Roberto Rillo Bíscaro
Imigração e tráfico de mulheres têm sido temas
recorrentes em filmes e séries europeus a ponto de já se poder elaborar
compêndio a respeito. Correlata a esses fenômenos globalizantes, está a questão
da adoção de crianças de países periféricos por pais de nações abastadas. Isso
envolve temas polêmicos como a transformação do corpo em mercadoria e a
rapinagem de centros afluentes sobre seus congêneres pobres (afinal, por que
franceses normalmente não compram crianças de orfanatos dinamarqueses?), além
de pontos, tipo, como negar que bons pais ingleses proporcionarão futuro com
mais chances do que nenhum pai em Uganda?
La Adopción (2015), baseado em experiências da diretora Daniela
Féjerman, na Ucrânia, não se propõe a abordar macroquestões; apenas numa
discussão entre personagens a intermediária lituana (provavelmente) joga na
cara do casal espanhol, que estes se aproveitam da pobreza do país pra
comprarem suas crianças. Ao invés disso, oferece em tom quase documental, uma
visão da agonia que o processo de adoção pode se tornar para pais de classe
média europeus ocidentais que vão pro empobrecido leste e caem na teia de
burocracia e corrupção.
Daniel e Natália (Francesc Garrido e Nora Navas, ótimos,
especialmente ela) vão a um país do leste europeu ou ex-república soviética pra
adotar um bebê. Há breve menção à Lituânia, então pode ser lá. Sob o intenso
frio e neve das festas de fim de ano, logo de início intuímos que a jornada
será odisseia hercúlea (porque sem direção), quando ainda no aeroporto as malas
do casal são extraviadas propositalmente. Quando começam as intermináveis e
frustrantes audiências com autoridades locais, o casal se dá conta de que terá
que desembolsar mais euros do que imaginava, além de enfrentar o estresse de
estar longe de casa, num local onde não fala o idioma.
Problemático pela generalização do que não é ocidental e
pelo tempo todo se referir ao local como corrupto, ao mesmo tempo em que mostra
Dani e Natália molhando mãos de locais com euros, La Adopción tem seu ponto
positivo especialmente na força e realismo com que nos faz compartilhar com o
casal a sensação de impotência e de estar isolado, perdido. A chapante e
chapada brancura da neve, a desorientação de diversos idiomas misturados [espanhol,
inglês, italiano e lituano (?)], o frio intenso e a dubiedade dos autóctones
nos deixam tão desorientados quanto os simpáticos Natália e Dani. Como a
película é narrada sob o ponto de vista deles, a questão da percepção do meio
como corrupto até se entende.
Tópicos como o relacionamento difícil com o pai médico,
que não levam a lugar algum, poderiam ter sido trocados em favor de nuançar um
bocado mais a situação, afinal, se a população local é tão propensa a aceitar
propina pode ter motivos tão válidos quanto o dos estrangeiros lá comprando as
crianças feito bonecos, mesmo que seja pra lhes proporcionar amor e vida
melhor.
Não dá muito mais pra
reclamar da inacessibilidade dalguns filmes resenhados no blog. Vi La Adopción
via Netflix, superuniversal em lares da classe média.
Nenhum comentário:
Postar um comentário