segunda-feira, 13 de março de 2017

CAIXA DE MÚSICA 256

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Roberto Rillo Bíscaro
A maior parte do tempo, desde sua fundação, em 1990, o Big Big Train (BBT) percorreu trilho independente no prog rock, o que significa que tendia a ser ainda menos conhecido do que as já pouquíssimo divulgadas bandas atreladas às pequenas gravadoras que atendem o subgênero. Sorte que há a fiel comunidade progressiva ao redor do globo – cheia de blogs, newsletters, fanzines – mas quem não assina mailing lists ou visita sites especializados regularmente, corre o risco de não os conhecer.
Incluo-me entre esses até o lançamento de Folklore, ano passado, que me tirou do eixo. Se eu tivesse me juntado a alguma newsletter prog antes... Embora tenha meus grupos favoritos de todos os tempos, tipo Genesis, Yes, Smiths (Morrissey odiaria, mas ele que aprenda a lidar com isso), há muito não tenho banda predileta da atualidade. Acho que uma das últimas foi Belle And Sebastian. Canções estupendas de Folklore, como The Transit Of Venus Across The Sun e Brooklands me encheram de esperança de que o BBT viesse a preencher esse lugar. O páreo não era assim tão simples, porque o Farmhouse Odissey igualmente me encantara.
Busquei a discografia e imediatamente antes de Folklore havia os 2 volumes de English Electric, lançados, respectivamente, em 2012-3. Experimente digitar o nome no Google pra ver como o Big Big Train é minusculamente reconhecido. Aparece muita matéria sobre o LP homônimo de 2013, do OMD. Nada contra os synth-poppers oitentistas - amo Enola Gay e Electricity (e não ouvi o English Electric deles) – mas não há quase nada sobre seus conterrâneos progressivos.
O núcleo-duro da parte 1 do English Electric do Big Big Train foi gerado pelo Genesis, mais especificamente por Trespass (1970) e Nursery Cryme (1971). Tamanha minúcia mostra como os ingleses dominam bem o subgênero em que operam e a perícia para operar dentro de escopo bem definido e reduzido de escolhas e mesmo assim não soar caricato ou repetitivo. A abertura, The First Rebreather, põe todas as cartas genesianas à mesa: depois de solo de flauta gabriélico e virada de bateria típica de Collins, entra austero e certeiro solo de guitarra digno de Steve Hackett sentado, lendo partitura. É bem Trespass, mas aí entra o toque de subversão apenas possível pra conhecedor profissional da tradição prog: usar maneirismos do baterista e guitarrista empregando sonoridade de um álbum em que ambos ainda não se haviam juntado ao Genesis. Harmonias vocais, muita coisa lembra o Genesis, só falta na na na na na ao final (ouça Upton Heath, que há!). Mas, como English Electric é pra quem tem paciência pra detalhes de fone de ouvido, o ouvinte também fluente em idioma prog notará arpejos e barulhitos tomados de outros quadrantes.
Quem ama aqueles preciosos anos do início dos 70’s, quando o prog folk gestou pérolas infelizmente quase esquecidas como Amazing Blondel e Gryphon, não deixará de sorrir com a doçura dos banjos de Uncle Jack. Seu tamanho reduzido, lembra banda prog da época tentando fazer single pra encravar no Top Ten.
Britânico, adjetivo inseparável de English Electric. Não é à toa esse título. A sonoridade e as letras recheadas de referências a sebes (o álbum termina com Hedgerow...Sebe!), campinas, ravinas, igrejas, sinos, remetem àquela sonoridade imagética típica do prog lá produzido. Peter Gabriel conta que durante as gravações de Selling England By The Pound – em uma propriedade rural no interior da Inglaterra – a banda parava pra tomar chá. Como não reconhecer esses estereótipos pelo passeio paisagístico de Winchester From St. Giles’ Hill? È nela que está o melancólico madrigal trançado por flauta árcade e piano gotejante, que precede o momento mais rock de guitarra e teclado. Feche os olhos e imagine caminhada colina acima, o atingir o cume e a descida.
Outro estratagema comum pro Genesis eram as historietas sobre gente estranha. O BBT tem falsificadores de obras de arte e garotos na escuridão, além do bucolismo pastoril. A vigorosa e viciante Judas Unrepentant encaixa-se nas categorias de historinha e de grande canção prog de todos os tempos.
Em um álbum repleto de tubas, bandolins, pistões, violinos e trombones – além dos teclados da sonoridade do prog clássico – não se corre perigo de cair no marasmo. Em Summoned By Bells, quando parece que a coisa vai ficar repetitiva, o clima muda, meio que prevendo o caminho de algumas canções mais Genesis anos 90 de Folklore, tudo ganha musculatura, o piano ganha tons jazzy e David Longdon canta pelas estranhas, o que se repete em A Boy In Darkness. Aqui, o BBT prova vez mais que não é mera cópia neo prog do Genesis; a orquestração épica tem umas flautas iradas à Jethro Tull, mas os contemporâneos proggers ingleses não são amadores: usam elementos da tradição pra criar um som só deles.
São 8 faixas de qualidade técnica e artística irretocável:


