Roberto Rillo Bíscaro
Há alguns meses, o poeta João Luis dos Santos
surpreendeu-me com o convite para prefaciar seu livro Uns e Outros Versos. Mais
afeito aos textos dramáticos e narrativos, fui convencido pelo amigo com a
seguinte tirada: “Robert, não é pra escrever uma tese; é só um texto de lauda,
lauda e meia”. Como conheço a produção dele desde os anos 80 e gosto como
pessoa, topei o desafio.
Em setembro, Uns e Outros Versos foi lançado pela EditoraScortecci, na Bienal do Livro, com sucesso. Na propaganda do lançamento,
aprendi que o texto de apresentação é do poeta Thiago de Mello. Imagine, eu, “companheiro”
de Thiago num livro? Envaidecido, grato, João!
Dia 28 será o lançamento aqui em Penápolis, na Loja Maçônica.
Outro orgulho: a seleção de textos é de meu amigo de desde os anos 80 e
ex-aluno Renato Costenaro. A organicidade da precisa escolha merece tantas loas
quanto o labor poético de João Luis.
Já que fui incumbido de apresentar o escritor para os
leitores do livro, usarei meu texto em Uns e Outros Versos para apresentar a
obra aos leitores do blog:
Os Entes do Mundo Nosso, primeiro livro de João Luis dos
Santos, foi lançado em 1984. Parceria com o hoje historiador Antônio Carlos
Duarte de Carvalho, os poemas ainda adolescentes mostravam características
perenes na vida e obra do autor: engajamento social e preocupação com o burilar
da palavra; ourivesaria consequente, nada que ver com aquela alienada do
Parnaso ou com um simples manipular de léxico-LEGO para fazer gracinha erudita
Concreta.
João foi ser professor, mestre literato. João foi ser
prefeito de sua amada Penápolis. Habita em dois planos que parecem tão
díspares: o idealizado Mundo das Letras, que tantos desavisados querem
desgrudado do “Real” e o vilificado cenário político, que por mau exemplo de
alguns – até metidos a escritores, só que ruins – parece incompatível com a
poesia. João Luis conectou os dois, trazendo conteúdo sócio-histórico para sua
poesia e boa poesia para sua política, com seu jeito manso e conciliador.
Enquanto lia Uns e Outros Versos, repetidamente me vinha
à cabeça a famosa epígrafe de E. M. Forster no romance Howard’s End: only connect. O escritor inglês
ressaltava a importância moral da ligação entre os indivíduos, transpondo
barreiras de classe, etnia, gênero e o que mais fosse. Conector de esferas por
natureza, Joao Luis dos Santos (e também de nós pobres pecadores mortais)
continua sua lida de engajamento social e amor às palavras.
Conexão, ligação, irmandade. A produção poética de João
Luis dos Santos explora ou tangencia tais ideais. A Ponte liga os entes do mundo nosso separados por tantos motivos,
mas há um que no final nos irmana a todos: Somos
Todos Africanos. A Amiga Saudade dói, mas conecta memórias; os
metropolitanos Sentindo a Garoa têm
pressa de ir para seus lares, porque querem a intimidade familiar.
Ao nos mostrar seu Autorretrato
Escrito Quase Falado, admite ser da cidade e do campo. É essa bipolaridade
conectiva que lhe permite detectar a simbiose entre Homem e Natureza na Arrumação que coroa o campo para a
plantação.
Curioso por conhecer cada palmo de Nosso Chão – com destaque para o pronome pessoal no plural – João
Luis comemora a progressiva união dos Afropenapolenses
às demais etnias constituintes de sua sempre versejada Penápolis. APAExonado por balancear diferenças, o
poeta celebra as distintas formas de ser, ver, ouvir, sentir e enxergar a vida.
Retrato
Três Por Quatro conecta o João Luis do passado ao atual
senhor de meia-idade conservado. Um não excluiu ou matou o outro, afinal são
distintos, mas são o mesmo. Dois Joões em um; um João em dois. A mesma
habilidade de quando jovem para des/reconstruir o léxico, sapequeando com as
palavras, agora com mais maturidade e profundidade; mais do mesmo no bom
sentido, mas diferente.
Dividido em duas partes, a primeira de poemas mais longos
e a segunda de experiências mais vanguardistas, concretas de poema-piada, a
coesão de Uns e Outros Versos está na
qualidade do labor poético de burilação das palavras, preciosas poeticamente e
relevantes socialmente.
Roberto Rillo
Bíscaro
Penápolis, 22 de abril de 2016.
João Luis liberou alguns poemas para reprodução no blog:
Arruação (João
Luis dos Santos)
As mãos
calejadas
seguram firmes a
enxada o
arado a
marmita o
facão.
Antes de o sol
nascer a
labuta contínua
coloca ordem na
plantação:
Simetria
do homem na
natureza feita uma
coroação
nos pés de
café
cana
milho
algodão.
Somos todos africanos (João
Luis dos Santos)
Qual é a cor dos seus sonhos?
Seu sangue, qual a cor?
Você tem quantos corações?
Quantos cérebros você tem?
Talvez os seus sonhos sejam diferentes dos
meus.
Os seus sentimentos, talvez, sejam
diversos dos meus.
As suas crenças, distintas das minhas,
talvez.
A tonalidade de sua pele,
a cor dos seus olhos,
a textura de seus cabelos,
o formato de seu nariz, do seu corpo.
Quantas dessemelhanças em relação a mim!
Sim, somos díspares,
há uma diversidade entre nós.
Somos frutos de diversa cultura,
diversas árvores lógicas,
formatados em lutas e esperanças.
Mas também somos
muitos iguais nessa vida:
se a gente puxar bem todo o fio da meada,
do começo ao fim, pouco ou muito,
é fatal e ninguém pode mudar,
todos somos
somos todos
africanos.
Som
(João Luis dos Santos)
Não
sei
se
soul
ou
se
jazz.
Uns e Outros Versos pode ser adquirido na loja virtual da Scortecci e em livrarias como a Cultura. Recomendo.
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