Roberto Rillo Bíscaro
2016 foi ano muito auspicioso para o rock progressivo. Excelentes
álbuns do Big Big Train, Jon Anderson, The Neal Morse Band e a promissora
estreia do Paradigm Shift. Outros não tão consistentemente bons deixei pra essa
postagem-trinca, dedicada a LPs com bons momentos, mas não essenciais, lançados
no segundo semestre do ano passado.
A Itália aloja importante selo/loja virtual dedicado a
prog rock e afins. Trata-se da Mellow Records, em cujo vasto catálogo no Bandcamp, você encontra infinidade de bandas, além dos famosos “álbuns ao vivo
não-oficiais” pelos quais o país europeu sempre foi famoso/infame, dependendo
do lado da cadeia de produção que você esteja.
No começo do milênio, o dono da Mellow, Mauro Moroni,
sugeriu a membros da banda neo-prog Moongarden que fundassem projeto paralelo para
participar de um álbum-tributo ao Genesis. Tudo a ver, uma vez que a banda
inglesa é segura fonte de inspiração de sucessivas ondas de neo-prog. Assim foi
a gênese do Submarine Silence, cuja formação tem David Cremoni nas guitarras e
violões, Guillermo Gonzales nos vocais (que às vezes derrapam no inglês), Cristiano
Roversi nos teclados/baixo sintetizado e Emilio Pizzocoli na bateria. No ocaso
de setembro, lançaram seu terceiro LP, Journey Through Mine.
A referência segue sendo o Genesis, mormente os primeiros
anos da era Phil Collins, de ’76 a ‘81/2. The Astrographic Temple abre com
teclados outonais, que caberiam num álbum de Tony Banks, há curto trecho onde
as coisas parecem que tomarão rumo mais experimental, mas logo desabrocham
guitarra e teclados Mike Rutherfod e Tony Banks com o Genesis. Aqueles teclados
que fazem uma espécie de eco que parece um coro, a batera copiando alguns
andamentos de Collins, mudanças no tempo, na melhor faixa do álbum, porque a
mais vibrante e focada.
Black Light Back diminui o
ritmo e intensidade e aponta com retorno à fase Gabriel, por momentos; em
Swirling Contour, Gonzales tenta até “apodrecer” os vocais, como Peter Gabriel.
Mas, ele não é o inglês e o Submarine Silence está longe da ebulição
criativa/técnica do Genesis. Eventualmente, o material torna-se repetitivo: os
caras armam cama de teclados que soa sempre igual e o guitarrista fica solando
em cima, aparentemente sem rumo. Mais para o final de Journey Through Mine, o
ouvinte deseja que o submarino afunde. Mas não é de todo mal, há faixas que se
salvam.
The Gift é um sexteto britânico de prog sinfônico, que
lançou seu primeiro álbum, em 2006. A formação atual conta com Mike Morton (vocal),
Dave Lloyd (guitarras e voz), Leroy James (guitarras e voz), Gabriele Baldocci (teclados),
Stefan Dickers (baixo) e Neil Hayman (bateria). Em outubro, saiu seu terceiro
trabalho, Why The Sea Is Salt.
As influências do The Gift são mais abrangentes do que o
puro Genesis do Submarine Silence, mas, olha só, os ex-genesianos Steve Hackett
e Anthony Phillips tocam no LP e na mesma faixa, a desesperadamente linda The
Tallest Tree. Parece Genesis início dos 70’s/Hackett fase Voyage Of The
Acolyte/Ant fase The Geese And The Ghost. O violão de 12 cordas de Ant precede
solo de flauta de derreter granito, daí entra clima bem folk outonal setentista,
antes do sensacional solo de guitarra de mestre Steve, lírico de arrancar
lágrimas, especialmente porque vem depois da repetição da flauta. São canções
assim que dão aquele puta orgulho de ser fá de rock progressivo!
At Sea abre o LP com piano erudito todo respingativo,
seguido por seção mais rock, vibrante, com equidade entre guitarra e teclados.