A parte 1 de English Electric saiu em setembro, de 2012 e a 2, em março do seguinte ano. A homonímia e o reduzido intervalo entre os lançamentos qualificam-nos como álbum duplo, projeto do qual muitos artistas saem chamuscados. Manter a criatividade num LP simples já é barra, imagine preencher dois. Foi nessa brincadeira que o Yes despencou do favor da crítica, com Tales From Topographic Oceans (1973). Mas, o BBT estava num frenesi de ideias, porque as 7 canções mantêm o alto nível da parte 1
Quintessencialmente britânico outra vez, o folk por vezes evoca hinos religiosas em igrejas anglicanas rurais, como em Swan Hunter, mesmo que as letras dessa parte invoquem mais uma Inglaterra pós-Revolução industrial, com suas minas de carvão, estaleiros e ferrovias. Mas, não se preocupem que há agricultores e sebes! Os músicos estavam transbordando de melodias lindas na cabeça, a ponto de rechearem Keeper Of Abbeys com fragmentos de música viciantes, além de um duelo sensacional de cítara, flauta, guitarra e violino. Um dos pontos altos, pra se ouvir repetidamente. E quer coisa mais British que abadia? Downton Abbey gritando, Jane Austen e sua Northanger Abbey imperando. Já sei a letra de cor, de tanto que ouço. A derradeira Curator of Butterflies é pra não dizer que BBT é clone de Genesis. Sua emocionante garota que talvez tenha se jogado do penhasco é prog contemporâneo da melhor qualidade, com DNA próprio.
Tudo muito bom, mas exceto por Keeper Of Abbeys, tudo é ultrapassado pela monumental East Coast Racer, que abre English Electric Pt 2 com seus quase 15 minutos e meio e é uma das grandes canções progressivas da história. Sobre um lorde que bateu um recorde de velocidade em Maria-Fumaça – quer mais britânico do que trem, na terra do Trainspotting? – a canção tem dinâmica e estrutura irretocáveis. Os trechos que representam o ganhar de velocidade do trem são levados por percussão e pianos fluidos; dá pra imaginar o movimento, e vez mais o BBT prova que tem seu próprio estilo de prog rock. Conhecedores sabem que estamos na tradição corrediça de The Cinema Show, mas reprogramada por uma geração contemporânea ao Radiohead.
Recipientes como melhor álbum e banda ano passado do equivalente ao Grammy do rock progressivo (o que significa que pouquíssima gente sabe deles, porque onde esse prêmio é divulgado?) e com data prevista de lançamento do próximo álbum (fim de abril), o Big Big Train é minha banda preferida da atualidade.
Demorou, mas finalmente tenho uma de novo. Com orgulho. E ainda que não cópia, apenas possível devido a minha favorita de todos os tempos: Genesis.
Quer conhecer mais? Acesse a página deles no Bandcamp, tá tudo lá:

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