Roberto Rillo Bíscaro
(Sugiro a leitura da resenha das 2 primeiras temporadas
pra melhor contextualizar o show)
Os mordazes comentários de Charlie Brooker a respeito do
cenário social pós-moderno insidiosamente tornaram-se sucesso cult. As 2 curtas temporadas de Black
Mirror exibidas pelo Channel 4 não tiveram o alarde reservado a séries bem
inferiores, mas conquistaram gente certa nos lugares corretos. Um dos
resultados é que o inglês foi convidado pra transferir seu circo de horrores sci fi pra badalada e
bem-dotada-orçamentariamente Netflix. Dia 21 de outubro, a plataforma liberou a
meia dúzia de episódios da temporada 3. Mais dinheiro e dedo corporativo norte-americano
não comprometeram a alta qualidade e independência de ideias de Brooker, que
por vezes atinge o genial.
Ao contrário da série 1, que começava com episódio tão
estupendo a ponto de ofuscar o que veio adiante, essa encarnação abre com um dos
mais fracos, o que no universo Brooker significa um bom episódio. Sente o nível
de Black Mirror! Nosedive se passa num futuro não muito distante, onde as
pessoas são ranqueadas por sistema não diferente dos atuais “curtir” das redes
sociais. Quanto mais alta sua popularidade, mais status e direitos você possui
nesse mundo onde a boa educação e finesse são artificialmente atingidas, porque
quase todo mundo é falso, a fim de obter mais estrelinhas nos onipresentes celulares.
Lacie é a protagonista sempre vestida de rosa ou tons pastel que vive com seu
celu em punho e pauta sua existência em função da avaliação dos outros. A ideia
é padrão Brooker, mas quando a moça mergulha no inferno da reprovação social e
da lama, algo da originalidade se esvai (tem hora que lembra até filme do Steve
Martin), além de uma provável inconsistência na psicologia das personagens do
meio social onde habita uma falsa amiga de Lacie. Duvido que eles não
reprovariam a patricinha por ser amiga da enlameada e boca-suja Lacie. Pensando
bem, a companhia aérea também não deixaria os passageiros do voo cancelado
assim sem eira ou beira por medo de avaliações negativas.
Em termos de sensibilidade, o campeão é o impressionante
San Junipero, que além disso é essencial pra oitentistas maníacos. Trata-se de
história de amor entre 2 mulheres, cuja reviravolta na trama e as implicações
provenientes são comida pra discussões que vão de filosofia ao suicídio assistido. Men Against Fire tem a típica linguagem dos filmes de guerra. Esse é
um dos muitos pontos fortes de Charlie Brooker: saltitar de subgênero a outro
pra inserir suas ideias instigantes de ficção-científica ou/e horror (mais
frequentemente e). Militares são fanáticos em exterminar humanos anomalizados
geneticamente, conhecidos como “roaches”, diminutivo em inglês pra baratas
(cockroaches). Ano passado uma articulista britânica chamou imigrantes de cockroaches e disse que ao invés de
barcos de resgate, navios de guerra deveriam ser usados pra acabar com os
ilegais. A plot twist é algo
previsível, mas também abre pra discussões sobre manipulação. Nossa, será que o
Michael Kelly, de House Of Cards, não faz papel simpático?!
Meus favoritos foram os episódios 2,3 e 6. Playtest usa
convenções dos filmes de casa mal-assombrada, mas imagina as aparições como
projeções de realidade virtual, a partir dum chip implantado na cabeça dum jovem edipiano e medroso de aranhas
(Freud e Raul Seixas explicam). Tenso e dá sustos. Uma série de “TV” consegue
ser melhor do que qualquer filme de terror que vi este ano. Shut Up And Dance
tem algo a ver com o brilhante episódio inicial da temporada 1, porque trata de
chantagem, mas desenvolve o tema pra atingir uma rede, coagida por ter feito
“coisa feia” na rede mundial de computadores. Um episódio que não dá trégua no
pessimismo e cinzentice. Hated In The Nation tem duração de longa-metragem e
mistura história de detetive com cine catástrofe. Esses 2 subgêneros são
magistralmente ligados por um tema ecológico, então o assassino du jur é maciço, numeroso e tecnologicamente
criado. Um arraso e o final ainda dá tchauzinho pra Silêncio dos Inocentes
(1991).
Ao que tudo indica, uma
quarta temporada com mais 6 histórias está garantida. É torcer pro cérebro de
Charlie Brooker ainda conter imaginação pra mais visões assustadoras da
contemporaneidade.
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