Roberto Rillo Bíscaro
Como a escandinava, vez ou outra a TV israelense fornece
aos norte-americanos inspiração pra adaptações. Os originais de sucessos como
In Treatment, Homeland e Hostages são israelenses. O pequeno país asiático
infelizmente é mais afamado pela perene e sangrenta luta contra palestinos, que
inspirou o filme O Atentado, por exemplo. De 2015, a dúzia de capítulos da
primeira temporada de Fauda acresce material ficcional de qualidade às
narrativas sobre o conflito.
Doron é ex-agente de um grupo da elite antiterrorista
israelense convidado a se desaposentar pra eliminar de vez Abu Ahmed, líder do
Hamas que se acreditava morto por Doron, só que não. Típico de série, Doron faz
doce no começo, mas assim que aceita, tudo e todos a seu redor e de Ahmed
envolvem-se/complica-se numa espiral de violência e caos (fauda em árabe). Tem
mulher-bomba, criança como mercadoria de troca em sequestro, traição; infidelidade conjugal num suspense crescente a cada
episódio, atingindo clímax de roer unha no derradeiro, que deixa uma deixa
perversa, perigosa e fanática pra confirmada segunda temporada. Esse Walid tá
maluco de pedra, que que ele vai aprontar, Alá de Jesus!?
Fauda usa os elementos convencionais de thriller
político/de espionagem em um ambiente propício pra ambivalências. Árabes e
judeus estão grudados – pra nós estrangeiros nem dá pra distinguir – e mesmo
dentre os grupos há rachaduras. Claro que sendo israelense, vemos mais as
cisões no lado árabe, mas estes não são representados como animais selvagens
sem motivação ou “amor”. Nem os judeus são ungidos sem defeitos. Em Israel
houve quem reclamasse disso. No caso do Brasil, há quem reclamará que a
dublagem da Netflix apenas do hebraico sub-repticiamente traz o espectador pro
lado judeu, afinal o árabe falando sua língua com legenda soa como “o
outro”.
Conhecendo melhor Doron, difícil mesmo negar que a
empatia fique com ele, até porque algumas atitudes do lado árabe não são nossas
escolhas primeiras como ocidentais. Temos mais a ver com o lado israelense na
informalidade das relações, na postura perante a mulher, até na tolerância com
um baseadinho. Mas a série é sob o ponto de vista israelense, isso nunca pode
ser olvidado.
Com um elencaço em ambos os lados – que ingrato fazer os
papéis de Abu Ahmed e Walid, mas os atores conseguem projetar mais do que
máquinas de vingança e fanatismo – Fauda prende a atenção não apenas pela trama
eficiente, mas pela locação tão distinta das séries anglo-americanas/europeias.
Também é muito legal perceber diferenças culturais tipo, como aqueles homens se
tocam/beijam ao passo que as mulheres, não! Tão diferente da distância
masculina nas séries ianques ou dinamarquesas...
Por isso é tudo de bom sair
do circuito Nordic Noir/TV britânica de quando em vez: pra olhar o distinto.
Aprender que quando alguém morre por Alá é chamado de shahid (mártir). Infelizmente, vivemos num mundo onde isso existe,
por que não saber? Se essas informações e olhares sobre o diferente vêm numa
série absorvente, melhor ainda.
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