Roberto Rillo Bíscaro
Em dezembro de 2010, a arquiteta Joanna Yeates
desapareceu, em Bristol. No dia de Natal seu corpo estrangulado foi encontrado
a milhas de seu apartamento, cujo senhorio era um professor de inglês
aposentado, Christopher Jefferies. Ansiosa para apaziguar o frenesi midiático,
a polícia deteve Jefferies para interrogatório, quase sem evidências, a não ser
testemunhos contraditórios.
A prisão do idoso foi vazada para a imprensa, infame no
Reino Unido na figura dos tabloides, embora a “impoluta” BBC também tenha culpa
neste cartório. E quer prato mais cheio, quando o suspeito é um senhor
visivelmente homossexual e afetado, com cabelo “esquisito” (diabolicamente
manipulado por Photoshop para parecer ainda mais azul) e que não conhece as
figuras midiáticas da moda, gosta de comidas pouco usuais, estuda francês,
enfim, é um esnobe Oxbridge? Todos os tabloides da Inglaterra e Escócia
literalmente arrasaram sua reputação, e mesmo depois de isento da suspeita,
continuou hostilizado/ostracizado. Incentivado por ex-alunos e amigos,
Jefferies abandonou a posição do “deixa pra lá” e tornou-se porta-voz ativo na
luta pela regulação da imprensa, além de processar todos os jornais e ganhar
merecida bolada indenizatória.
O roteirista Peter Morgan, de A Rainha e The Crown,
roteirizou a saga desse improvável herói inglês na minissérie em dois capítulos,
da ITV, The Lost Honour Of Christopher Jefferies (2014), dirigida por Roger
Michell, ex-aluno de Jefferies, famoso por Um Lugar Chamado Notting Hill (1999)
e marido de minha amada Anna Maxwell Martin, que faz um pequeno papel como
atendente na padaria frequentada por Jefferies. O professor é magistralmente
interpretado por Jason Watkins, num papel que exigiu muita mão dramática e
merecidamente rendeu-lhe o BAFTA de melhor ator, em 2015.
The Lost Honour Of Christopher Jefferies é sólido docudrama,
que coloca temas para discussão através de história exemplar e se sai muito bem,
embora como sempre a vítima de assassinato não passe de trampolim para outra
história. Não é demais lembrar que a família de Yeates também comeu pão azedo
(veja o telefilme para entender a piada). Mas, Jefferies não tem culpa disso,
então, vamos celebrá-lo e refletir.
Há os temas patentes da relatividade da liberdade de
expressão e da necessidade de regulação da mídia, mas latentes há questões que
demandam atenção. Por que estamos prontos a acreditar/aceitar acriticamente
como verdade absoluta e universal tudo o que a mídia diz? Três frases
descontextualizadas, a opinião de um jornalista (que de isento nada tem) e
qualquer característica de Jefferies foi usada contra ele e prontamente aceita
por multidões. No Reino Unido, não em um país “inculto” de terceiro mundo. Bom
até para discutir nosso complexo de vira-lata.
Para sobreviver emocionalmente ao opróbrio social e
tentar passar despercebido, o aposentado mudou seu visual após ser inocentado.
Quem poderia culpá-lo por isso? Mas, onde fica a decantada tolerância britânica
para com o diferente, o “excêntrico”, palavra que por si só é armadilha, porque
indica que o sujeito está fora do centro e todos sabemos o que pode acontecer
com gente assim. Claro que a Inglaterra que o julgou sem provas também é o país
que se dispôs a discutir seu caso, compensou-lhe alguns danos e admite que
estava errada. E isso é esperançoso e louvável para aquela cultura. Mas fica a
discussão do diferente, afinal qual o preço que se pode pagar e como evitar que
se julgue ruim aquilo que não entendemos, porque desigual do que estamos
acostumados.
The Lost Honour Of
Christopher Jefferies proporciona oportunidade ímpar de trabalho
multidisciplinar entre professores de Ensino Médio, por exemplo, além de
entreter quem procura um bom drama com ótimas atuações. Da última vez que
chequei a Netflix estava lá, com título em inglês mesmo.
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