Roberto Rillo Bíscaro
Outro dia, liguei a Netflix, fui à categoria séries e vi
o título Paranoid. Como aprecio horror, suspense, histórias de detetive,
cliquei pra ler a sinopse e gostei. Botei o capítulo 1 e quase de imediato
supus que era britânica. Não demorou a confirmação: bastou a primeira
personagem abrir a boca. A essa altura já não mais segurava o controle-remoto e
em menos de 10 minutos mergulhara no mistério de quem esfaqueara a mãe no
parquinho cheio de crianças e outros pais. Mas, isso é a pontinha do iceberg. Paranoid é uma minissérie em 8
capítulos, exibida entre setembro e novembro pela ITV, em coprodução com a
Alemanha e provavelmente com a Netflix, porque o serviço de streaming a chama de “original Netflix”.
Logo no capítulo inicial, a história já se ramifica pra
Dusseldorf e pouco depois um grande thriller
de conspiração é montado, envolvendo megacorporação farmacêutica, profissionais
de saúde corruptos, mãe mitomaníaca e até uma Quaker (eles ainda existem!) numa
trama envolvente, ainda que deliciosamente inverossímil. Embora sombrio,
Paranoid não é construído do mesmo material niilista de conterrâneos como Happy Valley, Hinterland ou Broadchurch, basta comparar os finais. O diferencial da
série é a construção do par central de detetives e o preço pago por se
desviarem da convenção do policial atormentado, também presente em Paranoid.
O roteirista Bill Gallagher colocou uma trinca de
policiais pra resolver o caso e não o costumeiro par. Nina Suresh e Alec
Wayfield são a atraente dupla de tiras sarados a frente do mistério.
Competentes profissionalmente, são bastante infantis e falíveis no privado. Ele
é filhinho da mamãe; garotão ainda na mamadeira. Nina beira o bullying com os companheiros para
minutos depois aparecer supercompreensiva com o pai duma vítima. Sua
insegurança e comentários infantis, contrastados com sua destreza ao lidar com
seu ofício, sem dúvida, tornam-na mais multidimensionalmente humana. Mas, será
que é isso que queremos de um par de policiais que precisa consertar o mundo,
restaurar a ordem pra que vivamos em paz? Na maior parte do tempo, Nina irrita
e Alec não fede nem cheira.
O terceiro é o arquétipo do investigador desiludido,
atormentado e doente. Bobby Day é o cinquentão calvo com ataques cada vez mais
agudos de pânico. Ele também tem sua vida particular destroçada, mas é em quem,
em última análise, podemos confiar, porque não é um adolescente com um
distintivo; é o cara que segue ao pé da letra o beabá da cartilha dos policiais
desde o cine noir. É o que, mesmo fragilizado, coloca um par de dedos nas
têmporas e diz que não descansará até pegar o criminoso, enquanto suas mãos
tremem segurando o frasco de antidepressivos. Bobby Day é aquele que sacrifica
sua própria sanidade e saúde pra nos proteger. Dá impressão que Nina e Alec
estão ali mais porque são mais comercialmente atraentes do que o maduro Bobby
Day. Mas, Robert Glenister rouba todas as cenas e engole Indira Varma e Dino
Fetscher, cujas personagens se dariam melhor numa comédia romântica. Note de
quem é a última cena e como Bobby Day cresce ao longo dos capítulos pra
perceber como a fuga da convenção do policial atormentado não deu certo. É ele
quem segura a parte realmente policial de Paranoid.
Outro ponto discutível é a representação dos detetives
alemães. Percebe-se a mesma tentativa de construí-los como “gente como a
gente”, o que os faz parecer idiotas boa parte da história. Linda Felber é
inacreditavelmente tola, quando conversando com seus colegas britânicos. E o
que dizer de quando apresenta o parceiro a Bobby Day?: “este é o fulano; ele é
gay”. Come the fuck on! Considerando-se que o show é predominantemente anglófilo, dá até sensação de
paternalismo. Até parece que os eficientes germânicos são tão despachados e
bobinhos assim. Mas, quando o passado dá um soco no estômago de Linda, daí ela
engata na convenção e se torna policial eficaz. E quem alerta o espectador para
que confie em Linda? Bobby Day, claro.
Esse abalo sísmico formal não destrói Paranoid. Pelo
contrário. Porque a trama é bem urdida, ver o feroz embate entre diferentes
convenções de personagens foi uma das experiências mais fascinantes deste
semestre. Amei a série, amei o triunfo do enrugado Bobby Day sobre seus
parceiros tão bonequinhos. Bem feito.
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