A guia turística espantou-se quando mencionei minisséries
islandesas, durante visita à ilha. São apenas 300 mil habitantes; eles não
esperam que conheçamos mais que Bjork, mas parece que canal pago brasuca já
exibiu O Penhasco. De qualquer modo, é uma TV muito desconhecida mesmo. Além
d’O Penhasco, resenhei 2 temporadas de Pressa.
Quando a BBC exibiu os 10 capítulos de Trapped (em
islandês é Ófærð), a partir de fevereiro deste ano, deve ter impulsionado como
nunca o interesse pelo país e sua TV. Trapped marcou a entrada em grande estilo
da Islândia na liga de geradoras de densas tramas Nordic Noir. E jogaram
pesado: o idealizador é ninguém menos que o diretor de cine mais famoso da
ilha, Baltasar Kormákur, que tanto dirige filmes locais, como O Sobrevivente,
mas também blockbusters, tipo
Evereste. Ele não dirigiu a maioria dos episódios, mas seu prestigioso nome
ajudou deveras.
No rigoroso inverno do norte islandês, numa aldeia no
meio de lugar nenhum (pra usar termos do roteiro), um ferry chega da Dinamarca e simultaneamente um torso esfaqueado é
encontrado. Como o assassino pode estar no navio, todo mundo é confinado no
vilarejo pesqueiro. Pra piorar, uma tempestade de neve bloqueia as estradas,
daí o título, algo como Encurralado. Os passageiros, tripulação e locais estão
isolados e com um assassino a solta. Mas, será que todo o mal veio de alhures
ou a pasmaceira aldeã esconde rede de ruindade nervosa? Nem precisa ser experto
em thriller psicológico pra saber a
resposta.
Trapped tem avalanche, incêndio, ganância, tráfico de
mulheres, violência doméstica, vingança e efeitos da bancarrota do final da
década passada, quando a Islândia faliu. O encurralamento não é apenas
geográfico, mas também psicológico: é muita gente que não consegue escapar do
passado, de relacionamentos viciados. O tom reservado dos escandinavos e a
ambientação fazem de Trapped hipnótica bola de neve que cresce aos poucos e te
acerta em cheio em sua incessante depressão. Dá frio psicológico em pleno calor
tropical.
A cidadezinha gelada que quer se inserir no mundo global,
mas esconde neuroses mil fatalmente remete a Fortitude, tentativa britânica de
Nordic Noir. Enquanto a aldeia polar planejava um hotel de/no gelo, em Trapped
há um porto que serviria pra rota comercial China-EUA. O que Fortitude forçou a
barra pra ser, Trapped é sem esforço aparente. A série inglesa quis ser
maluquete à Lynch/Cronemberg, mas jamais causa empatia, ao passo que em Trapped
há muita doideira subjacente, mas sem tentativa de ostentar. Ambas me deixaram
frio; a inglesa no sentido pejorativo; a islandesa como consequência de todos
os elementos invernais armados pra congelar a espinha da gente.
Encabeçando o elenco, Ólafur Darri Ólafsson, favorito de
Kormákur, como o policial tristonho transferido da capital pro interior, por
haver cometido erro. A carona do casmurro grandão, encapotado pelo cortante
frio, conquista a simpatia logo. O rol de escolhas obviamente não é extenso em
país tão diminuto, então os familiarizados com cine e TV islandesas
reconhecerão muitas fisionomias, embora pra nós os nomes sejam esquisitos. Nína
Dögg Filippusdóttir, que já teve até resenha-dobradinha no blog; Ingvar Eggert
Sigurðsson, de Málmhaus e até o dinamarquês Bjarne Henriksen (que barrigudo!)
estão lá. A grata descoberta pra mim foi de Ilmur Kristjánsdóttir, como a
policial Hinrika; amei.
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