Roberto Rillo Bíscaro
Impensável desperceber que Krøniken (2004-7) pretendeu
pegar o fio da história da Dinamarca contemporânea de onde Matador largara. A
última termina em 1947 e os 22 episódios de Krøniken vão de 1949 a 1974. Isto
posto, também é inegável a superioridade de Matador, embora Krøniken não seja
ruim. Mas, o roteiro é menos sutil que o clássico em nível mundial da TV
dinamarquesa.
Em 1949, a provinciana Ida Nørregaard chega a Copenhague para
estudar. Ela faria o tradicional curso de Economia Doméstica para agradar o
pai, mas no fundo queria a escola noturna de nível secundário, então pensava em
cursar ambos. Diante da regra de poder apenas escolher um, Ida segue sua vontade
e passa a frequentar a escola de noite, sem apoio do conservador papi. Arruma
emprego como secretária numa grande fábrica de rádios e moradia com a comunista
Karen, vizinha do socialdemocrata Børge e seu filho Palle. Nos próximos 25
anos, assistiremos às interações desses núcleos – incluindo a família do
proprietário da empresa, ou você achava que Ida fica só como secretária lá? –
temperadas com suas conflitantes posições políticas, ao passo que de modo mais
geral, temos um panorama da instalação da TV no pequeno país europeu e da
experiência do estado do bem estar social, uma vez que uma das personagens é o
primeiro-ministro Jens Otto Krag (o onipresente Lars Mikklesen).
Um dos dados que inibem Krøniken de atingir as alturas de
Matador é que não disfarça muito bem seu caráter de loa ao partido
socialdemocrata. Outro é que o caráter de folhetim permeia mais do que em sua
antecessora. Ao final de Krøniken, a personagem “malvada” é punida com a
solidão empedrada dum AVC num ato bem de “pagar pelo mal cometido à mocinha da
trama”. Ainda que se goste de traços de soap,
também há que se reconhecer a falta de sutileza.
O apontado não deveria, todavia, impedir que você
buscasse ver essa série. A produção é puro capricho e temos esboço de como essa
Dinamarca idealizada como fosso de liberalidade veio se formando mentalmente.
As mulheres reclamam do machismo o tempo todo, aprendemos como a coroação da
inglesa Elizabeth alavancou a instalação da televisão na Escandinávia. Certo
que os conflitos pessoais são prevalentes, mas a crescente americanização duma
cultura não passa batida.
Tomara que a TV
dinamarquesa não demore pra fazer outro passeio por décadas, começando dos 70’s
e vindo até hoje. Considerando-se o tempo diegético de Matador e Krøniken, já
dá pra fazer.
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