Faixa tipicamente “britânica”, na qual o vocal empostado entra quase na metade
dos mais de 10 minutos. Sweeper Of Dreams vai em levada quase hard rock, mas
bem ao estilo progressivo, por momentos alinhava-se a música de parque de
diversão, polca ou equivalente. Grande guitarrada. Tuesday’s Child abre em
clima de vocal angelical, com guitarra lírica e grã-piano, seguido por trecho
mais folk violonado, à Lindisfarne ou Moody Blues.
O empecilho para Why The Sea Is Salt ser mais
criativamente vasto é o par de canções finais, uma delas com mais de 20
minutos. Num álbum prog, a faixa mais longa falhar em ser interessante o tempo
todo – ou pelo menos, na maior parte dele – fere-o de morte. All These Things,
que parece falar sobre uma cerimônia de casamento e depois cita o Santo Graal e
imagens nada otimistas, tem pedaço com órgão eclesiástico, diversidade de
andamentos, como pede o figurino prog, mas não apresenta quase nada marcante;
Pelo contrário, há trechos chatos e o vocal nem é o melhor do disco. At Sea –
Reprise (Ondine’s Song) fecha o álbum com a fórmula “se a melodia é sem graça,
vamos botar um solo genérico e tá de boa”.
Você escuta/adquire Why The Sea is Salt (felizmente podem-se
comprar faixas avulsas), no Bandcamp:
https://thegiftuk.bandcamp.com/album/why-the-sea-is-salt
O que primeiro chama a atenção no Anakdota é o fato de o
grupo israelense não ter guitarrista e do instrumento aparecer em apenas uma
das oito faixas do álbum de estreia, Overloading, lançado em novembro de 2016.
Misturando complexidade prog com acessibilidade pop, conforme atestado em seu
perfil no Bandcamp, o Anakdota é formado por Ray Livnat e Ayala Fossfeld
(vocais), Erez Aviram (teclas), Guy Bernfeld (baixo) e Yogev Gabay (bateria).
As harmonias vocais, mudanças de andamento e arranjos
remetem a um Gentle Giant simplificado. Em um trabalho onde o piano predomina e
as vezes pesa, alguns ouvintes poderão achar que mais para o final ouvir
Overloading tem meio que algo de maratona. Mas, quem curtir música elaborada
certamente aproveitará.
One More Day abre o álbum e já mapeia como será a
sonoridade das oito faixas: o piano soa muito jazzy, o andamento é bem Gentle
Giant, mas o teclado do fim lembra Genesis (ambos grupos ingleses são citados
no perfil do Anakdota, no Bandcamp) e no meio tem hora que lembra indie rock
contemporâneo. Anakdota é progressivo, porque consegue juntar tradição com
modernidade, fundir ritmos e ser musicalmente explorador. Ouça como Diferent
Views soa fusion: os mais idosos
imaginarão trechos em comerciais do saudoso Free Jazz Festival. Late envereda
pelo humor tão característico de tantas bandas prog. A história do moço que
tenta justificar seu atraso à amada vem embalada com toques de music hall e timbre cômico de teclado.
O lindo vocal de Ayala Fossfeld aparece apenas na quarta
faixa, a belíssima Mourning, única a ter guitarra, que poderá passar
despercebida, porque plácida, discreta e de fundo, nessa linda canção de amor,
esperança e despedida, conduzida pelo piano. Quem curtia as participações da
irmã de Lô Borges em seus álbuns (lembram de Vento de Maio?), amará Ayala, que
reaparecerá brilhante em Staying Up Late e End Of The Show, em vocalizes
contrapondo-se a Ray Livnat. Ayala precisa ser mais aproveitada em futuros
álbuns; a voz de Livnat enjoa um bocadinho e combinada com as tours de force ao piano de Overloading e
Girl Next Door podem dar a tal sensação de esforço.
Overloading pode ser adquirido também no Bandcamp.
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