Roberto Rillo Bíscaro
A maior parte do tempo, desde sua fundação, em 1990, o
Big Big Train (BBT) percorreu trilho independente no prog rock, o que significa
que tendia a ser ainda menos conhecido do que as já pouquíssimo divulgadas
bandas atreladas às pequenas gravadoras que atendem o subgênero. Sorte que há a
fiel comunidade progressiva ao redor do globo – cheia de blogs, newsletters,
fanzines – mas quem não assina mailing
lists ou visita sites especializados regularmente, corre o risco de não os
conhecer.
Incluo-me entre esses até o lançamento de Folklore, ano
passado, que me tirou do eixo. Se eu tivesse me juntado a alguma newsletter prog antes... Embora tenha
meus grupos favoritos de todos os tempos, tipo Genesis, Yes, Smiths (Morrissey
odiaria, mas ele que aprenda a lidar com isso), há muito não tenho banda
predileta da atualidade. Acho que uma das últimas foi Belle And Sebastian.
Canções estupendas de Folklore, como The Transit Of Venus Across The Sun e
Brooklands me encheram de esperança de que o BBT viesse a preencher esse lugar.
O páreo não era assim tão simples, porque o Farmhouse Odissey igualmente me
encantara.
Busquei a discografia e imediatamente antes de Folklore
havia os 2 volumes de English Electric, lançados, respectivamente, em 2012-3.
Experimente digitar o nome no Google pra ver como o Big Big Train é
minusculamente reconhecido. Aparece muita matéria sobre o LP homônimo de 2013,
do OMD. Nada contra os synth-poppers
oitentistas - amo Enola Gay e Electricity (e não ouvi o English Electric deles)
– mas não há quase nada sobre seus conterrâneos progressivos.
O núcleo-duro da parte 1 do English Electric do Big Big
Train foi gerado pelo Genesis, mais especificamente por Trespass (1970) e
Nursery Cryme (1971). Tamanha minúcia mostra como os ingleses dominam bem o
subgênero em que operam e a perícia para operar dentro de escopo bem definido e
reduzido de escolhas e mesmo assim não soar caricato ou repetitivo. A abertura,
The First Rebreather, põe todas as cartas genesianas à mesa: depois de solo de
flauta gabriélico e virada de bateria típica de Collins, entra austero e
certeiro solo de guitarra digno de Steve Hackett sentado, lendo partitura. É
bem Trespass, mas aí entra o toque de subversão apenas possível pra conhecedor
profissional da tradição prog: usar maneirismos do baterista e guitarrista
empregando sonoridade de um álbum em que ambos ainda não se haviam juntado ao
Genesis. Harmonias vocais, muita coisa lembra o Genesis, só falta na na na na na ao final (ouça Upton
Heath, que há!). Mas, como English Electric é pra quem tem paciência pra
detalhes de fone de ouvido, o ouvinte também fluente em idioma prog notará
arpejos e barulhitos tomados de outros quadrantes.
Quem ama aqueles preciosos anos do início dos 70’s,
quando o prog folk gestou pérolas
infelizmente quase esquecidas como Amazing Blondel e Gryphon, não deixará de
sorrir com a doçura dos banjos de Uncle Jack. Seu tamanho reduzido, lembra banda
prog da época tentando fazer single pra
encravar no Top Ten.
Britânico, adjetivo inseparável de English Electric. Não
é à toa esse título. A sonoridade e as letras recheadas de referências a sebes
(o álbum termina com Hedgerow...Sebe!), campinas, ravinas, igrejas, sinos, remetem
àquela sonoridade imagética típica do prog lá produzido. Peter Gabriel conta
que durante as gravações de Selling England By The Pound – em uma propriedade
rural no interior da Inglaterra – a banda parava pra tomar chá. Como não
reconhecer esses estereótipos pelo passeio paisagístico de Winchester From St.
Giles’ Hill? È nela que está o melancólico madrigal trançado por flauta árcade
e piano gotejante, que precede o momento mais rock de guitarra e teclado. Feche
os olhos e imagine caminhada colina acima, o atingir o cume e a descida.
