Roberto Rillo Bíscaro
Whitechapel é um bairro londrino tornado mundialmente
famoso/infame, nas últimas décadas do século XIX, devido a uma série de
assassinatos de mulheres, atribuídos a Jack, The Ripper. O Estripador
aterrorizou Londres; a caçada policial deu início a práticas forenses mais
profissionais; a mídia atingiu frenesis de cobertura, inclusive inventando
fatos que se tornaram senso-comum; a atenção sobre a horrendamente pobre
vizinhança chamou atenção para a brutal desigualdade social no então império
mais rico do planeta. Whitechapel era pura favela charcosa em meio à pretendida
pompa e circunstância vitorianas.
Por essas razões, Jack o Estripador deve ser o serial killer mais famoso da história.
Antes e depois houve quem matasse muito mais – nunca se soube quem foi Jack;
muito menos se foi um ou mesmo homem ou quem matou todas as moças de
Whitechapel – mas a figura não tem tido paz desde então. Teorias estapafúrdias,
livros, documentários, filmes, “releituras e ressignificações” (ah, a
pós-modernidade) vem à tona constantemente. Só nesta década, pelo menos 3
séries britânicas relacionam-se aos Assassinatos de Whitechapel: Ripper Street
(na fila do HD), Penny Dreadful (tentei ver, mas na metade do segundo capítulo
achei que sofreria falência múltipla dos órgãos por tédio) e Whitechapel.
Entre 2009 e 2013, foram exibidos os 18 episódios das 4
temporadas de Whitechapel, pela ITV britânica. Composta por histórias
independentes abrangendo 2 episódios, Whitechapel se passa no bairro londrino
dos dias de hoje, mas não deixa de reverenciar seu habitante mais ilustre: a
primeira história é de um imitador dos crimes do Estripador. A polícia
relutantemente pede ajuda a um Estripadologista (ripperologist, no original) e
a insânia começa.
Whitechapel é absolutamente despirocada e a doideira só
aumenta com o passar das tramas. Tem sinagoga secreta, gêmeos gangsteres,
bruxas, suínos vitorianos produzindo raça mutante no vasto esgoto da capital
britânica, assassino à slasher film e
isso é só a ponta do novelo, pra não entediar leitores, nem entregar a diversão
tão facilmente. No mais das vezes, os elementos sobrenaturais são dados como
ponto de partida e funcionam como motivadores de sustos e risadas, mas a
maldade em Whitechapel é sempre bem humana, concreta e nojenta (prepare o
estômago). Mas é tão demasiada e mirabolante que adquire delicioso tom de
diversão mesmo. Psiquiatria não é minha área; como nos divertimos com tanta
violência não está no meu escopo de entendimento. Mas, que é delicioso, isso é!
Como não rir quando entra em cena um criptozoólogo? Parece astro-arqueólogo de Homem-Aranha japonês!
No centro de todas as investigações, a improvável dupla
DI Chandler e DS Miles (Phil Davis, o Smallweed, de Bleak House - amo demais, acho ele meio Johnny Rotten!),
auxiliados por DCs que não permanecem uniformes em todas as temporadas, mas
ganham algum interesse pessoal, embora dê pra viver sem eles de boa. Legal
mesmo é ver o metrossexual patologicamente obcecado por limpeza e muito TOCado
Chandler, com seu sotaque highbrow,
tendo que descer aos fétidos esgotos pra examinar cadáver parcialmente devorado
por ratos. Não é sua ideia de diversão? Acredite, é menos chocante do que
descrito; a reação dele dilui muito da nojeira.
Whitechapel é tão maluco
quanto a maior parte das teorias sobre Jack, o Estripador, que, se existiu como
homem/mulher só, deve estar rindo de satisfação no inferno, ao ver que sua
memória não foi esquecida.
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