terça-feira, 18 de outubro de 2016

TELINHA QUENTE 234

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Roberto Rillo Bíscaro

O estouro global de Downton Abbey empoderou o roteirista Julian Fellowes. Apaixonado por Anthony Trollope, apresentou à ITV uma adaptação de Doctor Thorne, terceiro romance das Crônicas de Barsetshire, publicado em 1858. A etiqueta Fellowes e a ambientação em suntuosas propriedades no campo inglês garantiriam exportação automática, então, o roteiro defeituoso deve ter sido aceito sem muito critério e em março os 3 desajeitados capítulos de Doctor Thorne foram ao ar.
Fellowes não é genial, prova disso é que a graciosa Downton Abbey foi bem irregular; leitores podem checar aqui, minhas resenhas, onde reclamava da morosidade de algumas temporadas ou da falta de serventia de personagens. A adaptação do alentado romance do prolífico Trollope padece de roteiro irregular, que não se decide se é drama ou sátira; pelo atropelo e por revelar dado crucial cedo demais.
Mary Thorne foi criada pelo médico da vila, o Doctor Thorne do título, e desfrutava da proteção da família Gresham. Isso acaba quando fica patente que ela e o herdeiro Frank estão apaixonados: os Gresham estão endividados e Frank precisava casar por dinheiro e não por amor, ainda mais que Mary tinha origem obscura. Lady Arabella Gresham e a Condessa de Courcy coagem Mary ao ostracismo social e a abrir mão de seu amor por Frank, “pelo bem dos Gresham”. Mas, Mary tem um segredo deliciosamente folhetinesco, revelado ao fim do primeiro episódio, que já nos deixa saber o final da história. Talvez não houvesse problema se tudo tivesse sido conduzido com mais competência, mas, intuída a conclusão, resta pouco a Doctor Thorne.
A minissérie não decide se é drama ou comédia de costume; cenas dramáticas são pontuadas por insistente trilha-sonora cômica, uma coisa cancelando a outra. Doutor Thorne nomeia a história, mas é apagado a maior parte do tempo. Mary e Frank não convencem como apaixonados; o problema nem deve ser dos atores, mas do roteiro diluto.
Doctor Thorne não é destituída de atrativos, porém. Rebecca Front rouba a cena e lacra como Lady Arabella Gresham. Só ela e Countess de Courcy com sua cara de entojada já valem pra anglófilos. Trollope éa versão hardcore de Jane Austen: o mercado matrimonial é retratado darwinisticamente como guerra de sobrevivência do mais forte, daí, vale tudo, especialmente coerção nervosa. Lady Gresham impera, amei demais!
Só recomendo Doctor Thorne pra quem ama séries ambientadas em vastas propriedades (uma delas deixa Downton no chão, fiquei passado!), com aquele sotacão inglês idealizado e golpe de novelão, ainda que aqui ele ocorra cedo demais, mas, mesmo assim, quando Lady Arabella descobre a verdade (que barbeiragem, não vemos a reação, apenas ouvimos!), é deliciosa a hipocrisia com que conduz tudo.
Doctor Thorne deveria se chamar Lady Arabella Gresham.

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