Roberto Rillo Bíscaro
O doutor Amin Jaafari vive o sonho integracionista em Tel
Aviv: palestino cercado de amigos judeus, bem-casado, recipiente do “Oscar da
medicina israelita”, sequência de abertura de O Atentado (2013), dirigido por Ziad
Doueiri. A coprodução França/Qatar/Bélgica/Egito está no catálogo brasileiro da
Netflix, facinho de ver, portanto. E vale a pena.
Na manhã seguinte à premiação, Tel Aviv é abalada por
ataque suicida a um restaurante, resultando na morte de uma dúzia de crianças,
estratagema do roteiro para tornar a situação mais radical. E eis que o Dr.
Jaafari descobre que a mulher-bomba é ninguém menos que sua idealizada esposa.
A partir daí inicia-se peregrinação de descobertas político-pessoais. O médico
tem que lidar com a demolição de seu mundo particular e de sua inocência
social. Para que estrangeiros possamos agonizar com o ponto de vista do médico,
o roteiro teve que pedir licença poética para construí-lo provavelmente
inocente demais para quem vive no caldeirão fervente da contenda entre judeus e
palestinos, que pressupõe atentados terroristas, massacres, rixas seculares e
disputas territoriais às quais vemos com horror (até que em seguida se exibam
os gols dalgum campeonato) pelos noticiários.
O ataque, então, acontece física, emocional e
identitariamente a Amin. Como será de agora em diante, seu relacionamento com
os amigos judeus? Até que ponto esses são realmente amigos? Como o viúvo
receberá e lidará com as reações dos israelenses? Afinal, Amin é a exceção que não
se enxerga ou é percebida como tal. Quantos outros palestinos bem-sucedidos e
socialmente tolerados vemos no filme?
Procurando respostas, Amin viaja para a cisjordânica
Nablus e lá percebe que nada entendia sobre sua posição em qualquer um dos
lados rivais. Os roteiristas Doueiri e Joëlle Touma simplificam demais a
conversão da bela Siham em terrorista e pedem demais do pobre Jaafari em seu
relacionamento pessoal (como culpa-lo por não atender o celular, quando está
prestes a subir ao palco para receber os louros?), mas como o fulcro da
película está na (im)possibilidade de (co)exisitir sem tomar partido, há que se
relevar esses traços.
O Atentado tenta apresentar
argumentos de ambos os lados, ainda que não esteja em seu escopo situar o ódio
étnico historicamente. Sem didatismo ou proselitismo explícitos, propõe
questionamentos que cabem ser respondidos pelo espectador. Mas, será que existe
solução? Será que todo judeu é um pouquinho árabe e nenhum árabe pode negar ser
um bocadinho judeu, como diz Amin em seu discurso na premiação?
Nenhum comentário:
Postar um comentário