Buckingham Abbey
Roberto Rillo Bíscaro
O segundo semestre de 2016 tem sido das rainhas inglesas.
A contemporânea Elizabeth II teve sua The Crown espalhafatosamente adicionada
ao catálogo da Netflix, no início de novembro. Com menos alarde internacional,
a ITV exibiu os 8 episódios iniciais de Victoria, entre agosto e outubro. Com
especial de Natal gravado e promessa de segunda temporada, a primeira foi da
ascensão ao trono ao primeiro parto. Vitorianos podiam ser recatados e fixados
em morte, mas sua rainha pariu nove vidas. Príncipe Albert não negava fogo.
O longo reinado de Vitória é um dos mais simbolicamente
importantes na história da Grã-Bretanha. O império atingiu seu apogeu e começou
a decair durante seus mais de 60 anos no trono. Foi ela quem começou a
“milenar” tradição dos casamentos reais como espetáculos públicos; quem
instituiu Buckingham como moradia Real; quem popularizou o branco como cor
preferencial para noivas e todo um longo esquema de cores para luto, após a
morte prematura de seu amado Albert; quem transformou a Família Real de uma
máquina extravagante de gastos em clã com deveres cívicos; quem popularizou
paparicar animais de estimação e passar férias na Escócia. Ainda hoje vitoriano
é adjetivo de conservador, moralmente severo, até mesmo hipócrita.
Não faltariam incidentes para a ITV fazer seu novelão
aristocrático, mas decidiu deixar de fora o tifo de Sua Majestade, a invasão de
Buckingham por dois desconhecidos, o fato de que Victoria teve que dividir um
quarto com sua mãe mesmo vivendo em casas gigantescas. Imagine quanta pena
eriçada isso não geraria. E sem problema inventar, supor que aconteceu, porque
Victoria não está muito preocupada com a “verdade”.
Para não relembrar que a Casa de Windsor se originou no
que hoje é a Alemanha, a Rainha não tem sotaque teutônico, apenas seu consorte.
Na vida real, Edward Oxford não atirou contra Sua Majestade numa das vezes em
que desafiadoramente saía para ver seus súditos, mas apenas ia visitar a mãe,
que não vivia em Buckingham (mas claro que para uma série fica mais fácil que
seja assim).
O roteiro de Daisy Goodwin e Guy Andrews não deixa de
lado o estrondoso sucesso da ITV, Downton Abbey. O cozinheiro apaixona-se pela
aia Marianne Skerret, proveniente de casa de má reputação. A verdadeira Sra.
Skerret era de linhagem nobre impecável. Para que apelar assim, quando já há
tanto material?
Nada disso estraga a série, apenas recomenda-se que se
assista sem a costumeira crença de que se apareceu na tela foi desse o jeito
que aconteceu. Não faria mal à Victoria deixar de ser apenas soap opera de época e explicar alguns
usos e costumes que não são “por acaso”. Quando o cãozinho Dash ganha retrato
só dele, a ideia não era apenas eternizar o animal, mas criar a imagem de uma
monarca mais próxima dos comuns; foi a Rainha Vitória que iniciou essa
tendência. Aliás, a série nem se deu ao trabalho de mencionar a famosa pintura.
Se você não tiver paciência
para 8 capítulos ou quiser guardar um resumo desta temporada para assistir
antes de que a segunda comece, basta pegar o filme A Jovem Rainha Vitória
(2009). Em cerca de 1 hora e quarenta, terá tudo e um pouquinho mais do que
acontece em Victoria, sem sua downtonabbeyice. E com roteiro de Julian Fellowes,
o homem por trás de...Downton Abbey.
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