Roberto Rillo Bíscaro
2016 tem sido generoso para fãs de rock progressivo, com
excelentes lançamentos de veteranos como Jon Anderson, grupos de longevidade
intermediária como o Big Big Train e de promessas como o Paradigm Shift. Novembro
pare outro grande álbum: The Similitude Of a Dream (TSOAD), segundo da The Neal Morse Band, formada por Neal Morse (guitarras, teclados e vocais), Mike Portnoy
(bateria e vocais), Randy George (baixo e vocais), Eric Gillette (guitarras e
vocais) e Bill Hubauer (teclados e vocais).
Por terem pertencido a bandas famosas em seus nichos –
Morse, às prog Spock’s Beard e Transatlantic e Portnoy à prog-metálica Dream
Theater – TSOAD era aguardado com inquietação, aquilatada quando o baterista
bombasticamente afirmou que o álbum era perfeito em todos os sentidos e
ultrapassava as 2 obras-primas das quais participara: Scenes From a Memory, do
Dream Theater e The Whirlwind, do Transatlantic. Descontado o costumeiro exagero
de Portnoy – se The Whirlwind é obra-prima, Close To The Edge é o quê? Bíblia
Sagrada? – TSOAD é excelente, praticamente sem gordura e livre de vinhetas-enchem-o-saco.
E isso não é pouco, para um CD duplo, de 23 canções, que dura mais de hora e
quarenta.
Neal Morse não perde oportunidade de pregar sua fé
religiosa e encontrou no autor britânico John Bunyan veículo perfeito. TSOAD é
conceitual, baseado no influente The Pilgrim's Progress From This World To That
Which Is To Come; Delivered Under The Similitude of a Dream (1678). Conhecido
simplesmente como The Pilgrim’s Progress essa alegoria cristã narra a trajetória
de um homem comum, Christian, que vai da Cidade da Destruição (nosso mundo)
para a Cidade Celestial (O Paraíso).
O vibrante álbum não dá conta de todo o alento da obra,
mas parte da trajetória está lá, cantada por todos os membros da banda. Essa
alternância vocal, aliada à perícia musical de todos dão enorme vantagem à The
Neal Morse Band. Quando isso é combinado com composições inspiradas e bem
arranjadas e dispostas, o resultado é alta qualidade.
A curta Long Day começa a jornada, estabelecendo o leitmotiv temático e musical. O narrador
diz que apesar de ter sido um dia exaustivo, tem que viajar, porque sua vida
não está boa. Antes de ser reprisada no encerramento do álbum-viagem, a melodia
reaparece em diversos momentos, especialmente a partir da lenta Sloth, no
segundo disco, preparando a narrativa para sua conclusão.
Dado o passo primeiro, entra a esfuziante Overture, instrumental
pra fã nenhum de prog sinfônico botar defeito. Neal Morse ser guitarrista e
tecladista talvez explique o equilíbrio entre os dois instrumentos, que
disputam o favoritismo de muitos prog-adictos. Sou da facção que prefere
corredeiras e cascatas de teclados e TSOAD proporciona momentos assim, bem como
ótimos solos de guitarra. Na Overture isso já está codificado.
TSOAD nunca cai na mesmice: quando a semilonga Breath Of
Angels ameaça começar a encher, entra coro feminino gospel à Pink Floyd, solo
de guitarra e orquestra. O álbum vai de momentos quase pastorais a quase prog
metal. We Have Got To Go vai de AOR à Extreme a solaço de teclado à Tony Banks,
fase início dos 80’s. The Neal Morse Band não copia essa ou aquela
banda-madrinha do prog rock, mas certamente traz elementos de quase todas as
bem-sucedidas comercialmente. Veja se Slave To Your Mind não lembra Genesis e
The Who tocando em Thick As A Brick. Aliás, I’m Running, é bem Who. The Neal
Morse Band conhece a tradição à qual pertence. The Ways Of a Fool é um primor
de harmonias vocais à Beach Boys e melodia Beatles, aquele Pop-Hall
popularizado pelos históricos britânicos. Difícil resistir e não cantarolar,
estalar dedos, bater pé ou repetir o oooh oooh oooooh. Freedom Song tem
entonação guitarrística country; The Man In The Iron Cage é blues rock pra
metaleiro macho cantar batendo o cabelo (ui!) e Shortcut To Salvation
orgulharia Elton John nos anos 70, com sax e tudo.
The Mask inicia com piano
clássico pra abrir a seção de encerramento da peregrinação, que passa por
momentos céleres até culminar nos quase 10 minutos de Broken Sky – Long Day
Reprise, que ao contrário da Overture, é lenta e solene; afinal Morse nos
mostra a luz divina e isso requer clima semicontrito de louvor.
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