios especializadas em Adult
(ou Album, como originariamente) Oriented Rock (AOR), aquela música inventada
nos 70’s para execução nas ascendentes FMs e que se caracteriza por produção
limpíssima, fusão de estilos como hard rock e prog, enfim, a domesticação da
libido roqueira para cidadãos “responsáveis” de meia-idade ou jovens
bem-comportados. O diferencial do Kansas no mar de prog sinfônico de então, foi
calibrar a sisudez britânica de ELP e Yes com sonoridade roqueira do Meio
Oeste, onde se localiza o estado que lhe dá o nome. Álbuns como Leftoverture
(1976) e Point Of Know Return (1977) devem constar da discoteca de qualquer fã
sinfônico e servem de bússola para entender melhor o que seria o rock de arena
oitentista. E olha uma banda prog ianque virando influência modeladora!
A decadência do rock progressivo, saídas e (re)entradas,
egos e hiatos retiraram o grupo do imaginário midiático, embora ainda façam
turnês, ora em conjunto com bandas como Styx e Foreigner, ora sozinhos, como
agora, quando percorrem tudo quanto é cidade pequena, feira agrícola e centros
de arte em seu pais comemorando os 40 anos de Leftovertures e promovendo o
recém-lançado The Prelude Implicit. Com tantas mudanças na formação, compensa
estabelecer quem são os atuais membros: Ronnie Platt (vocal e teclados), Phil
Ehart (bateria e percussão), Billy Greer (baixo e voz), Dave Manion (teclados),
David Ragsdale (violino e guitarra), Zak Rizvi e Richard Williams nas guitarras.
Guitarra dupla dando variedade na textura, outros dois
capazes de pilotar teclados, violino. Muito promissor para fãs de prog
sinfônico. Há que dizer logo, porém: o Kansas de The Prelude Implicit é AOR e
nem na faixa mais longa torna-se sinfônico de verdade. Ser AOR não é defeito,
desde que bem executado e os coroas saíram-se com bela dezena de canções no
estilo. A versão Deluxe tem 2 a mais, mas são covers, que nada acrescentam, se bem que poderiam ter trocado a
instrumental Section 60 pela cover Oh
Shenadoah.
The Prelude Implicit remete aos bons e velhos anos 70/80,
evitando os excessos deste último, como a irritante bateria eletrônica. Isso
não quer dizer produção antiquada, apenas que o Kansas não traz nada apelativo
para as novas gerações; daí talvez o álbum ter passado como poeira ao vento
para a grande mídia. Ronnie Platt estreia bem no vocal, lembrando sem imitar,
uma galeria de cantores de hard e rock de arena. O destaque tem que ir para o
violinista David Ragsdale, que faz miséria em quase todas as faixas.
With This Heart abre com bateria tribal urbana e ostenta
trechos totalmente assobiáveis e que grudam, pelo menos até que viciemos em
ouvir outro álbum. The Prelude Implicit tem mais de um momento assim; bem
agradáveis e que dão vontade de acompanhar. Em Visibility Zero, a guitarra
começa comendo solta, mas logo vira power ballad com solaço de violino. The
Unsung Heroes é acústica balada Bon Joviana, com pegada gospel transubstanciada em anos 50. Rhythm In The Spirit tem riff guitarreiro de espírito rock e órgão
anos 70, mas as pausas para fôlego – que introduzem delicioso refrão grudento –
atestam que é rock bom moço. Refugee é sensível oração acústica que ao mesmo
tempo lembra o clássico da banda, Dust In The Wind, e Skid Row ou símile no fim
dos 80’s.
The Voyage Of Eight Eitghteen deve ter sido planejada
para agradar a remanescente ala de fãs fanáticos por prog sinfônico. É a mais
longa, com 8 minutos e pico, tem mudança de andamento e oportunidade para todo
mundo solar, enfim, canção prog sinfônica-estereótipo até na estrutura. Nenhum
momento é marcante, porém; todo o estoque de melodias lembráveis foi usado em
outras faixas, mais AOR. Na verdade, essa é um AOR mais longo. Não é ruim, mas
não qualifica o Kansas como bom prog. Camouflage tem tom de rock arrastado, a
passo que Summer é rapidinha de estalar dedos, pura diversão início dos anos
80. Crowded Isolation abre com cordas acústicas, vira galope tribal de baixo
até estabilizar-se como power midtempo.
Fazia 16 anos que o Kansas
não lançava material inédito. Não fizeram feio, mas pena que tão pouca gente ouvirá.
Há uns 30 anos, entraria nas paradas com algum single ou mesmo o álbum.
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