Roberto Rillo Bíscaro
Nenhuma família captura a imaginação e curiosidade como a
da realeza britânica, uma soap opera
da vida real. Fonte de gastos, mas também de renda pra outrora poderosa
Inglaterra, os Royals são capitaneados por Elizabeth II desde 1952, década
quando o Império desmoronava, a inflação era alta e o smog matou milhares em Londres, em 2 ou 3 dias. Tudo isso é
tematizado perifericamente na primeira temporada de The Crown, cujos 10 episódios
a Netflix liberou dia 4 de novembro. Caracteristicamente nessas representações,
ficamos mais interessados sobre quem será o futuro secretário particular de Sua
Majestade. E tem que ser assim, porque Lilibeth não tem poder pra lidar com a
inflação; ela não governa; o Primeiro-Ministro governa pra ela.
Filha do Rei George VI – o do Discurso do Rei – Elizabeth
só se tornou monarca, porque seu tio abdicou do trono pra casar com uma
divorciada ianque. No complexo labirinto protocolar da nobreza isso não é pouca
coisa. Elizabeth foi catapultada duma situação de anonimato pra sucessora direta,
significando que seria a chefona da Casa de Windsor. Teria que sacrificar sua
vida e identidade pessoais em função do cargo de Rainha da monarquia mais
famosa do planeta. O que sentia, pensava ou acreditava como indivíduo tinha que
ser anulado em função da tradição e do mais adequado pra nação, constituição, igreja
anglicana. Teria que aprender a demonstrar nada, a não opinar e engolir o
grande sapo de não ter autonomia sequer pra eleger seu secretário pessoal
favorito.
É esse processo de aprendizagem que o roteiro de Peter
Morgan – o mesmo d’A Rainha (2006) – reitera. Por não poder agir livremente,
Elizabeth II é péssima personagem dramática, que necessita de emancipação pra
poder agir como bem entenda, ou pelo menos dar a ilusão de que é como bem
entenda. Presa a convenções e tradições e andando na corda b(o)amba – pra que
serve a Monarquia, efetivamente? – a monarca ainda por cima nem pode dar muita
vazão ao que sente. Pesadelo prum roteirista, mas é por isso que Morgan batizou
a série de A Coroa e não de Elizabeth II. A personagem central é a Monarquia;
todas as pessoas em função dela são instrumentos pra sua manutenção. Com pompa
e circunstância, a Monarquia reifica tudo.
A Princesa Margareth não pôde casar com quem quis e nem
sua irmã pôde sancionar o casamento. Se o fizesse correria o risco de destruir
a Monarquia. The Crown é bastante respeitosa e reiterativa com relação a isso e
cabe ao espectador pensar que Margareth poderia ter largado os privilégios de
ser Real, como seu tio o fez. Difícil, mas é uma sinuca de bico diferente do
que ser uma mulher pobre no interior da Síria sob constante ataque.
Caso não se queira imaginar que algumas daquelas vidas
poderiam ser distintas, resta mergulhar no brutal mundo do decoro e polidez
palacianos e desfrutar da requintada produção, que não poupou verba. Tudo é
irretocável; do vestuário à louça. Fãs de The Queen reconhecerão várias cenas
semelhantes em locação e o turismo pra Escócia provavelmente subirá. No elenco,
John Lithgow – Royal Family e Lithgow, eu tinha que passar à frente de tudo,
né? –, enoooorme como Churchill (mas é tudo de mentira), Eileen Atkins, como
Queen Mary e mais um monte de gente ótima.
Tomara que faça sucesso, porque a Netflix planeja 6
temporadas.
Já tem lugar garantido na
minha lista de melhores do segundo semestre de 2016.
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