terça-feira, 13 de dezembro de 2016

TELINHA QUENTE 242

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Roberto Rillo Bíscaro

Em dezembro de 2010, a arquiteta Joanna Yeates desapareceu, em Bristol. No dia de Natal seu corpo estrangulado foi encontrado a milhas de seu apartamento, cujo senhorio era um professor de inglês aposentado, Christopher Jefferies. Ansiosa para apaziguar o frenesi midiático, a polícia deteve Jefferies para interrogatório, quase sem evidências, a não ser testemunhos contraditórios.
A prisão do idoso foi vazada para a imprensa, infame no Reino Unido na figura dos tabloides, embora a “impoluta” BBC também tenha culpa neste cartório. E quer prato mais cheio, quando o suspeito é um senhor visivelmente homossexual e afetado, com cabelo “esquisito” (diabolicamente manipulado por Photoshop para parecer ainda mais azul) e que não conhece as figuras midiáticas da moda, gosta de comidas pouco usuais, estuda francês, enfim, é um esnobe Oxbridge? Todos os tabloides da Inglaterra e Escócia literalmente arrasaram sua reputação, e mesmo depois de isento da suspeita, continuou hostilizado/ostracizado. Incentivado por ex-alunos e amigos, Jefferies abandonou a posição do “deixa pra lá” e tornou-se porta-voz ativo na luta pela regulação da imprensa, além de processar todos os jornais e ganhar merecida bolada indenizatória.
O roteirista Peter Morgan, de A Rainha e The Crown, roteirizou a saga desse improvável herói inglês na minissérie em dois capítulos, da ITV, The Lost Honour Of Christopher Jefferies (2014), dirigida por Roger Michell, ex-aluno de Jefferies, famoso por Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) e marido de minha amada Anna Maxwell Martin, que faz um pequeno papel como atendente na padaria frequentada por Jefferies. O professor é magistralmente interpretado por Jason Watkins, num papel que exigiu muita mão dramática e merecidamente rendeu-lhe o BAFTA de melhor ator, em 2015.
The Lost Honour Of Christopher Jefferies é sólido docudrama, que coloca temas para discussão através de história exemplar e se sai muito bem, embora como sempre a vítima de assassinato não passe de trampolim para outra história. Não é demais lembrar que a família de Yeates também comeu pão azedo (veja o telefilme para entender a piada). Mas, Jefferies não tem culpa disso, então, vamos celebrá-lo e refletir.
Há os temas patentes da relatividade da liberdade de expressão e da necessidade de regulação da mídia, mas latentes há questões que demandam atenção. Por que estamos prontos a acreditar/aceitar acriticamente como verdade absoluta e universal tudo o que a mídia diz? Três frases descontextualizadas, a opinião de um jornalista (que de isento nada tem) e qualquer característica de Jefferies foi usada contra ele e prontamente aceita por multidões. No Reino Unido, não em um país “inculto” de terceiro mundo. Bom até para discutir nosso complexo de vira-lata.
Para sobreviver emocionalmente ao opróbrio social e tentar passar despercebido, o aposentado mudou seu visual após ser inocentado. Quem poderia culpá-lo por isso? Mas, onde fica a decantada tolerância britânica para com o diferente, o “excêntrico”, palavra que por si só é armadilha, porque indica que o sujeito está fora do centro e todos sabemos o que pode acontecer com gente assim. Claro que a Inglaterra que o julgou sem provas também é o país que se dispôs a discutir seu caso, compensou-lhe alguns danos e admite que estava errada. E isso é esperançoso e louvável para aquela cultura. Mas fica a discussão do diferente, afinal qual o preço que se pode pagar e como evitar que se julgue ruim aquilo que não entendemos, porque desigual do que estamos acostumados.
The Lost Honour Of Christopher Jefferies proporciona oportunidade ímpar de trabalho multidisciplinar entre professores de Ensino Médio, por exemplo, além de entreter quem procura um bom drama com ótimas atuações. Da última vez que chequei a Netflix estava lá, com título em inglês mesmo.

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