Roberto Rillo Bíscaro
Ibibio é a língua do povo de mesmo nome que vive na
Nigéria. Entre 1,5 e 2 milhões de pessoas falam ibibio, dentre elas Eno
Williams, cantora nascida em Londres, mas de origem nigeriana. Quando criança,
na Nigéria, sua família contava-lhe estórias do folclore ibibio, as quais
Williams usa nas letras do Ibibio Sound Machine, cantadas em sua maioria na
língua de seus ancestrais.
Em época de radicalização nacionalista, o Ibibio Sound
Machine é tapa na cara utópico na torpeza Trump. Trata-se dum coletivo
multinacional formado por Eno Williams (vocais); Alfred Kari Bannerman (guitarra),
de Gana; Anselmo Netto (percussão), do Brasil; Jose Joyette (bateria), de
Trindade; Max Grunhard (saxofone e sintetizadores), da Austrália e pelos
britânicos John McKenzie (baixo), Tony Hayden (trombone e sintetizadores) e
Scott Baylis (trompete e sintetizadores).
Lotados na pós-colonial Londres Brexitosa, o Ibibio Sound
Machine (ISM, daqui em diante) estreou com álbum homônimo, em 2014 e no início
de março chegou Uyai, dúzia de canções que seguem a tônica de filtrar diversos
ritmos e estilos africanos pelo prisma da música eletrônica e da New Wave ou
pós-punk. Note a piscada para os anos 80 no nome, muito parecido ao Miami Sound
Machine, de Gloria Estefan, que também fundia: pop com ritmos caribenhos. Uyai
não soará alienígena nem para fãs da atual M.I.A. nem para veteranos da era do
A Certain Ratio ou Quando Quango, porque os rigorosos elementos retrofuturistas
são produzidos contemporaneamente.
Give Me A Reason abre Uyai e é súmula de sua beleza
(uyai, em ibibio). Gélidos teclados Gary Numan, guitarra que oscila entre funk e
rock e base afroeletro pós-punk angulosa. Batuque balouçante da moléstia;
África sintética mesclada com diversos subgêneros ocidentais, que, na verdade,
vieram de lá. Power Of 3 desloca cadeiras com sua mistura de disco music. Em Joy, a mistura vem com doideira
techno, mas o baixo é soturnamente pós-punk; é Joy, mas Division. E é hora do mea culpa do resenhista, que, como
tantos brancos ocidentais, percebe mínimas subdivisões de grime e prog rock, mas desconhece o nome de ritmos africanos,
prevalentes em seu próprio país.
Em Guide You, brasileiras cuícas coexistem com trompete
anárquico de free jazz, teclado de
som de videogame e coro e base afroelétricos. Trance Dance tem samba, rock e
alguma subdivisão grime. Um dos
encantos de Uyai é como instrumentos coincidentes estão operando em convenções
dessemelhantes, mas o resultado é convívio animado. Sunray é afro-progressive house com toda a
repetição estrutural tanto de música tribal quanto do subgênero eletrônico.
Dizem que a música ritual era repetitiva pra se alcançar o êxtase, com a ajuda
dalguma substância alucinógena. Techno seria pra alcançar o Ecstasy. E eis que
The Pot Is On Fire transporta o ouvinte pralguma rua nova-iorquina ou londrina
nos anos 80 com meninos multicoloridos dançando break ao som de Afrika Bambaataa influenciado por Kraftwerk (Telephone
Call, do LP Electric Café). E não soa datado, porque repaginado em electro, uma das reencarnações da electronica oitentista.
O forte do ISM são as pauladas dançantes, mas as 3 ou 4
menos rápidas têm produção ambient-etérea e ritmos que as sustentam, mas é
inegável que se for pra festar, quebram o clima. Ou, pode-se encará-las como
oportunidade de retomar o fôlego. O curioso é que a canção de ninar do LP –
literalmente, Lullaby – é midtempo: mamãe
dá balançadinha de leve pra fazer nenê nanar.
Acostumados a países onde a música africana predomina,
certamente sentirão falta de certa malemolência, mascarada pela marcialidade
gelo-angulosa do pós-punk ou pela artificialidade da electronica. Mas quem cresceu ao som dos anos 80 e do que veio
depois, vai amar.
O Ibibio Sound Machine está no Bandcamp. Nunca foi tão
fácil ser o mais hip da turma; acesse!
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