Outro estratagema comum pro Genesis eram as historietas
sobre gente estranha. O BBT tem falsificadores de obras de arte e garotos na
escuridão, além do bucolismo pastoril. A vigorosa e viciante Judas Unrepentant
encaixa-se nas categorias de historinha e de grande canção prog de todos os
tempos.
Em um álbum repleto de tubas, bandolins, pistões,
violinos e trombones – além dos teclados da sonoridade do prog clássico – não
se corre perigo de cair no marasmo. Em Summoned By Bells, quando parece que a
coisa vai ficar repetitiva, o clima muda, meio que prevendo o caminho de
algumas canções mais Genesis anos 90 de Folklore, tudo ganha musculatura, o
piano ganha tons jazzy e David
Longdon canta pelas estranhas, o que se repete em A Boy In Darkness. Aqui, o
BBT prova vez mais que não é mera cópia neo prog do Genesis; a orquestração
épica tem umas flautas iradas à Jethro Tull, mas os contemporâneos proggers ingleses não são amadores: usam
elementos da tradição pra criar um som só deles.
São 8 faixas de qualidade
técnica e artística irretocável:
A parte 1 de English Electric saiu em setembro, de 2012 e a 2, em março do seguinte ano. A homonímia e o reduzido intervalo entre os lançamentos qualificam-nos como álbum duplo, projeto do qual muitos artistas saem chamuscados. Manter a criatividade num LP simples já é barra, imagine preencher dois. Foi nessa brincadeira que o Yes despencou do favor da crítica, com Tales From Topographic Oceans (1973). Mas, o BBT estava num frenesi de ideias, porque as 7 canções mantêm o alto nível da parte 1
Quintessencialmente britânico outra vez, o folk por vezes
evoca hinos religiosas em igrejas anglicanas rurais, como em Swan Hunter, mesmo
que as letras dessa parte invoquem mais uma Inglaterra pós-Revolução
industrial, com suas minas de carvão, estaleiros e ferrovias. Mas, não se
preocupem que há agricultores e sebes! Os músicos estavam transbordando de
melodias lindas na cabeça, a ponto de rechearem Keeper Of Abbeys com fragmentos
de música viciantes, além de um duelo sensacional de cítara, flauta, guitarra e
violino. Um dos pontos altos, pra se ouvir repetidamente. E quer coisa mais British que abadia? Downton Abbey
gritando, Jane Austen e sua Northanger Abbey imperando. Já sei a letra de cor,
de tanto que ouço. A derradeira Curator of Butterflies é pra não dizer que BBT
é clone de Genesis. Sua emocionante garota que talvez tenha se jogado do
penhasco é prog contemporâneo da melhor qualidade, com DNA próprio.
Tudo muito bom, mas exceto por Keeper Of Abbeys, tudo é
ultrapassado pela monumental East Coast Racer, que abre English Electric Pt 2
com seus quase 15 minutos e meio e é uma das grandes canções progressivas da
história. Sobre um lorde que bateu um recorde de velocidade em Maria-Fumaça –
quer mais britânico do que trem, na terra do Trainspotting? – a canção tem
dinâmica e estrutura irretocáveis. Os trechos que representam o ganhar de
velocidade do trem são levados por percussão e pianos fluidos; dá pra imaginar o
movimento, e vez mais o BBT prova que tem seu próprio estilo de prog rock.
Conhecedores sabem que estamos na tradição corrediça de The Cinema Show, mas
reprogramada por uma geração contemporânea ao Radiohead.
Recipientes como melhor álbum e banda ano passado do
equivalente ao Grammy do rock progressivo (o que significa que pouquíssima
gente sabe deles, porque onde esse prêmio é divulgado?) e com data prevista de
lançamento do próximo álbum (fim de abril), o Big Big Train é minha banda
preferida da atualidade.
Demorou, mas finalmente tenho uma de novo. Com orgulho. E
ainda que não cópia, apenas possível devido a minha favorita de todos os
tempos: Genesis.
Quer conhecer mais? Acesse a página deles no Bandcamp, tá
tudo lá:
Nenhum comentário:
Postar um comentário