DIREITO À VIDA E À MORTE: O QUE DIZ DESMOND TUTU.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Sempre que escrevo alguns textos que podem provocar
debates, trato de enviá-los para amigos, ex-alunos e outros eventuais
interessados. E então recebo retornos bons, alguns entusiasmantes e que
convidam a digressões. Devo dizer, de saída, que nem sempre as ideias se afinam
em conclusões amigáveis ou sequer tangíveis. Pelo contrário, as oposições se
explicitam e isso nos faz críticos e assim melhores cidadãos, mais respeitosos.
Nada como o diálogo instruído e feito no sentido positivo da conversa que busca
esclarecimentos. É verdade que os temas que instigam querelas, ultimamente, têm
sido mais explosivos e partidários, às vezes deprimentes, mas quando se
atravessa o turbulento rio da irracionalidade, pode-se beneficiar com posturas
construtivas e daí decorrer crescimentos que dimensionam mudanças ou
reafirmações. O desagradável é quando o debate se esvazia de conteúdos argumentativos
e tudo se reduz aos inefáveis “eu acho”, “na minha opinião”, ou então quando o
interlocutor se apega a exemplos do tipo “minha tia perdeu o emprego”, “a
vizinha foi ao hospital e não foi atendida”. E como dói ouvir algo que finaliza
com “deu na televisão”, “está nos jornais” “está escrito”. Talvez o pior de
tudo é quando alguém pontifica “é assim que mandam os mandamentos bíblicos”.
Avesso disso, porém, os comentários do meu texto sobre o “direito à morte digna”, ou “morte assistida” mereceram cuidados, reparos, juízos bem situados.
Isso, aliás, justifica a volta ao tema.
Diria que tudo ganhou dimensões ampliadas quando o bispo
emérito da Cidade do Cabo, na África do Sul, o anglicano Desmond Tutu, ao
celebrar seus 85 anos declarou que defende a dignidade na morte. Isso dito por
alguém que em 1984 recebeu o Prêmio Nobel da Paz deu quilate ao assunto. O
jornal “Washington Post” divulgou, com destaque surpreendente, a notícia
anunciando pelas palavras do sábio que ele “sempre lutou pela dignidade dos
vivos”, mas que agora passava a lutar também “pela dignidade na morte”. E são
dele as seguintes palavras “assim como argumentei firmemente pela compaixão e
igualdade em vida, acredito que pessoas com doenças terminais devem ser
tratadas com a mesma compaixão e igualdade quando se trata de suas mortes”.
Isto dito por alguém que tem a autoridade religiosa e o vigor de ter passado bravamente
pelas questões do Apartheid, ganha peso diferente, em particular quando este é
diagnosticado com infecção recorrente, sugerindo agravamentos.
Mas há algo a mais nessa postura, pois há dois anos, o
mesmo religioso publicou em outro jornal, o “The Guardian”, um libelo
exatamente contra a “morte assistida”. O sensível da trama é que o arcebispo
assume ter mudado de postura e se justifica. A reflexão que se faz, pois, vai
além da mera alteração de postura. Muito mais, interessa notar que agora,
doente, o personagem vivencia outra legitimidade. Precisei me valer do
complemento dado pelo admirável bispo para retomar minha proposta. Aproxima-se
o dia dos mortos e o tempo dedicado aos finados é ocasião propícia para a
retomada do assunto em uma chave mais ampla. Temas como luto, dores familiares
por perdas inesperadas, limites de tratamento de doenças, fatalidades ligadas à
saúde em geral, se amarram como polos fulcrais para a redefinição da qualidade
de vida hoje. Algo que muito me surpreende e chama a atenção é a carência de
atualização nas abordagens sobre questões vinculadas à morte e ao comercio
existente nessas passagens. Dentre todas, porém, a mais expressiva falta é
exatamente a que se refere ao ato e participação dos personagens que
inevitavelmente têm que passar pelo crivo do fim. Sinceramente, do fundo do meu
coração: eu gostaria de decidir, no caso de haver escolha, como e quando quero
morrer. E também saúdo a vontade de doar todo e qualquer órgão. O que sobrar,
que vire cinzas. Tomara que persistam memórias. Boas memórias.
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