Roberto Rillo Bíscaro
Algumas séries são lançadas na Netflix como se fossem a
Segunda Vinda - vide House Of Cards ou The Crown – ao passo que outras têm
inserção quase clandestina. Nesta categoria encaixa-se a primeira temporada da
catalã Merlí (2015), cuja trezena de capítulos foi disponibilizada dia 1 de
dezembro, sem publicidade. Pena, porque essa mistura d’O Mundo de Sofia com
Malhação pode proporcionar discussões instigantes, tanto pelas suas qualidades,
quanto pelos defeitos, contradições e armadilhas ideológicas em que vive
caindo. Serviria imenso como ferramenta pedagógica para duradouro trabalho com
alunos de Ensino Médio. Merlí clama por projeto multidisciplinar a ser
trabalhado ao longo de um semestre ou mais, hoje que a popularização do acesso
à internet e à Netflix torna sua exibição possível em inúmeras unidades
escolares.
Merlí é professor de filosofia cinquentão, divorciado e
que tem de voltar a viver com a mãe. É contratado para lecionar em uma escola
pública, onde seu jeito libertário encanta e conquista mesmo os mais renitentes
alunos. Obviamente inspirado pela Sociedade dos Poetas Mortos (1990),
felizmente Merlí logo descarta o uso de cantarolar trecho de música erudita
como fazia a personagem de Robin Williams. Mas, didático, cada episódio
apresenta trecho de algum clássico, como Clair de Lune. O roteiro de Merlí
sonha em entreter e educar.
Cada capítulo aborda um filósofo ou escola filosófica, em
dois níveis: Merli fala um pouco do pensador, em classe, e o enredo dramatiza a
questão filosófica através das problemáticas enfrentadas pelas personagens. No
mundo mágico de Merlí, quase todos sempre acordam para a razoabilidade, os
alunos ficam quietos ou se sentam ao primeiro comando do mestre, que tem todo o
tempo disponível para seus alunos, porque, por necessidades de roteiro,
relaciona-se com apenas uma turma. Que fique a advertência para leigos
deslumbrados: uma jornada docente é bem diferente da apresentada em Merlí.
Seria Merlí professor-personagem ideal para ensinar ética
ou trabalho em equipe, quando não tem amigos, falta com ética para com os colegas
ao falar para os alunos o que ouviu na sala dos professores, apenas porque considera
os colegas medíocres? Como seria o convívio social se todos agissem como ele?
Merli, a série, está polvilhada de contradições que tais,
mas é isso também que a faz tão interessante como instrumento didático
possível. A trama envolvendo típicos problemas adolescentes prende a atenção,
conseguimos empatizar com as personagens e querer ver o desenrolar dos fatos,
ou seja, o programa funciona em nível de entretenimento e pode vir a fazê-lo em
nível pedagógico.
É torcer para que tenha boa
audiência apesar da carência de divulgação e que a Netflix compre os direitos
da segunda temporada, já exibida pela catalã TV3.
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