A COR DA CULTURA BRASILEIRA: entre o preto e o negro.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Atualmente, muito se tem falado sobre questões afeitas ao
racismo e preconceitos no Brasil, em particular em vista de manifestações
discriminatórias marcadas pela cor da pele. Agora, mais do que nunca, o tema se
faz importante e necessário, em vista de casos que beiram a fronteira do
inacreditável, envolvendo a população comum e até celebridades. E isso é um
tanto histórico, plasmado em nosso inconsciente cultural. Lembremo-nos, à guisa
de introdução, que demorou mais de 60 anos desde a Abolição da Escravatura, em
1888, até que, em 1951, fosse promulgada a Leia Afonso Arinos – que, pela vez
primeira, criminalizava atos excludentes de negros. Felizmente, contudo,
caminhamos para a reversão dessas atitudes que, afinal, se expressam como
espécie de avesso compensatório da demanda reprimida, do inexplicável silêncio
e da manutenção de práticas inadequadas. Sim, é inegável que toda euforia
verborrágica em favor dos negros provoca alguns exageros na abordagem do tema,
e, nessa linha, um dos mais expressivos desvios passa pela cobrança de
argumentos legitimados em outras épocas que são aferidos com valores de hoje. O
mais exuberante exemplo remete a Monteiro Lobato que, de acordo com os pressupostos
vigentes em seu tempo, referia-se aos negros de maneira coerente com os
costumes da época, mas que, perfilado nos dias de hoje se mostrariam negativos,
preconceituosos. Em termos técnicos é conhecido como anacronismo, ou seja, algo
visto fora de seu tempo.
A par de comentários diagnósticos, precisamos ver como se
constituíram os ingredientes que hoje motivam pechas correntes em nosso
vocabulário cotidiano. Notemos, por exemplo, que é comum dizer que alguém em
desgraça tem sorte negra e que pessoas
que erraram têm passado negro e
carregam em suas vidas manchas negras.
E cor da morte qual é mesmo? E a da miséria, da doença, da dor e da fome, não é
negra? O que significamos quando fazemos uma “lista negra”? É assim que na cultura em geral, no linguajar do dia
a dia, proliferam circunstâncias que dimensionam impressões que vão do clima até
economia, passando por temperamentos e atos místicos: nuvens negras, dia negro, humor negro, magia negra, página negra, câmbio
negro, mercado negro, ovelha negra, humor negro. É incrível, mas até mesmo sangue negro serve de referência à cor
da pele.
É interessante notar que há diferença entre o uso de preto e negro. Isso, aliás, é muito cultural, e difícil de explicar para
estrangeiros. Mas, mesmo para nós brasileiros presidem muitas sutilezas que
demandam cuidados especiais, pois uma coisa é dizer que alguém é preto e outra que é negro. Muito depende do tom da fala, mas, ao mesmo tempo, nem tudo
se explica pela garantia da palavra expressa. Muito remete a gestos, olhares e
até mesmo a movimentos corporais. Tudo depende do contexto, é verdade, e isso
exige também apuro quando a referência é positiva, pois há expressões que
qualificam dubiamente os casos: café ou chá pretos,
carros também; as mulheres sabem que é sempre elegante usar os famosos pretinhos básicos. E o que dizer de custar
ou ganhar uma “grana preta”?
Situações existem em que se prezam afetos e então
adocicam-se termos como moreninho, escurinho, marronzinho. O diminutivo,
contudo, não alivia muito quando se traduz a referência para a vida de uma
cultura que se diz democraticamente liberta de preconceitos, mas que, na
prática... na prática ou é preta ou negra.
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